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CONTROLE SOBRE A REVENDA

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 142-146)

A consolidação de uma rede distributiva impõe, tanto quanto possível, como já vimos, que a revenda dos produtos seja feita apenas por integrantes dessa rede. A revenda por terceiros, livres dos ônus que a integração à rede implica, é um fator desagregador. Já vimos que a opção dos fornecedores pela distribuição integrada traduz seu interesse em exercer um controle sobre todos os elos da cadeia de comercialização de seus produtos, até chegar ao consumidor final, resguardando a sua imagem e reputação, uniformizando técnicas de divulgação e promoção, garantindo uma adequada prestação de serviços pós-venda por meio dos próprios distribuidores. Mas esses propósitos, perfeitamente lícitos, e os correspondentes esforços seriam em parte anulados, caso o próprio fornecedor fosse-lhes infiel ou permitisse que, a jusante, os distribuidores o fossem. É nessa ordem de idéias que se justificam restrições contratuais, quando não legais,416 à revenda de produtos pelos distribuidores, nomeadamente, à revenda a outros canais de distribuição não-integrados à rede, como atacadistas e varejistas.417

A revenda a comerciantes não-integrados, quer pelo fornecedor, quer pelos distribuidores, possibilitaria uma atuação parasitária daqueles, que se beneficiariam dos esforços e investimentos coletivos da rede na divulgação dos produtos e serviços da marca, sem assumirem, em contrapartida, os respectivos ônus. Demais disso, estaria aberto o caminho para a inobservância da exclusividade territorial outorgada aos distribuidores. Assim, legítima a cláusula que impede esse tipo de operação, eis que coerente com as finalidades da rede.

A restrição em exame, insista-se, somente se afigura razoável, não conflitando com as normas de ordem pública pertinentes à matéria,418 se for compatível com a forma como o fornecedor estruturou sua rede de distribuição, bem assim com o seu comportamento. A proibição de venda a outros comerciantes só faz sentido no contexto de uma rede integrada. Caso o próprio fornecedor opte por “furar” a rede, vendendo a comerciantes que dela não fazem parte, cairão por terra as limitações impostas aos distribuidores.

416 Lei n° 6.729, art. 12: “O concessionário só poderá realizar a venda de veículos automotores novos diretamente a consumidor, vedada a comercialização para fins de revenda” (destaque nosso).

417 Uma forma de se materializar esse limite consiste em proibir a venda dos produtos em quantidades tais que façam presumir a sua compra para revenda

418 Dentre as quais, o inciso XI, art. 21, da Lei n° 8 884/94, que trata da imposição, “no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, de preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros” (destaque nosso), caso esta configure hipótese prevista no art. 20 do mesmo diploma

Todavia, nessa ordem de idéias, não se sustenta sejam proibidas pelo fornecedor operações de compra e venda entre os distribuidores integrantes da mesma rede de distribuição,419 ou mesmo entre tais distribuidores e comerciantes de outros canais de distribuição instituídos ou autorizados pelo produtor. Nesse caso, já não há interesse legítimo a justificar a restrição, visto que os produtos comercializados são os da marca e que não se vislumbra qualquer benefício que o consumidor possa sacar de tal restrição.

Vale ainda referir que, no âmbito comunitário europeu, a Comissão considerou válida a proibição de venda de produtos a comerciantes não integrados à rede, sob o pressuposto de que essa prática, caso admitida, viria a esvaziar de sentido todos os esforços tendentes à formação de uma rede especializada. Assim, foi aprovada a restrição em apreço no caso Yves Rocher420 Diversamente, no caso Computerland, a proibição de venda dos produtos objeto de distribuição a comerciantes não ligados à rede não se justificava, na medida em que esses produtos não tinham a marca do franqueador, mas eram selecionados por este junto a uma gama de grandes fabricantes 421 Passando do plano individual ao coletivo, é oportuno ter presente, mais uma vez, o Regulamento CEE n° 4.087/88, no qual se declara que, dentre as cláusulas que, sem embargo de provocarem restrições concorrenciais, revelam-se necessárias ao alcance dos objetivos básicos do acordo, estando, pois, cobertas pela isenção, encontram-se as que prescrevem a revenda apenas a utilizadores finais dos produtos, a outros franqueados e a outros canais de distribuição abastecidos pelo fabricante dos produtos.

419 Por sinal, a alínea “a”, parágrafo único, art. 12 da Lei n° 6.729 autoriza textualmente as operações entre concessionários da mesma rede de distribuição, as quais, em relação à respectiva quota, não ultrapassem 15% (quinze por cento) quanto a caminhões e 10% (dez por cento) quando aos demais veículos automotores.

420 “Estas obligaciones [de ajustar-se aos métodos e procedimentos do franqueador e de oferecer os produtos de sua marca] no tendrían sentido si los concesionarios Yves Rocher pudiesen ceder libremente los productos que figuran en el contrato a revendedores que por definición no tienen acceso a los conocimientos técnicos Yves Rocher y que no están obligados a aplicar los métodos comerciales de éste, cuando estas obligaciones son necesaria para establecer y preservar la originalidad y la reputación de la red y de sus signos distintivos” (versão em espanhol, anexo a Esperanza Gallego Sanchez, La franquicia).

421 “De acuerdo con las específicas circunstancias de este caso, la obhgación dei franquiciado de vender tan sólo a consumidores finales o a otros franquiciados de Computerland, salvo autorización, es considerada también como restrictiva de la competência. En ciertos sistemas de franquicia, por ejemplo, cuando los franquiciados venden productos con el nombre y/o marca dei franquiciador, la prohibición al franquiciado de revender a los revendedores que no pertenezcan a la red de franquiciados está basada en la legítima preocupación de que el nombre, la marca o la fórmula comercial pueden resultar perjudicados si los productos objeto dei contrato fiieran vendidos por revendedores que no tuevieran acceso a los conocimientos técnicos propios dei franquiciador y no estuvieran vinculados por las obligaciones destinadas a proteger la reputación y la homogeneidad de la red y de sus marcas distintivas” (versão em espanhol, anexo a Esperanza Gallego Sanchez, La franquicia).

3.12. CLÁUSULA IN T U IT U P E R S O N A E

Em virtude da intensidade do relacionamento entre as partes, do grau de colaboração necessário ao bom andamento dos negócios, dos requisitos de ordem financeira e técnica indispensáveis ao desempenho da atividade de distribuição, dentre outros fatores, é freqüente que o fornecedor condicione a transferência do estabelecimento comercial do distribuidor ou qualquer mudança no quadro societário deste (ou, pelo menos, no seu controle), à sua prévia concordância, sob pena de dar término à relação contratual, o que, em princípio, se revela lícito, enquanto mecanismo de controle predestinado a garantir a continuidade da atuação do distribuidor dentro dos padrões da rede. Em outras relações contratuais, inexistentes esses pressupostos, tal condicionamento constituiria indevida intromissão de terceiro em assunto de exclusivo interesse do distribuidor e de seus sócios.

Mas esse controle, no seu exercício, não pode ser arbitrário, sujeitando-se ao estalão da razoabilidade,422 de acordo com as finalidades que busca alcançar. É funcionalizado, portanto, a essas finalidades, que são, dentre outras, a garantia de uniformidade e de excelência na oferta de bens e na prestação de serviços pós-venda; a garantia da reputação da marca e da rede; a preservação e segurança do know-how transferido ao distribuidor.423 Isso está a justificar, por exemplo, que o fornecedor contraponha-se à transferência do controle do distribuidor para pessoas ligadas a marcas concorrentes (distribuidores ou sócios de distribuidoras de outras marcas, por exemplo), para pessoas que não sejam dotadas de alguma experiência ou conhecimento anterior acerca da atividade,424 ou ainda para pessoas cuja reputação no mercado seja negativa.

Inadmissível, porém, que tente transformar esse mecanismo de controle numa forma de imposição de obrigações ou de obtenção de vantagens adicionais na relação com o distribuidor.425 426

Para além desse controle, o fornecedor, especialmente em contratos de franquia, pode exigir que os novos integrantes do quadro societário, ao menos os encarregados da

422 Echebarría Saénz, El contrato de franquicia, p. 552.

423 No affaire Pronuptia, foram reconhecidas como essenciais à função do contrato de franquia, as cláusulas que possibilitam a transferência de savoir-faire sem o risco de que isso venha a beneficiar, ainda que indiretamente, os concorrentes do ffanqueador. Donde, a proibição ao franqueado de ceder seu estabelecimento sem prévia concordância do franqueador.

424 A Circular de Oferta de Franquia deve traçar “o perfil do ‘franqueado ideal’ no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente” (art. 3o, V, da Lei n°

8.955/94)

425 Caso em que a conduta do fornecedor poderia ser enquadrada no art. 21, XIV, da Lei n° 8.884/94.

426 Assinale-se que, contra a recusa abusiva em se autorizar a transferência do estabelecimento a terceiros, o prejudicado pode reagir quer i) postulando a resolução do contrato, com perdas e danos, quer, o que se também nos afigura possível, ii) obtendo uma determinação judicial que obrigue o principal a manter a relação com o novo distribuidor.

gerência da sociedade, submetam-se a treinamentos relacionados à gestão do negócio de acordo com os critérios padronizados para toda a rede.427

427 Vale, aliás, destacar que devem constar da Circular de Oferta de Franquia, de que trata a Lei n° 8.955/94, requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio (art. 3o, VI) e indicação do que é oferecido ao franqueado no que se refere ao seu treinamento (art. 3o, XII, “c”). Em se tratando de franqueado pessoa jurídica, o envolvimento pessoal e o treinamento dizem respeito aos sócios encarregados da gestão

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 142-146)