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O regime militar: novo modelo de funcionamento do Congresso

3 O PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO: HISTÓRICO, ESTRUTURA E

3.1.5 O regime militar: novo modelo de funcionamento do Congresso

Não responsabilizar o Parlamento pela ascensão dos ideais da ditadura e pela sua consequente tomada do poder em 1964 seria, no mínimo, fechar os olhos para o histórico do papel desempenhado pelas instituições brasileiras naquele momento.

Conforme ressalta Afonso Arinos, a Câmara dos Deputados de 1959 pode ser considerada um espelho fiel das contradições:

de interesses e de conflitos ideológicos que iriam submergir à falsa imagem dos partidos, destruir as instituições democráticas e provocar a intervenção das Forças Armadas.172

As legendas já não mais refletiam os ideais políticos de seus partidos e a democratização possibilitara o surgimento de correntes independentes, não identificadas com os ideais partidários, permitindo que os parlamentares agissem de acordo com suas convicções pessoais e não em conformidade com os preceitos da fidelidade partidária.

De acordo com Arinos, era possível encontrar, naquela composição parlamentar, uma tendência de esquerda ideologicamente radical que, segundo o Autor, era representada pelo PTB, mas que também encontrava representantes no PSP, PDC e, paradoxalmente, na UDN.

Uma segunda ala considerada de esquerda, mas menos nacionalista e bastante ligada ao Getulismo, encontrava representantes dentro do mesmo PTB. Já a ala da direita antidemocrática abrigava-se sobre as asas da UDN, que apoiava a ditadura militar e era rancorosa, tanto com a ditadura varguista, quanto com a política desenvolvimentista de Kubitschek.

Por fim, havia uma ala central, moderada e democrática, que tinha seus principais adeptos na UDN, PSD, PDC e no PL. Essa corrente tinha por escopo amainar os conflitos levantados pelas correntes ditatoriais que pretendiam tomar o poder.173

Como se vê, a Câmara de então não parecia obstinada a representar um interesse único em prol do desenvolvimento do País e da democracia. Os partidos políticos tornaram-se meros instrumentos para a representação de interesses particulares e um mesmo partido tornou-se capaz de abrigar representantes cujos valores eram muito antagônicos.

No Senado, a questão não parecia diferente. Muitos políticos que haviam logrado êxito no período da ditadura de Vargas representavam, naquele momento, a defesa do pacto federativo na Câmara Alta. Dessa forma, a possibilidade de uma ditadura não parecia tão estranha a esses homens.

Já nos idos de 1955, discutia-se novamente a necessidade de sua existência e a sua importância para a representação legislativa. Como se vê, mesmo sob a égide da Constituição democrática de 1946, os representantes do povo não pareciam convencidos da importância do Senado como órgão do Poder Legislativo.174

173 Ibidem. p. 111.

174 MANGABEIRA, João. Estudos constitucionais: Poder Legislativo. op. cit.. p. 49. Em debate realizado em 9/11/55, discutia-se a necessidade de manutenção do sistema bicameral. João Mangabeira, ao fazer menção à proposta do Presidente do Senado, Nereu Ramos, ressalta que “O próprio Presidente Nereu

A instauração do parlamentarismo pela Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso em 2 de setembro de 1961 não colocou o Parlamento em melhor condições da que se encontrava.

Mesmo com a limitação de poderes imposta ao novo Presidente da República, não há como dizer que as duas Casas do Congresso tiveram um papel de destaque nesse curto período do parlamentarismo no Brasil.175

Pelo contrário, esse período apenas serviu para acirrar os ânimos entre as Forças Armadas e o governo civil, que não encontrava respaldo no Congresso para a aprovação das suas reformas de base.

Apoiada pela inconsistência partidária representada no Parlamento, à qual já se fez alusão, as Forças Armadas conquistavam, paulatinamente, adeptos no Congresso e minavam o poder do Presidente civil.

Assim, a ascensão do comando militar não encontrou obstáculos para se impor logo após a deposição de João Goulart do poder.

O Ato Institucional de 9/4/64 manteve aparentemente a ordem constitucional de 1946, mas impôs severas cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos. Permitiu a eleição de Castelo Branco por um período de três anos, o que deu legitimidade ao presidente indiretamente escolhido para elaborar outros atos institucionais.176

Por esse primeiro ato, o regime outorgou a si mesmo poderes temporários, aprovando, mediante decretos-lei, legislações fundamentais para fortalecer o seu poder.

Embora o primeiro ato institucional não tenha trazido a legitimidade necessária para que o regime governasse, os militares entenderam que a “revolução” havia

Ramos declarou que, há muito, acha que o Senado não deveria ter todas as funções que possui atualmente, porque isso impediria o trabalho legislativo”.

175 MENDONÇA, Marina Gusmão de. O Demolidor de Presidentes. São Paulo: Códex, 2002. p. 266. 176 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. op. cit.. p. 86.

sido gloriosa e, com o advento de novos atos institucionais, decretos-lei e leis complementares, buscou o regime legitimar-se através do Congresso que, na medida em que aprovava os projetos de interesse governamental, chancelava a política adotada pela caserna.177

O Ato Institucional nº 3, de 5/2/66, por sua vez, regulamentou os procedimentos a serem adotados pelo Congresso no processo de votação da nova Constituição.

A Constituição de 1967, bem como a Emenda Constitucional 1/69, trazia em sua estrutura elementos bastante semelhantes ao texto constitucional de 1937.

Fortaleceu o Poder Executivo por intermédio dos decretos-lei e pela redução da autonomia dos entes federados ao reformular o sistema tributário nacional, tornando-o mais rigoroso e ampliando a técnica do federalismo com o advento do federalismo cooperativo.

Com a cassação de mandatos parlamentares e o exílio dos líderes políticos contrários aos ditames ditatoriais, não seria exagero afirmar que o Congresso Nacional perdeu por completo a sua identidade e tornou-se um mero apêndice do Poder Executivo.

O processo decisório sobre as políticas públicas foi totalmente transferido para a arena do Executivo, o que fez com que o Parlamento ficasse esvaziado de suas funções fundamentais.

A relação entre o Estado e os grupos de interesse passava ao largo das vontades do Legislativo. Essa questão foi bastante estudada por cientistas políticos do período, que não hesitaram em confirmar a preponderância do Executivo nos rumos tomados pela Nação.178

177 BAAKLINI, Abdo I. O Congresso e o Sistema Político do Brasil. Trad. Beatriz Lacerda. São Paulo: Paz e Terra, 1993. p. 60.

178 CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1975. De acordo com o autor, a “Teoria dos Anéis Burocráticos” nada mais era do que a participação esporádica e

Com isso, não seria exagero afirmar que o Parlamento tornou-se refém do Executivo. Embora houvesse eleições para a Câmara e o Senado, a oposição não conseguia uma maioria apta a obstruir os interesses do Governo, representado pela Aliança Renovadora Nacional, partido que serviu aos interesses dos militares durante o período da ditadura.

O total desrespeito à minoria partidária não permitiu que houvesse qualquer controle das ações do Executivo pelo próprio Parlamento, pois nem mesmo o seu direito de representação podia ser exercido.

Esse direito de ser representada junto aos órgãos decisórios é de extrema importância para que a minoria possa, enfim, exercer um efetivo controle parlamentar sobre as ações de governo.

É que, como observa Assis Brasil, os governos não tratam apenas do progresso do País. Preocupam-se também com a sua própria preservação. Em um sistema não democrático, que não permita às minorias parlamentares exercerem seu papel de controle, fica impossível impedir que essa segunda preocupação não se sobreponha, com o passar dos anos, à primeira e mais nobre delas.179

Uma mudança na estrutura parlamentar foi sentida nesse período. Com o intuito de se “desburocratizar” e “democratizar” o Parlamento, os membros da mesa, bem como seu presidente e os presidentes das comissões de ambas as casas, tiveram seus mandatos limitados a um período de dois anos, não renováveis.

O papel dos líderes partidários acabou diminuído a fim de que não mais influenciassem significativamente o processo de votação e, com isso, não atrapalhassem o interesse do governo.

pontual de setores privados nas questões de estado, influenciando diretamente na tomadas de decisões. A representação que se forjou não foi de classes, mas de indivíduos que, diante de seu poder econômico e estratégico, influenciam ações do estado em prol de seus benefícios. Interesses coletivos e organizados não construíram, durante esse período, um canal de diálogo com as arenas decisórias do governo. O que se percebia era a influência de grupos de interesse de caráter personalista, responsáveis pela interação entre os interesses organizacionais e o Estado.

179 ASSIS BRASIL, J. F. de. Democracia representativa do voto e do modo de votar. 4. Ed. Rio de Janeiro, 1931. p. 112.

Outra mudança estrutural incluiu a criação da comissão mista de orçamento, cujo objetivo era a aprovação das peças orçamentárias, bem como de outros projetos de natureza fiscal, mas sem poderes para alterá-los.180

As convocações ordinárias de sessões conjuntas de ambas as Casas para a aprovação de matérias de interesse do Executivo colocava-se como uma constante, e seu objetivo era tornar mais ágil o processo legislativo.

O prazo para a análise, pelo Congresso, de projetos de lei em matéria orçamentária foi limitado, de maneira que a sua participação no processo de elaboração do orçamento não foi decisiva para impor qualquer política pública nesse período.

Projetos de lei de “deliberação urgente” eram apresentados pelo Executivo e deveriam ser deliberados pelo Parlamento em um período de sessenta dias. A omissão em dispor sobre esses levaria, automaticamente, à aprovação da matéria por decurso de prazo.181

Importante ressaltar, ainda, que a fidelidade partidária, nesse período, foi utilizada muito mais para impedir a ascensão da oposição do que, necessariamente, como um princípio de higidez no processo representativo.

Quando o líder do partido exigia fidelidade, era defeso aos membros do Congresso votar contra a orientação de seu partido nas sessões plenárias. O voto divergente poderia implicar em perda do mandato político, uma vez que essa hipótese estava prevista no artigo 35 daquela Carta constitucional, conforme redação dada pela Emenda 1/69 já analisada no primeiro capítulo dessa tese. .

O voto de liderança foi utilizado à exaustão durante esse período. Ao votar em nome de todos os membros de seu partido, o líder ou o vice-líder, em votações simbólicas que dispensavam a votação nominal, ditava a vontade partidária, não dando

180 BAAKLINI, Abdo I. O Congresso e o Sistema Político do Brasil. op. cit.. p. 61. 181 Idem. p. 61.

margem para que os próprios titulares dos mandatos se manifestassem sobre o projeto de lei.182

Sob o pretexto da celeridade no processo legislativo, abafava-se a voz de lideranças dissidentes e o Executivo mantinha o controle do processo eleitoral.

Ainda quando a oposição pôde oferecer uma ameaça à predominância do Executivo no Parlamento, o Presidente Geisel editou, em 13 de abril de 1977, o que ficou conhecido como o “Pacote de Abril”, uma série de medidas baixadas após o atrito entre o Congresso e o Executivo por conta da ausência de maioria governamental necessária para a aprovação de algumas emendas à Constituição.

O Presidente, em resposta, colocou o Congresso em recesso e, a partir daí, emendou a Constituição e baixou vários decretos-lei. Entre as medidas do pacote estava a criação da figura do senador biônico, cujo objetivo era impedir que o Movimento Democrático Brasileiro, principal partido de oposição, viesse a ser majoritário no Senado.

O critério de representação proporcional nas eleições à Câmara dos Deputados foi alterado de modo a favorecer os estados do Nordeste. Além disso, o “pacote” estendeu as restrições da Lei Falcão às eleições para o Legislativo Federal e Municipal. O mandato do Presidente da República passou de cinco para seis anos.183

Essa estrutura congressual prevaleceu incólume até mesmo durante o processo de votação da Proposta de emenda à Constituição de autoria do Deputado Dante de Oliveira, que estabelecia as eleições diretas para Presidente da República, quando o governo militar conseguiu maioria parlamentar para derrubar a referida proposta.

Após a aprovação da EC 26, de 27/11/1985, que convocou a nova Assembléia Nacional Constituinte, e com as eleições de 1986 é que o Congresso passou a retomar sua identidade política. Porém, conforme se pôde constatar, passou um grande período alheio à democracia e à efetiva representação popular.

182 BAAKLINI, Abdo I. O Congresso e o Sistema Político do Brasil . op. cit.. p. 62. 183 FAUSTO. Boris. História do Brasil. op. cit.. p. 493.

3.1.6 A Constituição de 1988 e a participação social: a atividade legislativa