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CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE DE APROVISIONAMENTO

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 135-142)

A obrigação de exclusividade de aprovisionamento, que costuma acompanhar a exclusividade territorial,388 impõe que o distribuidor só possa adquirir um produto ou uma determinada gama de produtos do fornecedor ou de terceiros por este indicados, devendo abster-se de adquirir produtos concorrentes ou de origem não chancelada pelo fornecedor.

A possibilidade de impor a exclusividade de aprovisionamento é um dos grandes atrativos para a constituição de redes de distribuição, ainda que isso implique maiores investimentos por parte do fornecedor e concessão de vantagens compensatórias aos distribuidores, caso da exclusividade territorial. É a exclusividade de aprovisionamento que, por sinal, dá consistência à rede, fortalecendo os vínculos entre seus integrantes.

Mas, por outro lado, essa obrigação contribui para acentuar a relação de dependência do distribuidor para com o principal, especialmente quando aquele não opera com quaisquer outros tipos de produtos, ainda que não concorrentes, isto é, restringe sua atividade à revenda dos produtos objeto do contrato de distribuição. Nessa perspectiva, pode-se afirmar ser tanto maior a integração à rede, quanto mais restritiva a cláusula de exclusividade de aprovisionamento. No limite, o distribuidor corta vínculos com quaisquer outros fornecedores, de produtos concorrentes ou não, e, perante os consumidores, apresenta-se apenas como representante econômico de uma determinada marca. Não é incomum, aliás, que o contrato vede ao distribuidor e mesmo aos seus sócios (se pessoa jurídica), direta ou indiretamente, a abertura de outros estabelecimentos que comercializem produtos concorrentes, no território que lhe foi assinalado ou até fora dele.389

Passemos ao exame dessa obrigação nos diversos tipos contratuais em análise, à luz da legislação brasileira. No contrato de agência, a exclusividade de representação não se apresenta como elemento essencial ou mesmo natural. Assim, deverá o instrumento contratual mencionar se haverá “exercício exclusivo ou não da representação em favor do representado”.390 A exclusividade de representação não se presume, à míngua de disposição expressa no contrato.391 Mudará o quadro, todavia, se for transformado em lei o projeto do Código Civil, com redação atual do seu art. 711, que transforma tanto a

388 Para Claudineu de Melo, Contrato de distribuição, p. 43 e 119, o produtor não poderia exigir exclusividade de aprovisionamento sem, conjuntamente, garantir exclusividade territorial. Não nos parece, todavia, haja um vínculo jurídico entre ambas as cláusulas, de sorte a ser inválida uma sem a presença da outra. O que se dá é que, com

frequência, ambas se apresentem, lado a lado, na mesma relação contratual, uma favorecendo o fabricante (exclusividade de aprovisionamento), outra, o distribuidor (exclusividade territorial).

j89 Restrição que, porém, poderá se revelar indefensável, por desproporcional.

j9° Art. 27, alínea i, da Lei n° 4.886/65.

391 Art. 31, parágrafo único, e art. 41 da Lei n° 4.886/65.

exclusividade territorial, como a exclusividade de representação, em elementos naturais do contrato de agência.

Em se tratando de concessão comercial, a exclusividade também está a depender de expressa previsão no contrato,392 embora a presença de algumas circunstâncias possa induzir ao seu reconhecimento, como, exemplificativamente, a utilização de signos de identificação do concedente no título do estabelecimento

Na franquia, onde se opera uma identificação do estabelecimento do franqueado com o estabelecimento do franqueador, é natural que, sob a bandeira do franqueador, não possa o franqueado prestar serviços ou comercializar produtos concorrentes ou exorbitantes ao objeto do contrato. Assim, ainda que não se possa falar em exclusividade de aprovisionamento em benefício do franqueador, até porque, em grande parte dos casos, o franqueador apenas transfere bens imateriais para o franqueado, o fato é que este só pode prestar serviços ou vender produtos previamente chancelados pelo franqueador, ou que, quando menos, observem os padrões de qualidade estabelecidos em contrato. Na prática, o franqueador indicará, de forma vinculante, os fornecedores dos quais o franqueado deve adquirir produtos a serem comercializados no estabelecimento.393

Assinale-se que, em nosso ordenamento, não há limitação temporal à vigência da cláusula de exclusividade de aprovisionamento, ao contrário do que ocorre em outros países.394

A exclusividade de aprovisionamento, ao tempo em que isola o distribuidor de outras fontes de fornecimento, com os efeitos integrativos daí decorrentes, também fecha aos fornecedores concorrentes canais de acesso ao mercado, conseqüência que clama

j92 Em matéria de concessão de veículos automotores, a Lei n° 6 729 tem vários dispositivos a respeito da exclusividade de aprovisionamento. A alínea a, § Io, art 3o, estabelece que o contrato de concessão poderá vedar a comercialização de veículos automotores novos fabricados ou fornecidos por outro produtor. Por outro lado, o concessionário poderá comercializar implementos e componentes fornecidos por terceiros, observado, quanto a estes últimos, um índice de fidelidade na aquisição junto ao concedente, podendo ainda a convenção de marca estabelecer percentuais de sua aquisição obrigatória pelos concessionários (inciso I, art. 4o, c/c art. 8o) A exclusividade de aprovisionamento não alcança veículos e implementos usados de qualquer marca, bem como mercadorias de qualquer natureza destinadas ao veículo (incisos II e III, art 4o) Ademais, o concessionário ainda terá a faculdade de comercializar outros bens e prestar outros serviços compatíveis com a concessão (parágrafo único, art. 4o). Enfim, o fabricante apenas pode exigir exclusividade de aprovisionamento na revenda de veículos novos, e, ainda assim, nos limites estabelecidos pela alínea a, art. 12, não poderá obstaculizar a comercialização de veículos novos entre integrantes da rede.

393 Por sinal, dentre as informações que devem integrar a Circular de Oferta de Franquia, a Lei n° 8.955/94 elenca as relativas “à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores” (art 3o, XI)

394 Na França, noticia Ferrier, Droit de la Distribution, p 242, Lei de 14 10 43 limita a dez anos a duração dos contratos com cláusula de aprovisionamento exclusivo, admitindo-se, porém, a renovação do contrato ao fim deste termo Na Itália, o art. 2 596 do Código Civil dispõe que os pactos limitativos da concorrência (dentre os quais, em tese, enquadra- se a cláusula de exclusividade de aprovisionamento) não podem exceder à duração de cmco anos, mas a doutrina e a jurisprudência vêm consagrando entendimento de que esse limite temporal não se aplica, quando o pacto de exclusividade está relacionado com a causa do contrato. Nesse sentido, Baldassari, I contratti di distribuzione, p 492, que cita decisões da Cassação italiana

tratamento sob a ótica das regras jurídicas que buscam garantir a livre concorrência entre os agentes econômicos. Por esse prisma, na Europa, foram considerados relevantes, pelos órgãos comunitários, os seguintes fatores no exame da validade da cláusula: a importância econômica das partes; a parcela do mercado atingida; a possibilidade de se trancar o acesso de outros fabricantes ao mercado; e a existência de grande número de contratos iguais, gerando um efeito anticoncorrencial cumulativo.395 No plano das isenções coletivas, o Regulamento n° 1983/83 isenta os contratos de distribuição que observem suas condições, isenção que pode ser afastada no caso concreto, na hipótese em que a exclusividade de aprovisionamento prejudique o acesso de outros fornecedores a parte substancial do mercado comum.396 Por seu turno, o Regulamento n° 1984/83 institui isenção categorial para os contratos de aprovisionamento exclusivo, pelos quais o revendedor se compromete a adquirir uma determinada linha de produtos apenas de um determinado fornecedor.397 Este regulamento, além de normas gerais aplicáveis a todos os tipos de produtos, possui disposições específicas aplicáveis à distribuição de cerveja e de carburantes em que haja concessão de vantagens econômicas e financeiras ao revendedor.398

Em matéria de contratos de franquia, a Corte comunitária, no affaire Pronuptia, validou, à luz das exigências de proteção à marca e à integridade e reputação da rede, o controle, pelo franqueador, da qualidade das mercadorias vendidas pelo franqueado, e, na dificuldade de se estabelecer parâmetros objetivos de controle ou dado o grande número de franqueados, a possibilidade de se impor ao franqueado a aquisição de mercadorias junto ao próprio franqueador ou a fornecedores por ele credenciados, desde

j95 Schapira et alii, Droit européen des affaires, p. 453. O efeito cumulativo de diversos contratos de aprovisionamento mercado” (versão espanhola - anexo X a Esperanza Gallego Sanchez, La franquicia)

396 Segundo seu art Io, tal Regulamento aplica-se “agli accordi ai quali partecipano soltanto due imprese e nei quali uno dei contraenti si impegna nei conffonti delfaltro a fornire soltanto a lui prodotti ai fini delia rivendita in tutto il territorio o in una parte determinata dei mercato comune” (versão italiana extraída de apêndice a I contratti delia distribuzione commerciale la disciplina comunitária, 1’ordinamento interno).

397 O seu art. I o define o âmbito material de aplicação das normas gerais: “agli accordi ai quali partecipano soltanto due imprese e nei quali 1’una, il revenditore, si impegna nei conffonti delfaltra, il fornitore, ad acquistare, ai fim delia rivendita, determinati prodotti specificati nelfaccordo, soltanto da lui, da un’impresa ad esso collegata, o da unTmpresa terza, incaricata delia distribuzione dei suoi prodotti” (versão italiana em I contratti delia distribuzione commerciale) Assinale-se que o Regulamento n° 1984/83, à diferença do Regulamento n° 1983/83, não trata dos casos de distribuição em zona de exclusividade. Estabelece que o acordo de exclusividade de aprovisionamento não pode envolver uma gama de produtos que, por sua natureza ou pelos usos comerciais, não tenham nexo entre si. O acordo também não poderá ser feito por prazo indeterminado ou por prazo superior a cinco anos

398 Quanto à revenda de cervejas ou cervejas e outras bebidas em estabelecimento aberto ao público, prevê-se o seguinte quanto à duração do acordo de exclusividade- se houver exclusividade de aprovisionamento quanto a uma determinada cerveja e outras bebidas, o acordo não poderá ser por prazo indeterminado ou ter duração determinada superior a cinco anos; quando a exclusividade abranger apenas uma determinada cerveja, o acordo não poderá ser por prazo indeterminado ou ter duração determinada superior a dez anos; todavia, se o estabelecimento foi cedido pelo fornecedor ao distribuidor, a exclusividade poderá perdurar por todo o tempo de cessão. Finalmente, em matéria de carburantes, a exclusividade não poderá ser acordada por tempo indeterminado ou por prazo determinado superior a dez anos, salvo se o estabelecimento onde é feita a revenda tiver sido cedido pelo fornecedor.

que não se proíba a aquisição junto a outros franqueados.399 Na esteira dessa decisão, o Regulamento no 4.087/88 dispôs, no que respeita aos produtos que formam o objeto essencial da franquia, a obrigação do franqueado de não usar produtos concorrentes, obrigação que não atinge as peças de reposição e os acessórios. Em obséquio à identidade e à reputação da marca estão justificadas as seguintes restrições: vendas ou utilização na prestação de serviços apenas de produtos que respondam às especificações objetivas mínimas de qualidade estabelecidas pelo franqueador; vendas apenas de produtos do franqueador ou de terceiros por ele indicados, quando, em razão da natureza do produto, não seja possível aplicar especificações objetivas de qualidade.

Inaplicáveis, todavia, as isenções categoriais referidas, quando o fornecedor já exerce uma posição dominante no mercado. Nessa hipótese, entra em jogo o art. 86 do Tratado, à luz do qual a exclusividade de aprovisionamento passa a ter, pelos órgãos comunitários, um tratamento muito mais rigoroso.400 Isso em razão de, em casos tais, já ser bastante limitada a concorrência, quando não praticamente inexistente, contexto no qual a exclusividade de aprovisionamento cria um obstáculo a mais para os outros fornecedores que já ocupam o mercado e uma barreira ao ingresso de novos.

Nos EUA, questionou-se se, ao se exigir que o franqueado somente se abasteça de produtos do franqueador ou de terceiros por ele credenciados, não haveria aí uma modalidade de tying arrengement, isto é, de venda casada, que é justamente uma das modalidades apontadas como per se violation da legislação antitrustm o franqueado só poderia usar a marca, caso também se abastecesse de produtos do franqueador. De modo a se afastar essa solução, incompatível com a própria lógica de funcionamento da franquia, operou-se uma distinção entre marcas que identificam a origem do produto e marcas que distinguem um certo método, padrão de qualidade ou standard de exploração empresarial, para só neste segundo caso se questionar a exigência de compra obrigatória de produtos do franqueador ou de terceiros.402 Por outro lado, numa visão ainda mais compreensiva do contrato, considerou-se que a marca, os métodos empresariais e os produtos não poderiam ser considerados individualmente, mas, em verdade, comporiam um todo indissociável.403 Enfim, as evoluções jurisprudenciais mais recentes indicam que,

399 Esse entendimento guarda coerência com as premissas assentadas pelo Tribunal: que o aprovisionamento junto ao franqueador não é essencial à franquia, mesmo quando seja franquia de comércio, de forma que sua exigência resta vinculada à necessidade de preservar a reputação da rede.

400 Assim decidiu o TJCE nos casos United Brands e Hoffmann La Roche. Schapira e alii, , op cit., p. 483, a partir dessa jurisprudência, concluem- “Dès lors, il est possible d’esquisser une sorte de gradation des situations Lorsqu’il existe un grand nombre de fabricants, entre lesquels règne une véritable concurrence, il est possible que les clauses d’approvisionnement exclusif ne faussent pas la concurrence et que l’article 85, § Io, soit inapplicable Lorsqu’il existe un nombre relativement restreint de fabricants, en situation de concurrence, l’article 85, § Io, est normalement applicable aux contrats d’approvisionnement exclusif, mais ceux-ci peuvent être validés par le jeu de l’article 85, § 3°

Lorsqu’il existe sur le marché un fabricant occupant une position dominante, l’article 86 conduit à interdire les contrats d’approvisionnement exclusif passés par celui-ci” (p. 485 - negrito não consta do original)

401 Péris, op cit., p 45.

402 Ibidem, p. 47.

40j Assim julgou, em decisão paradigmática, o Fourth Circuit Court o f Appeal, no caso Principe v McDonald’s Corp, considerando que o franqueador “offers its franchisées a complete method o f doing business and i f the challanged

também nessa matéria, a rule of reason tende a prevalecer, afastando-se a ilegalidade

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per se.

Naquele país, discute-se, também, se o franqueado poderia operar com produtos de terceiros que refogem ao objeto da franquia, comercializando-os no mesmo estabelecimento. Quanto a isso, vem-se entendendo que proibição nesse sentido é compatível com o objetivo de proteção da identidade da rede, de salvaguarda da marca e dos outros sinais de identificação do franqueador e sua cadeia, razão pela qual também aí não se sustenta a per se doctrine 405

No Brasil, há que se ter em mente o disposto no inciso VI, art. 21 da Lei n°

8.884/94, que qualifica como conduta passível de levar a algum dos resultados proscritos pelo art. 20 do mesmo diploma “impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição”.

Em diversas ocasiões, ainda sob a égide da Lei n° 4.137, a cláusula em apreço foi submetida ao escrutínio do CADE. Assim, no Processo Administrativo n° 40, julgado em 08.10.87, o CADE considerou válida a cláusula de exclusividade de aprovisionamento de implementos agrícolas credenciados, por se tratar de prática comum na indústria de automotores e, principalmente, em razão da pequena participação do fabricante no mercado relevante.406 No Processo Administrativo n° 37, julgado em 12.10.89, afirmou-se não ser a cláusula de exclusividade de aprovisionamento ilícita em si mesma, somente configurando a infração prevista no art. 2o, inciso I, alínea ‘a’, da Lei n° 4.137, quando propiciasse a dominação do mercado nacional ou a eliminação parcial ou total da concorrência.407 Já no Processo Administrativo n° 97, julgado em 09.11.89, condicionou- se a validade da cláusula de exclusividade de aprovisionamento à existência, no mesmo contrato, de uma cláusula de exclusividade territorial, à falta da qual restou caracterizado abuso de poder econômico, por ofensa ao disposto no art. 2o, inciso I, alínea “g”, da Lei n° 4.137/62 408 No Processo Administrativo n° 30/92, julgado em 26.02.93, submeteu-se a cláusula em apreço a um teste de razoabilidade, afastando-se a sua ilicitude per se, e considerando-se o interesse legítimo do concedente ou franqueador e os benefícios para o consumidor 409 Quanto ao primeiro aspecto, entendeu-se haver um interesse

aggregations o f tied products are integral components o f the franchised business method, there is but a single product and no tie existe as a matter o f law ” (apud, Matteo Beretta, Tutela p. 265). Decisão igualmente referida por Peris, op c i t , p 48, e Esperanza Gallego Sanchez, op. cit., p. 156. Entre nós, acolhe esse ponto de vista, Nuno T P Carvalho, Os contratos de franquia ..., p. 37

404 Beretta, op. c i t , p. 270.

405 Peris, op. cit., p. 44; Beretta, op. cit., p. 251. Este autor cita precedente do 2nd Circuit Court o f Appeal, do qual se transcreve o seguinte excerto: “A trademark licensing agreement requiring the sole use of the trademarked product does not violate the antitrust laws if it is reasonably necessary to protect the goodwill interest of the trademark owner” (p 253)

406 Franceschini, Introdução ..., p. 214.

407 Ibidem, p. 63 408 Ibidem, p 210

409 Ibidem, p. 128. Transcreve-se, da obra em referência, excerto do voto do Relator, Conselheiro José Matias Pereira:

“Partindo desse enfoque [de que as modernas técnicas de distribuição que são a franquia e a concessão não visam, em princípio, restringir a concorrência] entendo que a legalidade das cláusulas de exclusividade deve ser analisada e julgada

defensável do fornecedor em racionalizar a comercialização de seus produtos, protegendo, também, a identidade e a reputação de sua marca. No que tange aos benefícios ao consumidor, o Relator identificou a “existência de uma atividade mercantil disciplinada, com um atendimento especializado de padrão superior e a certeza de estoque e a prestação de serviços garantidos” 410 Por fim, a merecer maior destaque, ato de concentração de fabricantes de bebidas, recentemente analisado pelo CADE, no qual a existência de cláusulas de aprovisionamento exclusivo foi considerada, face à dimensão da empresa resultante, como uma importante barreira ao desenvolvimento de outros fabricantes já presentes no mercado e à entrada de novos fabricantes no mercado, a ponto de o compartilhamento da sua rede ter sido uma das condições estabelecidas para que fosse autorizada a concentração.411

A propósito, convém expor o pensamento do Professor FÁBIO KONDER COMPARATO, que, conquanto reconhecendo a importância das modernas formas de distribuição e afastando uma suposta ilegalidade das cláusulas que as viabilizam,412 assume postura cautelosa no tocante à validade da cláusula de exclusividade de aprovisionamento, cláusula esta que, segundo defende, deverá corresponder a um interesse legítimo do concedente e não prejudicar o consumidor.413 Esse interesse não existirá em hipóteses nas quais os concedentes venham a se aproveitar de canais de distribuição já existentes, sendo, portanto, desnecessária a realização de grandes investimentos na formação da rede.414 Por outro lado, se o setor for controlado por de aprovisionamento* “O canal de distribuição exclusiva, por ter contratos exclusivos com o fabricante para desenvolver uma rede de capilaridade expressiva (capaz de levar o produto aos mais longínquos pontos de venda, bem como abastecer os adegueiros e os canais tradicionais, e até mesmo os distribuidores multimarcas), constitui uma barreira quase intransponível à entrada de pequenas novas marcas, eis que, primeiro, é responsável por 75% da distribuição de produtos aos pontos de vendas; segundo que tais distribuidores têm contratos de exclusividade das marcas com seus fabricantes, e que são independentes para montar sua rede de distribuição e escolher os setores (locais) para onde vão levar o produto exclusivo e detêm a maioria dos pontos de vendas atendidos exclusivamente” Em consonância com tais premissas, condicionou-se a aprovação do ato de concentração ao compartilhamento da rede de distribuição com os compradores de algumas das fábricas do grupo e com fabricantes de pequeno porte Além disso, proibiu-se a imposição de exclusividade aos pontos de venda, isto é, ao elo final da cadeia de distribuição, que faz com que o produto chegue ao consumidor (bares, restaurantes, supermercados etc.), em razão da disponibilização de maquinários, equipamentos e outros produtos de merchandising, exceto quando os investimentos e benfeitorias forem equivalentes a uma participação acionária da empresa.

412 “E, no entanto, seria ridículo desconhecer que a franquia e a concessão de venda não foram criadas como manifestações modernas de um certo malthusianismo econômico, mas objetivaram e ainda objetivam outras finalidades bem diversas Elas não surgiram da necessidade ou interesse de restringir a concorrência e limitar o consumo, mas, bem

poucos fabricantes, a cláusula de exclusividade acabará por provocar o fechamento do mercado aos demais. Situação diversa dá-se quando a rede tiver que ser criada pelo próprio fabricante, que não se valerá de estabelecimentos de distribuidores já existentes,415 hipótese em que a restrição de aprovisionamento pode ser justificável, especialmente para evitar que outros fornecedores atuem como free riders, aproveitando- se indevidamente dos esforços alheios de constituição de uma rede.

Pensamos, por todo o exposto, que a cláusula de exclusividade de aprovisionamento, no seio de uma rede de distribuição formada por contratos de concessão comercial e franquia, não deve ser considerado ilícito per se, posição, como visto, já firmada pelo CADE. Todavia, o exame concreto da estrutura de mercado poderá

Pensamos, por todo o exposto, que a cláusula de exclusividade de aprovisionamento, no seio de uma rede de distribuição formada por contratos de concessão comercial e franquia, não deve ser considerado ilícito per se, posição, como visto, já firmada pelo CADE. Todavia, o exame concreto da estrutura de mercado poderá

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 135-142)