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A redemocratização de 1946 e a atividade legislativa

3 O PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO: HISTÓRICO, ESTRUTURA E

3.1.4 A redemocratização de 1946 e a atividade legislativa

O ressurgimento do Legislativo ocorre após a publicação, pelo Poder Executivo, da Lei Constitucional 9, de 1945, que convocou novas eleições para o Parlamento. De acordo com a referida lei, o ressurgimento do Congresso teria o escopo de reformar a Constituição outorgada e preparar o país para as eleições presidenciais de dezembro daquele ano.

Embora Vargas não tenha transmitido o cargo a seu sucessor, deixando essa função ao então Presidente do Supremo Tribunal Federal José Linhares, o eleito General Dutra fez cumprir as vontades políticas do País de então.

Em 2 de fevereiro de 1946, foi instalada a nova Assembleia Nacional Constituinte, composta de Deputados e Senadores e responsável pela elaboração do novo texto constitucional sob a presidência do Senador por Minas Gerais, Melo Viana.168

A idéia do bicameralismo não mais parecia em xeque. A reestruturação do Senado como casa legislativa colocava-se como um imperativo nesse novo processo de democratização do País.

Os constitucionalistas de então acreditavam que o sistema de duas Câmaras serviria para balancear os crescentes anseios populares nesse processo de redemocratização do País e que tenderiam a “contaminar a Câmara dos Deputados”.

Assim asseverou Carlos Maximiliano:

Em face do ramo popular do Congresso, que é forçado ao contacto freqüente com o eleitorado, partilha das paixões e erros momentâneos do povo e timbra em refletir os desejos imediatos da multidão, é colocado o Senado, mais conservador, composto de membros menos numerosos, com idade superior a 35 anos e um mandato correspondente em duração a

duas vezes o dos deputados, o que resulta a desnecessidade de cortejar muito as turbas volúveis e delirantes, imprevidentes e injustas.169

O Senado retorna ao cenário nacional como a casa da ponderação e com a missão de coibir os abusos que a Câmara dos Deputados pudesse vir a exercer em seu processo de deliberação legislativa.

Entretanto, o constitucionalista citado não deixa de enaltecer a importância dessa Casa Legislativa em um sistema federativo. De acordo com Maximiliano, é de fundamental importância a representação do pacto federativo no processo de formação das leis e até mesmo de controle do Poder Executivo.

Assim, na visão do constitucionalista, não obstante ser o Senado uma casa conservadora, que pondera as vontades da Câmara, seria também o responsável pela defesa da federação e de seus interesses.170

Analisando historicamente, e sem emissão de um juízo valorativo prévio acerca da importância do Senado para a República Moderna, parecia fazer sentido a reformulação do modelo bicameral naquele momento.

Com a democratização do País, buscou-se acabar com aquele modelo ditatorial e centralizado desenhado pela Constituição de 1937 e que concedeu ao Presidente da República tantos poderes em detrimentos dos governadores e prefeitos.

O maior exemplo dessa centralização talvez seja a existência do instrumento normativo do decreto-lei, que dava ao Chefe do Executivo Federal o poder de legislar sem a necessária participação do Congresso Nacional.

Vale ressaltar que, conforme já afirmado, o decreto-lei, diferentemente da medida provisória, dava ao Chefe do Poder Executivo local maior discricionariedade para legislar sem que, com isso, fosse necessária a anuência do Legislativo.

169 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira. 5. ed.. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1954. p. 10. v. II.

Com o processo de redemocratização trazido pela nova Carta constitucional e a conseqüente descentralização de atribuições aos demais entes da federação, a estrutura do Estado brasileiro sofreu uma significativa alteração com a participação efetiva dos governadores e prefeitos nos rumos da política nacional.

Basta lembrar que, a partir de então, nem sempre os governadores estavam alinhados à política do Planalto, muitas vezes fazendo ferrenha oposição ao governo central. A eleição de Jânio Quadros à Presidência da República, após ter governado o Estado de São Paulo é, talvez, o exemplo mais emblemático dessa autonomia política à qual se fez alusão.

Nessa lógica, o pacto federativo e os princípios basilares da federação fortaleceram-se nesse novo modelo, bem como se fortaleceu o Estado brasileiro como um todo no processo desenvolvimentista iniciado na década de 50.

Os interesses dos estados voltavam a ser de fundamental importância no processo de elaboração de políticas públicas e, com isso, a sua representação nacional precisava ser forte. O Senado ressurge a partir dessa perspectiva e se fortalece como instituição pública.

Já com relação à Câmara, a grande novidade trazida pela Constituição de 1946 foi a alteração no processo de escolha de seus representantes.

Anteriormente, o quociente eleitoral era extraído da divisão do número de votantes que participavam do pleito em todo o Estado pelo número de representantes fixado em lei.

A partir de então, cada partido ou legenda contava tantos candidatos vitoriosos quantas vezes o total de seus eleitores coubesse no quociente. Criou-se, pois, o sistema de representação proporcional, em que a distribuição dos mandatos operar-se-ia de modo que o número de representantes fosse dividido em relação aos cidadãos.171

Com isso, a Câmara acabou por representar mais fielmente o eleitorado brasileiro e tornou-se, assim, um órgão mais plural e diversificado na medida em que a democracia passou a permitir que novos ideais e facções ideológicas fossem eleitos para representar o Parlamento.

Não seria exagero afirmar que a Constituição de 1946 dotou o Legislativo dos devidos instrumentos democráticos aptos a transformá-lo em um poder de fato, pois não o era durante o Império com o poder moderador a dissolver as Câmaras quando o Imperador entendesse conveniente, nem, tampouco, na República Velha, que, como se viu, subordinou o Parlamento à vontade dos Presidentes, e nem com a breve Constituição de 1934, que menosprezou o papel do Senado Federal.

Não há o que falar quanto à Constituição de 1937, uma vez que era autoritária desde a sua essência.

Porém, infelizmente, esse modelo de Parlamento mais representativo perece com a promulgação disfarçada da Carta de 1967, conforme será tratado a seguir.