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CONTRATO DE FRANQUIA

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 53-64)

A franquia constitui o tipo de contrato de distribuição mais complexo hoje existente, criando uma relação intensa e duradoura, simbiótica,144 entre os contratantes, a qual, como veremos, chega a sugerir a existência de um vínculo associativo. Pode-se afirmar que, no estado da arte, a franquia, em sua configuração mais completa (conhecida como format business franchisé), ainda é o que há de mais avançado em contrato de distribuição de bens e serviços.

Alguns autores apontam seu surgimento após a guerra de secessão norte- americana, por obra de empresas que desejavam ampliar sua capacidade de distribuição de produtos, caso notório da Singer Sewing Machine Companyu5 Todavia, em sua atual configuração, a franquia desenvolveu-se a partir do final da segunda guerra mundial.

Nessa perspectiva, um fato “histórico” seria o surgimento da rede McDonald’s, em 1954 Seja como for, é indiscutível a origem desse contrato, como tipo social, na prática comercial norte-americana, diversamente dos contratos de concessão e agência, que tiveram sua gênese no continente europeu.

Em sua expressão mais completa (format business franchisé), o que dá o tom da franquia é o fato dela envolver a transferência a uma das partes (o franqueado) de um método de exploração de uma atividade empresarial desenvolvido pela outra (o franqueador),146 bem como dos signos distintivos dessa atividade empresarial e dos produtos e serviços que dela se originam. Opera-se como que um processo de clonagem de uma experiência empresarial bem sucedida, pelo qual se cria um novo corpo econômico dotado de funções, órgãos e aparência similares a outro já existente,147 podendo-se, por isso, falar em uma genérica licença de uso do bem imaterial

“organização” ou mesmo “empresa”, como um bloco unitário.148 Bem por esse motivo, um autor já denominou a franquia de acordo de reiteração (reiteração da organização do franqueador).149

144 Ronaldo Porto Macedo Jr, op. cit., p. 51.

145 Esperanza Gallego Sanchez, La franquicia, Madrid, Trivium, 1991, p. 19, Marzorati, Sistemas , p 187, Joseba Echebarría Saénz, El contrato de franquicia. defmición y conflictos en las relaciones internas, Madrid, McGraw-Hill,

1995, p. 7.

146 Na franquia, sublinha Péris, El contrato ..., p. 19, opera-se “la transmisión de un método completo de explotar una empresa que se opera a través dei contrato”.

147 “La franquicia (o ffanchising) importa la distribución no ya de un producto o servicio, sino de toda una empresa, que sólo puede existir mediante la repetición de tal organización” (Etcheverry, Derecho comercial y economico - parte especial, p 214)

148 Echebarría Saénz, El contrato ..., p 132

149 É a lição de Ferrier, Droit de la distribution, p 317, que, ao lado dos acordos de especialização (concessões exclusivas ou seletivas), identifica os acordos de reiteração como “méthode de collaboration entre un franchiseur qui a connu une réussite dans une activité de distributeur et des franchisés qui souhaitent la réytérer moyennant rémunération”

A sofisticação dessa técnica não deve obscurecer a função econômica que busca desempenhar, qual seja, a distribuição de bens e serviços no mercado. Segundo ECHEBARRÍA SÁENZ, a função primordial do acordo de franquia é criar uma rede uniforme de comercialização, mediante a uniformidade do método operativo e da imagem.150 Com efeito, o interesse do franqueador não se limita a “vender” um modelo empresarial ao franqueado. Bem mais do que isso, seu desiderato está em que o franqueado, de posse do complexo de bens imateriais que lhe é transferido, tenha condições de fornecer no mercado os bens e serviços que ele, franqueador, concebeu, ampliando a clientela da rede.151

A distribuição de que se trata, porém, não implica, necessariamente, produção dos bens pelo franqueador e sua transferência ao franqueado, ao contrário do que ocorre na concessão. O fornecimento de bens e serviços para comercialização junto ao mercado consumidor não é da essência desse contrato. Mesmo na franquia de comercialização, da qual falaremos adiante, os bens a serem vendidos podem ter sido adquiridos não do franqueador, mas de terceiro credenciado por este. Nem por isso pode negar-se haver distribuição. O franqueador faz uso de intermediários que não só levam o bem ou serviço ao mercado, como também podem assumir o encargo de reproduzir esse bem ou serviço, tal como foi concebido por ele, franqueador. No extremo, o franqueador apenas gera bens imateriais, cria e desenvolve uma tecnologia organizacional e promocional, delegando a terceiros todas as atividades relacionadas à industrialização e comercialização de bens materiais ou à prestação de serviços.

Já os elementos que não podem ser dispensados do contrato de franquia, sem os quais não se opera a reprodução ou “clonagem” empresarial, consistem i) na licença de uso de signos distintivos do franqueador (título do estabelecimento, insígnias) e dos bens e serviços a serem comercializados (marcas); e ii) na transferência ao franqueado de um conjunto de conhecimentos relacionados à operação do estabelecimento, conhecimentos estes que abrangem técnicas de comercialização, de gestão interna e organização, dentre outros, conhecidos como know-how ou, na variante francesa, savoir-faire,152 153 A

|:>U Op c i t , p. 75.

151 “El que concluye un contrato de franquicia no quiere sólo enajenar sus mercaderías, desea ‘seguirias’ hasta su reventa al consumidor final, conservando sobre ellas un determinado control y manteniendo su presencia a lo largo de todo el proceso de comercialización” (Gallego Sanchez, La franquicia, p 25) Também qualificando a franquia como método de distribuição, Luisa B. Burlas e Juan C Couso, in Etcheverry, Derecho Comercial y Económico - parte especial, 387 152 Entre os estrangeiros, citamos Guyenot, Que es el franchising?, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1977, p. 21:“E1 franchising se define como la concesión de una marca de produtos o de servicios a la cual se agrega la concesión dei conjunto de métodos y medios de venta”. No Brasil, Newton Silveira, O contrato de franchising, in Novos contratos empresariais, Carlos Alberto Bittar (coord), São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 156-165, p. 158, para quem “o objeto da franquia é o próprio aviamento, consistente na idéia organizadora do empresário e seus reflexos exteriores (sinais identificadores e posição de mercado)”. Este autor acrescente, p 161, ser o know-how elemento essencial do contrato

l5j Dando destaque para tais elementos, o Regulamento CEE n° 4.087/88, que, em seu artigo primeiro, define o acordo de franquia da seguinte maneira: “un accord par lequel une entreprise, le Franchiseur, accorde à une autre, le Franchisé, en échange d’une compensation financière directe ou indirecte, le droit de exploiter une Franchise dans le but de commercialiser des types de produits et/ou de services déterminés; il doit comprendre au moins les obligations suivantes - L ’utilisation d’un nom ou d’une enseigne communs et une présentation uniforme des locaux et/ou moyens de transport visés au contrat, - la communication par le Franchiseur au Franchisé de savoir-faire et - la fourniture par le

outorga ao franqueado dos sinais de identificação da franquia e do bem ou serviço, bem assim a conformação do seu estabelecimento a um padrão visual estabelecido pelo franqueador, são essenciais para atrair o público, já cativado pelo renome da franqueador. Já a transferência do know-how ao franqueado, acompanhada de assistência técnica e mercadológica ao longo do contrato, e de controle por parte do franqueador sobre as atividades do franqueado, asseguram que a imagem da rede será preservada e que, em cada estabelecimento, serão oferecidos bens e serviços com o mesmo padrão de qualidade.

E é tamanha a importância desses elementos que a sua falta ou insuficiência pode gerar a anulação, resolução ou, quando menos, requalificação do contrato de franquia.

Nesse sentido, por exemplo, têm-se pronunciado a jurisprudência e doutrina francesas.154 Por sinal, o Regulamento CEE n° 4.087/88, que dispõe sobre requisitos de isenção dos contratos de franquia frente às normas de proteção à concorrência do Tratado de Roma, estabelece, após definir o que seja o savoir-faire, que ele deve ser secreto, substancial e identificado.

Na prática, as diversas prestações do contrato de franquia podem ser vertidas em instrumentos contratuais diversos, como um contrato de transferência de know-how, um contrato de licença de uso de marca, um contrato de fornecimento de bens. Mas isso não deve iludir o intérprete quanto à profunda unicidade dessas prestações, que devem ser compreendidas em conjunto. Os diversos instrumentos são como satélites gravitando em torno de um objeto comum. Não há, pois, pluralidade de contratos conexos, mas um contrato único, com multiplicidade de prestações.

Quanto às prestações do franqueado, estas podem ser, cumulativa ou alternativamente, as seguintes: pagamento de uma taxa de ingresso na rede; pagamento de um percentual sobre sua receita de vendas de bens e serviços. Além disso, o franqueado pode estar obrigado a participar do custeio de certas despesas comuns à rede, como as de publicidade.

Franchiseur au Franchisé d ’une assistance commerciale ou technique pendant la durée de l’accord” Já a Lei n°

8 955/94, que, entre nós, dispos sobre a obrigação, a cargo do franqueador, de disponibilizar informações prévias sobre a franquia a potenciais franqueados, menciona esses elementos, mas considerou apenas eventual a transferência de know-how. De fato, seu art 2o dispõe que: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

154 Nathalie Huet, op cit., p 42, informa que, em decisão de 09.10 90, a Corte de Cassação francesa anulou contrato de franquia, dada a falta de originalidade do savoir-faire e a ausência de notoriedade da marca. No que concerne a este último aspecto, a autora critica a decisão por tendencialmente impossibilitar a instituição de redes de franquia por empresários cuja marca ainda está em fase de consolidação. Ainda quanto ao problema da anulação, v Ferrier, op c i t, p. 332; Laurence Amiel-Cosme, Les réseaux de distribution, Paris, LGDJ, 1995, p. 31; Christine Matray, Le contrat de franchise en Droit belge, in Les contrats de distribution commercial en Droit belge et en Droit français, Bernard Pinchart e Jean-Paul Triaille (coord.), Bruxelas, Larcier, 1996, p. 98. Sobre a desqualificação do contrato, Jean-Paul Clément, Le contrat de franchise em Droit français, m Les contrats de distribution commercial en Droit belge et en Droit français, p 158, na Itália, Roberto Baldi, Il contrato di agenzia - la concessione di vendita - il ffanchising, 5 ed , Milano, Giuffrè, 1992, p 129

Um dos aspectos marcantes do contrato em exame reside no alto grau de integração entre as partes contratantes, como teremos oportunidade de destacar mais adiante. Por ora, apenas diga-se que a empresa do franqueado, em grau maior que a de outros distribuidores, torna-se totalmente dependente da empresa do franqueador.

Formalmente autônoma, está em realidade adstrita às políticas da rede de distribuição, ou melhor, do franqueador. Pelo jogo de uma série de cláusulas contratuais, o franqueador tem condições de controlar todos os aspectos relevantes da atividade empresarial do franqueado, brandindo a arma da resolução contratual contra eventuais insubordinações. Integração e controle, portanto, num grau bem mais acentuado que em outros contratos de distribuição, são notas características da franquia.

O modelo da franquia pode ser aplicado a inúmeras atividades econômicas, das mais singelas às mais sofisticada. A franquia pode envolver industrialização de produtos, comercialização de bens, e prestação de serviços. Na primeira modalidade, o franqueado é autorizado pelo franqueador, normalmente mediante outorga de licença de exploração de patente, a fabricar produto sob a marca do franqueador e a introduzí-lo no mercado.

Na segunda, o franqueado adquire do próprio franqueador ou de terceiros por ele credenciados, os bens a serem revendidos. Na terceira, o franqueado presta serviços aos consumidores, segundo os padrões estabelecidos pelo franqueador.

Delineados os aspectos gerais do contrato em apreço, já temos condições de distinguí-lo da concessão comercial.

Na doutrina, há quem estabeleça paralelo entre a concessão comercial à européia e a franquia à americana, como se, no fundo, se tratasse do mesmo fenômeno, apenas com denominação diversa no novo e no velho mundos.155 156 Nessa perspectiva, a franquia, quando muito, seria uma modalidade mais evoluída, mais rica de conteúdo, de concessão comercial. Mas esse posicionamento foi de certa forma rechaçado pela Corte de Justiça da Comunidade Européia, no célebre caso Pronuptia,157 ocasião em que a Corte entendeu não ser aplicável às franquias, dada a sua especificidade, o Regulamento CEE n° 67/67, destinado ao controle, pelo prisma das normas de proteção à concorrência, dos acordos de aprovisionamento exclusivo (dentre os quais, os contratos de concessão).

155 É a opinião de Guyenot, Que es el franchising?, p. 23. Para ele, as diferenças traçadas entre ambos os contratos acabam sendo superadas na prática contratual. Assim, por exemplo, a concessão pode incorporar uma licença de uso de marca, tal como a franquia, p. 28.

156 No Brasil, negando a diferença entre os contratos de franquia e de concessão comercial, pronunciou-se o professor Rubens Requião, como aliás já anuncia o próprio título de seu trabalho (Contrato de franquia comercial ou de concessão de vendas, Revista dos Tribunais, n. 513, julho de 1978, p. 41-62, p 42) Tal entendimento justifica-se na medida em que, ao tempo em que manifestado (1978), a franquia ensaiava os primeiros passos no Brasil, não havendo ainda, entre nós, um tipo social bem formado, como se verifica atualmente. Vale ainda lembrar que, nos EUA, a franquia tem um conotação mais ampla, a abarcar aquilo que, alhures, denomina-se concessão comercial, o que deve ter influenciado a posição do saudoso comercialista.

157 Decisão de 28 de janeiro de 1986, no caso n° 161/84.

Por tudo o que já se expôs, ainda que sem a pretensão de estabelecer um limite férreo entre um e outro tipo contratuais, é possível estabelecer um diferencial entre ambos os contratos, a partir de vários elementos e aspectos, que passam a ser examinados. Em primeiro lugar, muito embora, como já visto, a concessão não se limite a uma sucessão de negócios de transmissão de bens entre concedente e concessionário, é certo que a relação de fornecimento é nota característica desse tipo contratual. Realmente, é próprio ao tipo social da concessão a transferência de bens pelo concedente ao concessionário, para revenda. Por sua vez, a franquia pode prescindir da aquisição de produtos pelo franqueado junto ao franqueador, para revenda. Além disso, a franquia pode estar direcionada principalmente à prestação de serviços, a qual, existindo na concessão, tem caráter acessório relativamente à prestação principal.

Acresce que a utilização de signos distintivos (título do estabelecimento, insígnias, marcas), bem como a transferência de know-how, é apenas eventual na concessão comercial, ao passo que é necessária à caracterização do contrato de franquia.158 159 O estabelecimento do franqueado deve confundir-se com o estabelecimento do franqueador, tanto pela sua imagem externa, como pelas suas práticas de operação e comercialização. Isso já não se exige na concessão comercial, onde, ainda que possa utilizar a marca do concedente, o concessionário, em regra, apresenta-se ante o consumidor com uma imagem própria e bem definida, normalmente externada por um título de estabelecimento que não se confunde com o do concedente. Em razão disso, a integração entre franqueado e franqueador é muito mais profunda do que aquela que se opera no contrato de concessão.160 Deveras, a exigência de uniformização da rede de franquia, relativamente a procedimentos de comercialização, técnicos, contábeis, e financeiros, deixa reduzida margem de gestão empresarial autônoma ao franqueado.161 Quanto à remuneração, o concedente normalmente tem suas receitas originadas da comercialização de seus produtos junto ao concessionário. Na franquia, isso também pode ocorrer, mas a regra é o pagamento de royalties ao franqueador, calculados sobre o faturamento mensal do franqueado. É que, enquanto o concedente assume primordialmente a condição de fornecedor de bens ao concessionário, o franqueador é

158 Antonio Pinto Monteiro, Contratos de agência, de concessão e de franquia, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, v. III, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1984, p. 322; Paul Crahay, Les contrats internationaux d ’agence et concession de vente, Paris, LGDJ, 1991, p. 9; Aldo Frignani, Contributo ad una ricerca sui profili dogmatici del ‘franchising’ (con particolare riferimento all’Italia), in Studi in onore di Enrico Tullio Liebman, v 4, Milão, Giuffrè, 1979, p. 3054; Amato, Impresa e nuovi contratti p 205; Christine Matray, Le contrat de franchise en Droit beige, p. 92.

159 É forçoso reconhecer, todavia, que, na definição agasalhada pela Lei n° 8.955, o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócios ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, isto é, o know-how, é tido por elemento apenas eventual, ao passo que a cessão de uso de marca ou patente é da essência do contrato Isso denota que o legislador pátrio adotou uma conceituação mais ampla da franquia, com menos elementos conotativos, e, por conseguinte, com uma abrangência maior Em outras palavras, entre nós, a franquia não se identifica com o modelo conhecido como form at business franchise, avizinhando-se ainda mais da concessão comercial

160 Baldassari, I contratti di distribuzione ..., p. 509; Crahay, Les contrats internationaux, p. 9; Amato, Impresa e nuovi contratti, p. 207; Pinto Monteiro, Contratos de agência ..., p. 322; Fauceglia, II franchising- profili sistematici e contrattuali, Milão, Giufffè, 1988, p. 161; Marzorati, Sistemas ..., p. 217.

161 Para Gerardo Santini, El comercio: ensayo de economia dei derecho, Barcelona, Ariel, 1988, p. 86, é justamente a necessidade do franqueado adaptar-se a uma série de comportamentos prefixados de conteúdo bastante variável, mas

um prestador de serviços e licenciador de certos bens relativos à propriedade imaterial ou intelectual.

Do exposto, infere-se que a franquia revela-se, ao menos tendencialmente, um contrato muito mais complexo, em termos de conteúdo obrigacional, que a concessão, além de abarcar atividades-fim, nomeadamente, a prestação de serviços, estranhas ao contrato de concessão.162 Porém, na perspectiva tipológica, essas diferenças - que são basicamente diferenças de grau, apontando para uma crescente complexidade e aprofundamento da relação entre os contratantes -- não devem obscurecer a proximidade de ambos os contratos. Assim, a transferência de know-how também ocorre na concessão, mas em níveis inferiores àqueles verificados na franquia. O concessionário também faz uso da marca do concedente, mas não a ponto de perder completamente sua identidade perante o mercado. Por contraste, o franqueado não possui signos de identificação próprios, mas apenas os da rede de franquias. Por tudo isso, insista-se, a integração entre as partes, na franquia, é muito mais completa que na concessão. Apesar disso, as zonas de transição entre ambos os tipos são fluidas. Há concessões que, pela intensidade de relacionamento entre as partes, já avançam sobre o território típico da franquia e, inversamente, franquias que estabelecem laços muito frouxos entre as partes, as quais, na prática, não trazem obrigações superiores às de um contrato de concessão E, para dificultar ainda mais a identificação e qualificação concretas, há, como vimos, concessões que passam a concentrar sua atividade apenas na prestação de serviços pós-venda, deixando de comercializar produtos do concedente. Tudo isso recomenda cautela na distinção prática entre ambos os tipos contratuais e favorece, por outro lado, o empréstimo recíproco de soluções jurídicas, pela via analógica.

A partir das notas características do contrato em exame, iluminadas no contraste com a concessão, e recolhidas basicamente no seu tipo social, isto é, na prática que vem moldando as obrigações típicas da franquia, temos condições de tratar de sua qualificação, por referência a outros contratos mais tradicionais. Nesse sentido, há que se fugir à tentação de buscar-se na franquia uma prestação dominante própria a um contrato já tipificado, em que se subsumiria, ou de nela se ver uma simples justaposição de prestações típicas de diversos contratos típicos.163 Tampouco, como já advertido, o intérprete deve iludir-se com a eventual formalização do contrato em vários instrumentos, um deles tratando da licença de uso de sinais distintivos, outro, da transferência de

know-todos ligados a um sistema de venda integrado, que oferece a nota característica da franquia, frente à concessão, já que a simples licença de uso de signos distintivos do negócio pode também ocorrer nesta.

162 Para Baldassari, I contratti di distribuzione ..., p 522, a franquia é uma versão de contratos distributivos mais rica de elementos, cobrindo área mais ampla que a concessão. Na opinião de Cagnasso, La concessione , p. 12, “il franchismg costituisce, rispetto alia concessioni di vendita, ora un modello tendenzialmente piü ricco di elementi, ora un modello differenziato”

16j Cnticável, nesse sentido, a posição de Rubens Requião, Contrato de franquia comercial ou de concessão de vendas, p 46, que qualifica a franquia como um contrato atípico misto, no qual o principal suporte seria a compra e venda mercantil, à qual se agrega o contrato de fornecimento, de prestação de serviços e de exploração de uso de marca Por

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 53-64)