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5 O QUE DIZEM OS USUÁRIOS SOBRE O “ATALHAR” NO

6.1 Os trabalhadores do hospital e os gestores

6.1.1.4 A rede dos atalhadores

Os entrevistados revelaram seu envolvimento com o atalho, dois entrevistados declararam não facilitar o atalho, no entanto, eles aceitam os usuários encaminhados pelo e para o atalho. Nas entrevistas e nas observações, identifiquei os trabalhadores envolvidos com o atalho na instituição. A princípio, são dois atores: o solicitante e o concedente. Os dois desdobram-se em diferentes papéis. O solicitante (um trabalhador do hospital 1) poderá chegar diretamente ao concedente (trabalhador do hospital 3.3) ou ele ainda poderá acionar um intermediário (trabalhador do hospital 2) para chegar ao concedente (trabalhador do hospital 3.3). Há pelo menos dois tipos de concedente direto que poderá ser um funcionário da triagem (trabalhador 3.1) ou do ambulatório (trabalhador 3.2), que ao abrir o prontuário formaliza o atalho ou ele mesmo poderá ser um intermediário ao ter que solicitar autorização para o concedente final - o médico (trabalhador 3.3) que retornará ou autorizará o funcionário da triagem para formalizar a abertura do prontuário.

O concedente poderá transformar-se em intermediário se ele necessitar encaminhar o usuário para outra especialidade, e então, haverá um outro concedente (trabalhador 5) e as relações poderão continuar dependendo da situação de adoecimento demandada pelo usuário.

Os personagens movimentam-se na rede de relações e assumem papéis sociais diferentes. O solicitante poderá ser diretamente o usuário que irá solicitar diretamente ao concedente, mas antes de chegar ao concedente (trabalhador 3.3)

ele já foi orientado por alguém de dentro do hospital que poderá ser um paciente do hospital ou um trabalhador (trabalhador). Uma outra forma é através do bilhete enviado pelo diretor ou alguém da direção (trabalhador 2), que poderá ter sido acionado por um pedido político de um gestor (gestor externo 1).

Complementando a rede, o concedente (trabalhador 3.3) poderá acionar outro profissional fora do hospital que também concederá o atalho (trabalhador externo 1). Diagrama 4 - Desenho da rede de trabalhadores para o atalho.

Fonte: Entrevistas trabalhadores do HUJBB. Belém, 2014.

A rede movimenta-se pelos atores que nela transitam. Os critérios de acesso pelo atalho definem o perfil dos usuários solicitantes e estes critérios são conhecidos pelos trabalhadores e levados aos solicitantes. Um bom intermediador deve conhecer as regras para o atalho, essa regra inclui saber os critérios estabelecidos. Identificar na rede quem é o intermediário que ajudará a chegar ao profissional que concederá o atalho.

A entrada na rede do usuário por parte de um dos funcionários ou de autoridades (gestores) requer um tipo de conhecimento e de poderes. Para o gestor, que na grande maioria é um profissional médico, a relação inclui a relação de favores entre colegas de profissão, e o gestor que tem habilidade irá lançar mão deste tipo de saber e proporcionará uma horizontalização aparente nas relações de

Trabalhado r 1 Trabalhado r 2 Gestor Trabalhador 3.1 Trabalhador 3.2 Trabalhador 3.3 Trabalhador Externo Direto Usuário

poder. Haverá uma ligação entre as relações entre colegas de profissão que trocam favores e não uma ordem a ser cumprida. Para o atalho é necessário o estabelecimento de laços menos hierárquicos e que manejem a troca de favores pessoais. Em algumas situações o gestor do hospital utiliza um intermediário para que estabeleça a ponte e efetive o atalho. Este intermediário agirá em nome do diretor, o que lhe dará um status diferenciado.

A solicitação do atalho por um trabalhador comum implicará o saber ligado às relações estabelecidas no hospital, a decodificação e identificação de pessoas chave e a maneira de pedir o atalho. As relações estabelecem trocas invisíveis que implicam afeto ou mesmo serviços.

Um ator importante no acesso é o médico. Ele, na maioria das vezes, decide sobre o atalho, pois ele detém o conhecimento necessário para a consulta, além de ocupar o lugar central na organização do cuidado em saúde. A matrícula, que significa o cadastramento do usuário no hospital, formalmente, vai depender do agente administrativo, gerente do ambulatório. Os profissionais da saúde que atuam em áreas que não seja na área médica não são autorizados a incluir um usuário no ambulatório. A entrada é exclusivamente pela consulta médica, por isso a importância do aceite ao atalho pelos médicos. Após a formalização do usuário pelo atendimento médico é que os demais profissionais poderão ser chamados para a sua atuação. Alguns casos o médico indica para avaliação ou acompanhamento de profissionais como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos e odontólogos. Uma outra categoria que atua sob a coordenação médica é a enfermagem, ela representa um poder na medida em que os usuários dependem dos seus cuidados, dos procedimentos técnicos da área. O atendimento pelos técnicos e enfermeiros é praticamente obrigatório no hospital, o que os faz ter um domínio tecnoassistencial52.

As regras institucionais mudam, como relatou o trabalhador do Registro Geral de Pacientes (RGP). Houve a mudança do encaixe da triagem para a gerência do ambulatório.

52 O modelo assistencial diz respeito ao modo como são organizadas, em uma dada sociedade, as

ações de atenção à saúde, envolvendo os aspectos tecnológicos e assistenciais. Ou seja, é uma forma de organização e articulação entre os diversos recursos físicos, tecnológicos e humanos disponíveis para enfrentar e resolver os problemas de saúde de uma coletividade. (SILVA JÚNIOR; ALVES [2006]).

Eu fiz duas vezes isso hoje, antes se houvesse vaga, alguém não comparecesse para a consulta os funcionários da triagem poderiam encaixar. Era, era assim e pronto, agora tem que passar por uma avaliação da enfermeira aqui em cima, a fulana, se ela achar que ela deve encaixar ou se os auxiliares dela acharem que devem encaixar, eles encaixam, se não, não [...] aí chegou um senhor à tarde, tossindo que só, tossindo, tossindo, ele tava com uma guia de referência, aí eu vou encaixar e aí mandei, aí o senhor voltou porque não podia, porque não estava atendendo só paciente de DPOC, tá, tudo bem. (Entrevista Roger. Belém, 03.04.2014).

Quando perguntado para um dos gestores do hospital sobre a mudança de setor responsável pelos encaixes ele respondeu:

É uma forma de maior controle, né, a gente colocando sob a responsabilidade de uma pessoa, a gente tem maior controle [...] O fato de ter sido tirado da triagem essa atribuição é justamente o controle, então, não é que a gente esteja atribuindo culpa a um ou ao outro, mas aconteceram algumas coisas no passado que fez com que a gente tivesse uma preocupação com esta situação [...] e para evitar situações como essa, considerou que seria melhor apenas uma pessoa ficar controlando essas vagas. (Entrevista Agostinho. Belém, 06.05.2014).

As mudanças atingiram dois setores, o RGP e a gerência do ambulatório. A posição do gestor diante da entrada de pacientes para o atalho foi ao mesmo tempo a de admissão da quebra das regras do SUS e a manutenção do acesso pelo atalho. A intervenção do gestor foi paliativa, deslocando o poder de alguns funcionários para uma outra funcionária. O controle relatado pelos entrevistados refere-se às situações daqueles que usaram de má fé ou foram acusados, sem provas, de corrupção por venda de consultas e de leitos para internação. Os funcionários que estão sob suspeita da prática de venda de consultas e/ou de leitos são criticados veementemente. O controle é sobre a via de acesso por meio da corrupção.

A trabalhadora do ambulatório relatou as mudanças e justificou o novo poder exercido pelo ambulatório para maior controle das entradas, o que ela caracterizou como controle da abertura de prontuários. A mudança também afeta as relações de poder da triagem, que sentiu-se subordinada na sua função do encaixe a um outro setor, neste caso, o ambulatório. A concessão do atalho parece estar relacionada a um tipo de poder dentro do hospital.

Quem está fazendo isso no caso é a chefia do ambulatório, a Dra. Maria e através de mim, eu que, chega pra mim e eu participo pra ela [...] é uma coisa que ela quer acabar, para as consultas virem só pelo DERE [...] Olha eu não sei porque eu nunca trabalhei na triagem, eu não sei como é que eles fazem lá porque hoje, desde que a Dra. Maria assumiu, em setembro do ano passado, é o que eles estão fazendo. Chega o paciente de

demanda espontânea com a ficha de referência na mão, eles mandam pro ambulatório, eles mandam pra gente e a gente vê a possibilidade de marcar ou não marcar né, de acordo com a vaga [...] outras situações que eles abriram prontuário, mas porque eles olharam no SISREG[...] e viram que o paciente não chegou no hospital [...] eles ainda fazem isso, mas raramente, pouquíssimo, porque a Dra. Maria, ela ...porque tava muita abertura de prontuário, e a gente teve que controlar para essa parte. (Entrevista Anastácia. Belém, 2014)

A mudança no poder sobre a decisão para o acesso por meio do atalho é um fato recente que necessita de estudo aprofundado. Para este estudo, a mudança foi apresentada como um fator da dinâmica da instituição e para a análise de que o atalho continua sendo permitido; a mudança configurando-se como superficial e não afetando a estrutura central da instituição, mas implica as relações sociais entre os trabalhadores e os gestores do hospital.

Interpreto que a mudança do setor para o controle do acesso informal – do atalho – do RGP para o ambulatório está ligada aos casos de comentários sobre corrupção e também ao poder médico, pois os trabalhadores do RGP estavam agendando o “extra” pelo sistema online, sem a prévia autorização do próprio médico para a consulta do usuário. O profissional médico coloca-se como o detentor do direito do controle da sua agenda no consultório. A minha interpretação é a de que o médico controla a sua agenda pelos usuários inscritos no sistema e não pela quantidade de consultas pactuadas nas metas e previstas para o atendimento. Há um contraste no gerenciamento da agenda, esse contraste apresenta-se pelo menos próximo de duas lógicas, uma da agenda do serviço público e a outra do consultório particular. O gerenciamento da agenda de consultas é parte da ordem negociada:

Estamos assim colocados no centro da perspectiva da ordem negociada. Subjaz a esta perspectiva o princípio de que as sociedades estão num permanente processo de organização e reorganização produzido pelos indivíduos. Os arranjos sociais resultantes dos processos de interacção são constantemente organizados, modificados, reorganizados, sustentados, defendidos e desfeitos e, portanto, os membros da sociedade estão sempre envolvidos em processos de negociação, através de acordos sobre os comportamentos mútuos, reafirmando-os, revendo-os e substituindo-os ao longo do tempo (CUFF; PAYNE, 1984, p. 138 apud CARAPINHEIRO, 2005, p. 61).

Os sujeitos envolvidos desfrutam dos poderes e saberes diferenciados dentro da organização hospitalar. No caso citado acima houve por parte dos médicos reivindicações pelo poder de autorizar o acesso daqueles que não estavam

agendados. Porque a gerência deveria pedir autorização do médico já que sua agenda é institucional e está pactuado o número de consultas e não os usuários?

Uma das entrevistadas continua: “Cada profissional tem autonomia com sua própria agenda”. (Entrevista Márcia. Belém, 22.10.2014).

O consultório é pessoalizado, segundo relato de um dos médicos entrevistado, e o atalho está associado a uma maior carga de trabalho: “Um detalhe extra é que eu não posso fazer isso com o consultório de um colega, eu faço com o meu. Se eu vou demandar mais trabalho então que seja pra mim próprio, entendeu? (Entrevista Clementino. Belém, 22.10.2014).

A tentativa de controle do atalho é sempre dificultada pela rede de condutores centrada na figura do médico. A autonomia dos médicos referida pelo Agostinho retrata a individualidade e pessoalidade dos profissionais na instituição pública quando se trata do agendamento para o acesso.

[...] sempre que possível a gente tenta coibir, mas a gente não tem como estar fiscalizando todo tempo, porque tem os médicos, eles têm as suas autonomias de uma maneira geral, e a gente acaba não interferindo [Quem é que autoriza o atalho?] O médico com certeza. (Entrevista Agostinho. Belém, 06.05.2014).