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5 O QUE DIZEM OS USUÁRIOS SOBRE O “ATALHAR” NO

5.1 A peregrinação para acessar os dados e as informações sobre

5.1.2 A seleção dos usuários e as entrevistas

A lista acima continha informações do ambulatório de Endocrinologia durante o período de agosto a dezembro de 2012 e de agosto a dezembro de 2013, e somou 148 usuários atendidos conforme critérios descritos na metodologia. A lista dos usuários do ambulatório de Pneumologia apresentou o período de agosto de 2012 a dezembro de 2013, somando 336 usuários atendidos no período. A lista do ambulatório de Clínica Médica ocupou o período de agosto de 2012 a dezembro de 2013 e somou 263 usuários.

39No submundo do Barros tu acaba descobrindo da cúpula [...] fica sabendo de tudo e de todos quando tu estás com algumas pessoas que conhecem a maior parte dos funcionários e tu acaba descobrindo tudo, da fofoca ao caso, isso é o submundo do Barros Barreto. Tu vai senta com algumas pessoas pra tomar uma cerveja [...] alguns setores [...] aí eles acabam contando o que acontece, mas fica ali naquele grupinho. É um grupo fechado, não abre não. Quem sabe alguma coisa senta com as pessoas certas. Eles se reúnem fora do hospital (Entrevista D. Dolores. Belém, 02.04.2015).

O método para seleção foi o aleatório simples40, selecionados 2 (dois)

usuários de cada uma das especialidades para as entrevistas, totalizando 6 usuários. O contato foi realizado por telefone, o que em muitos casos ocasionou descarte de usuários por mudança de telefone ou inexistência.

Da Clínica Médica foram sorteados os dois primeiros usuários, apenas 1 (um) aceitou a entrevista, posteriormente foram sorteados mais 6 para a escolha de mais um usuário. A maior dificuldade foi a de acesso por contato telefônico (inexistência ou troca de número). Para a especialidade de Endocrinologia foram sorteados inicialmente dois usuários e posteriormente mais quatro, os motivos para as não entrevistas dos primeiros escolhidos foram: o não aceite em participar da pesquisa; usuário fora de Belém; e contatos telefônicos inexistentes ou mudança de linha. Os usuários de Pneumologia somaram 15 dos contactados. Esta especialidade foi a de maior dificuldade para entrevista, os motivos que dificultaram a escolha dos usuários para a entrevista foram: número de telefones inexistentes; e usuária falecida. Como já havia entrevistado um usuário do ambulatório de Pneumologia no mês de janeiro de 2013 e julho de 2014, procurei apenas mais um.

No período das entrevistas ocorreu um fato amplamente noticiado nos meios de comunicação41, uma espécie de chacina envolvendo policiais e grupos

identificados como de marginais nos bairros do Guamá e Terra Firme. Houve uma invasão de policiais nos bairros tornando o campo de extrema periculosidade. Por medida de segurança resolvi abordar o entrevistado nas dependências do Hospital, na sala de espera do ambulatório.

40 A amostra aleatória simples, segundo Montenegro (1981). A amostra segue os seguintes passos:

1) elaborar a relação dos dados brutos (N), ordenando numericamente de forma aleatória; 2) sortear o valor de “n”, utilizando a tabela de números aleatórios; 3) os números sorteados que não tem na amostra serão descartados.

41Nove pessoas foram assassinadas na noite do dia 4 de novembro de 2014 e na madrugada do dia

5, em seis bairros de Belém, após o cabo da Polícia Militar Antônio Marcos da Silva Figueiredo ser morto na frente de casa. No dia 6, a Polícia Civil confirmou a morte da décima vítima da chacina ocorrida após o assassinato do cabo. Allesson Carvalho, de 37 anos, foi baleado no bairro da Terra Firme durante a chacina e, apesar de ter sido hospitalizado, não resistiu e morreu no Hospital Metropolitano. Pelas redes sociais, diversas pessoas relataram que supostos policiais haviam convocado grupos para vingar a morte do cabo assassinado, declarando toque de recolher em bairros de Belém. Segundo a polícia civil, falsas denúncias podem ser punidas. O governo aumentou o policiamento, mas descartou solicitar o envio de tropas federais. No dia após a madrugada de crimes, a cidade ainda conviveu com a incerteza. Aulas foram suspensas na UFPA, apesar da informação oficial de que o expediente seria normal. Enquanto isto, os corpos de oito dentre as nove vítimas mortas na madrugada do dia 4 foram liberados pelo Instituto Médico Legal após reconhecimento de familiares. Uma das vítimas foi Eduardo Galucio Chaves, de apenas 16 anos. Os casos estão sendo investigados pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil para verificar a relação entre eles. Pelo menos seis mortes teriam características de execução. (PROMOTORIA..., 2015).

As entrevistas ocorreram em casa dos usuários no dia e hora marcada por eles. Resguardando o fato de que eu seria uma estranha no território deles me preveni com algumas informações de uma das entrevistadas que é moradora do bairro. Ela me instruiu sobre o melhor trajeto para chegar à casa dos usuários, o transporte coletivo mais adequado (proximidade) e me alertava sobre os possíveis perigos/violência que cercam uma área urbana. Para ida ao campo procurei usar sinais identificadores de uma estudante. Roupas despojadas, pasta com papéis e caneta. Como a vida social urbana em parte da cidade de Belém não foi planejada, a área do Guamá foi ocupada seguindo uma divisão adaptada e a organização das ruas visualmente consideram em seus traços os acidentes geográficos e recursos naturais como os igarapés ou furos, assim como a política endógena da população. Essa organização sugere um saber próprio dos moradores dificultando para os de fora a demarcação espacial no território, precisando constantemente de auxílio dos moradores do bairro para encontrar a casa desejada. A interação é quase obrigatória o que me fez ficar mais evidente como uma “estranha” no local e que não estava de passagem, e sim procurava um destino. Cabe uma escolha ao pesquisador: a quem perguntar? Observar a dinâmica da rua ou passagem e escolher de quem se aproximar. Minhas escolhas eram por mulheres, pessoas que trabalham com venda de produtos e com adolescentes e crianças. Em duas situações a sensação de medo me invadiu. Uma a de uma alameda deserta inicialmente, por volta das 15h, e eu estava perdida no endereço, possivelmente nesse horário as pessoas estavam na sesta. Fui socorrida por um grupo de um adolescente e duas crianças que brincavam na rua. Aproximei-me e pedi informação, a orientação não foi muito clara, e insisti, até que consegui que eles me acompanhassem até a casa, o que fizeram associando a minha condução à casa de um entrevistado às suas brincadeiras na rua. A segunda situação ocorreu por volta das 17h ao me dirigir à casa de uma das entrevistadas; parei para pedir informação a um vendedor de produtos alimentícios. Ele ao me indicar o endereço frisou várias vezes que a área era perigosa e que eu não deveria ir sozinha. Resolvi telefonar para a senhora que iria me conceder a entrevista, disse da minha dificuldade de encontrar a casa, e combinamos que ela iria me esperar em um ponto da rua que parecia ser a principal. Descrevi como eu estava vestida para ela me identificar. Assim, como combinado nos encontramos na esquina da Rua Napoleão Laureano com a Av. Augusto Correa e seguimos até a casa dela, localizada numa vila com

uma entrada de aproximadamente 2 (dois) metros de largura. Sua casa ficava nos fundos de uma espécie de vila de casas. Na companhia dela me senti segura, ela, ao caminhar comigo cumprimentava e trocava conversas informais com pessoas conhecidas que trafegavam pela rua.

A experiência das entrevistas na casa dos usuários proporcionou a observação direta do local e do bairro. Houve interação com demais membros da família, com amigos e com vizinhos. Em todas as casas juntaram-se outras pessoas para colaborar com a entrevista, contando situações cotidianas ou mesmo esclarecendo dúvidas da pessoa entrevistada.

Algumas variáveis precisam ser consideradas para o estudo, o fato de em algum momento da entrevista eu ser questionada sobre minha ligação/função no Hospital e a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da entrevista. Ao revelar ser Assistente Social alguns dos entrevistados tratavam de obter algumas informações que pudessem ajudá-los no atendimento do Hospital ou queriam esclarecimentos sobre benefícios e direitos previdenciários. Havia sempre uma troca de informações e, em um caso, um pedido direto para orientação sobre Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de orientação para conseguir um laudo médico. As redes foram acionadas, mesmo em interações menos regulares ou repetidas ou o que Granovetter (1982) chama de laços fracos.

O TCLE é obrigatório conforme orientação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e o seu conteúdo é previamente aprovado pelo mesmo comitê. Na formulação dos itens há informações sobre a pesquisa, inclusive sobre os objetivos, o que antecipa ao entrevistado o teor e os interesses da pesquisadora, em muitos casos interferindo na fala dos entrevistados que antecipavam algumas respostas sobre os seus conhecidos.