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5 O QUE DIZEM OS USUÁRIOS SOBRE O “ATALHAR” NO

6.1 Os trabalhadores do hospital e os gestores

6.1.1.1 Algumas definições de atalho no HUJBB e uma descoberta de

É aquele paciente que conhece alguém ou que tenha sido acompanhado por nós ou alguma coisa assim, então ele vem e procura o profissional “x” que disseram que ele poderia resolver, entre aspas, o caso dele (Entrevista Adalberto. Belém, 11.07.2014).

Ele não tem uma demanda espontânea, eu vinha passando e pensei em me consultar no angiologista e vou estar aqui, não, ele tem que ter algum Q.I, alguém aí, que vai da direção até alguém da limpeza que nem funcionário do hospital é. Pra mim é a mesma coisa é cupincha do mesmo jeito. (Entrevista Adalberto. Belém, 11.07.2014).

[...] a gente consegue encaixar esse paciente que é amigo do amigo, o conhecido do vizinho, o familiar, sei lá, o pai, a mãe, a gente consegue fazer isso. (Entrevista Anastácia. Belém, 2014).

É quando o chegado, o conhecido né, ou o parente ou um amigo teu chega pra pedir uma consulta, até pra estranho mesmo eu já fiz, até pra estranho, pessoas que eu não conhecia, de chegar com o médico [...] contar a situação da pessoa ou do usuário, aí ele faz, coloca no receituário autorizando pra abrir a matrícula, aí ele atende esse paciente (Entrevistada Dolores. Belém, 02.04.2015).

É o paciente que vai aventurar (Entrevista Clementino. Belém, 22.10.2014). Acessar o hospital por amigos, funcionários ou o próprio paciente conversar com o médico dele e dizer que tem o caso e o próprio médico atender (Entrevista Márcia. Belém, 22.10.2014).

Conhecido que conseguiu, alguém ajudou [...] conhecia alguém que é influente [...] alguém da área médica, conhece e liga ou alguém da política, o secretário do município, alguém que conhece alguém na área da saúde (Entrevista Leonora. Belém, 02.04.2014).

[...] eu vou àquele hospital porque eu tenho lá uma cunha, ah sim! Ou seja, porque tenho ou alguém tem um médico dentro do hospital que é meu amigo ou de outra pessoa e então eu vou pedir para essa pessoa falar com o médico pra ver se ele pode arranjar uma consulta ou se pode vir, é isso que se chama uma cunha (Entrevistada Maria Filó. Lisboa-PT, 01.12.2014).

O atalho no HUJBB foi identificado como uma forma de acesso diferente do acesso formal gerenciado pelo DERE. Os casos de atalho evidenciaram relações entre o usuário e os funcionários do hospital, alguns indiretamente, envolvendo

terceiros (pontes) para chegar ao médico e alguns casos em que o paciente chega diretamente com o médico e solicita o atendimento.

É precoce acenar para um estudo comparativo entre o HUJBB, em Belém-PA e o Mercado de Campo de Ourique, em Lisboa-PT, mas identifiquei alguns pontos convergentes sobre o atalho nos dois lugares. Em Lisboa-PT, o termo usado genericamente para conseguir algum tipo de favor é denominado de “cunha”. Os lisboetas, do Campo de Ourique, também acessam os serviços de saúde por meio do acesso informal. Há diferença referente à regulação, no sistema de saúde público português os encaminhamentos para as especialidades e outros procedimentos são realizados pelos próprios médicos, não há uma intervenção direta da regulação pelo estado, mas mesmo assim ainda há ineficiências no sistema. O estudo de Carapinheiro (2001) sobre “percursos terapêuticos” identificou trajetórias informais dos usuários do sistema de saúde que, segundo a autora, “minimizam as ineficiências do sistema” (CARAPINHEIRO, 2001, p.335). Devido à limitação do tempo em Lisboa-PT, não foi possível aprofundar a prática do “cunha”, apenas constatar que ela é um fenômeno entre os lisboetas e é aplicada na saúde.

Nas definições de atalho vivenciadas no hospital foi identificado que o acesso ocorre por meio das relações pessoais, o conhecido do conhecido, o amigo, o parente ou ainda intermediado por alguém que desempenha algum cargo ou influência nas instituições de saúde ou ainda aquele que está desempenhando um cargo político. Este último caso é mais raro, foi citado duas vezes, mas apenas um dos entrevistados o detalhou como forma de acesso. As relações pessoais para o atalho, em sua maioria são realizadas por pessoas “pontes” (GRANOVETTER, 1983), pessoas que intermediam o acesso e que não mantêm necessariamente laços de parentesco. As pontes poderão ser diretas, aqueles que pedem diretamente ao médico para a consulta ou a indireta, aquele que informa como o outro poderá conseguir o atendimento. Um caso diferencial de ponte foi o descrito por um dos trabalhadores, é aquela pessoa que exerce um papel de autoridade/mando, é a do político ou daquele que exerce cargo na administração pública, neste caso usa da sua autoridade para conseguir o acesso. Nas demais situações as pontes que são realizadas por via dos “laços fracos” (GRANOVETTER, 1983) e não autoritários.

As definições de atalho congregam a relação de proximidade e ao mesmo tempo apresentam gradações nos níveis das relações, tornando o atalho heterogêneo em nível das relações vivenciadas. A relação entre um paciente que

conhece alguém que o indica para um médico é diferente da relação do outro que é parente de um amigo. É diferente daquele paciente que chega diretamente para aventurar o atendimento e ainda difere da solicitação de alguém influente. As diferentes relações sociais estabelecidas não configuram uma instituição patrimonialista na sua totalidade, o hospital sofre a influência patrimonialista misturada a uma visão de universalidade proposta pelo SUS e por princípios cristãos. Os princípios cristãos identificados são os ligados à caridade, principalmente, eles foram interpretados através das falas dos trabalhadores nas suas relações com os usuários, e mostrou-se uma influência para o acesso por meio do atalho no hospital.

As relações e a entrada do usuário momentaneamente por fora do sistema de regulação (DERE) são atalhos, e dependem da rede de relações que os leva ao acesso, elas são alargadas e com muitas ramificações, agregando pessoas por meio dos laços fortes e dos laços fracos (GRANOVETTER, 1983), o que propicia uma rede aberta, em construção.