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Capítulo III. As reformas da Contabilidade Pública

3.2 A reforma da Contabilidade Pública no contexto internacional

A literatura internacional no âmbito da Contabilidade Pública evidencia que a introdução do regime do acréscimo nos sistemas de informação contabilística é uma das linhas mais importantes das reformas (Pallot, 1997; Brorström, 1998; Guthrie, 1998; Perrin, 1998; Brusca & Condor, 2002; IFAC-PSC, 2002; Chan, 2003; Pina & Torres, 2003; Benito & Brusca, 2004; Van der Hoek, 2005; Brusca & Montesinos, 2006a; Anessi-Pessina & Steccolini, 2007; FEE, 2007; Montesinos & Brusca, 2009; Pina et al., 2009; Hyndman & Connolly, 2011). De acordo com essa mesma literatura, os principais aspetos positivos da implementação da contabilidade em base de acréscimo são:

1. Articulação com a contabilidade de gestão.

2. Avaliação dos custos dos serviços prestados e dos programas políticos, de modo a maximizar a eficiência e produtividade das entidades públicas.

3. Possibilidade de conhecer o valor do património. 4. Melhoria na gestão dos ativos e passivos.

5. Apreciação mais precisa da posição financeira e avaliação da gestão das entidades públicas.

6. Avaliação, a longo prazo, das políticas públicas de sustentabilidade financeira. 7. Possibilidade de elaborar demonstrações financeiras consolidadas.

8. Disponibilização de informação útil para as tomadas de decisão16.

9. Divulgação de informação adicional que permita melhorar a transparência, a prestação de responsabilidades e a avaliação de desempenho das entidades públicas para benefício dos utilizadores.

Adicionalmente, o uso da contabilidade em base de acréscimo contribui para a promoção da noção de melhores práticas (Brorström, 1998) e da necessidade de estabelecer comparações entre as agências ou organizações do setor privado em certas áreas de serviços (Pallot, 1997).

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Esta vantagem foi comprovada empiricamente por Kober et al. (2010) no que respeita às decisões tomadas pelos utilizadores (internos e externos) e preparadores da informação financeira, e por Andriani et al. (2010) para as tomadas de decisão internas dos gestores públicos. Ambos os estudos foram aplicados nos departamentos governamentais australianos.

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47 No entanto, vários autores têm questionado a adoção da contabilidade em base de acréscimo no Setor Público, tanto por aspetos teóricos como práticos, bem como as suas consequências (Montesinos et al., 1995; Guthrie, 1998; Brorström, 1998; Monsen & Näsi, 1998, 1999, 2000; Christiaens, 1999; Guthrie et al., 1999; Anthony, 2000; Blöndal, 2003; Newberry, 2002, 2007; Hodges & Mellet, 2003; Carlin & Guthrie, 2003; Steccolini, 2004; Kober et al., 2007; Wynne, 2008; Christiaens & Rommel, 2008; Lapsley et al., 2009; Hyndman & Connolly, 2011). A natureza particular das entidades públicas e a heterogeneidade das atividades por elas desenvolvidas são as razões mais apontadas pelos autores. Guthrie (1998) e Guthrie et al. (1999) argumentam que, no contexto do Setor Público, a contabilidade em base de acréscimo é inadequada, pois se neste tipo de entidades o lucro não é uma meta, as medidas de desempenho, de estrutura financeira e de solvência não são relevantes na esfera pública. Sob um ponto de vista teórico, alguns autores argumentam que a contabilidade em base de caixa é mais adequada para o tipo de atividades que as instituições públicas desenvolvem, sintetizando-se, muitas das vezes, apenas em transferências de verbas. A contabilidade em base de caixa tem a virtude da simplicidade, compreensibilidade e objetividade, qualidades que não podem ser subestimadas, especialmente porque, em muitas entidades, são poucas (quando existem) as pessoas qualificadas para a elaboração e compreensão da informação relacionadas com a contabilidade em base de acréscimo (Pina et al., 2009). Porém, Soverchia (2009) alerta para o facto da contabilidade baseada no regime de caixa (cash basis) não possibilitar a ligação entre a utilização dos recursos e os resultados alcançados. Também, Brusca (1997), Hodges & Mellett (2003), Carlin & Guthrie (2003), Guthrie (1998), Christiaens (2001), Windels & Christiaens (2008) e Cohen et al. (2007) abordam a adoção do sistema de contabilidade em base de acréscimo pelas entidades públicas e acreditam que a sua implementação é na maioria das vezes acompanhada por uma infinidade de desvantagens e problemas (nomeadamente, questões contabilísticas, recursos humanos, organizacionais e financeiros escassos) que impedem ou retardam o nível de adoção; para estes autores, a transição do sistema contabilístico em base de caixa para a base de acréscimo não acontecerá imediatamente, nem de um modo completo.

A introdução da contabilidade em base de acréscimo no Setor Público também foi impulsionada, a partir da década dos 90, pelo Comité para o Setor Público da IFAC (IFAC- PSC), atualmente designado IPSASB. O IPSASB, entre outros, é um organismo profissional que tem impulsionado o processo de reforma da Contabilidade Pública, mediante a emissão

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de normas, as denominadas NICSPs. Nas normas emitidas é enfatizada a implementação da base de acréscimo na contabilidade e no relato financeiro das entidades públicas, de forma a que seja alcançada tanto a qualidade como a comparabilidade entre países, e entre as próprias entidades de um determinado país, da informação financeira. É considerado que a base de acréscimo, para além de possibilitar uma melhor avaliação de informação financeira divulgada para o exterior, proporciona também melhores meios de informação aos gestores. Os gestores passam a dispor de informação acerca dos recursos consumidos e dos custos efetivos dos serviços prestados com cada uma das entidades, uma vez que é requerida divulgação adequada de informação financeiro-patrimonial sobre os ativos e passivos, custos dos serviços, impostos e outras receitas e, ainda, dos custos de manutenção (IFAC-PSC, 2000).

Numa primeira fase, a perspetiva deste Comité estava orientada para a defesa da transposição para o Setor Público das normas aplicáveis ao setor privado (International Financial Reporting Standards – IFRSs), apenas com algumas adaptações específicas. O propósito final desta aplicação era o de proporcionar meios de avaliação das entidades públicas e de ir ao encontro das necessidades informativas de um vasto conjunto de utilizadores externos, designadamente na perspetiva da prestação de responsabilidades (Sutcliffe, 2003).

Nos últimos anos, o IPSASB tem vindo a desenvolver programas de trabalho com várias prioridades definidos em Planos Estratégicos. O primeiro Plano Estratégico Operacional definido compreendeu o período de 2007 a 200917. O documento aborda temas estratégicos como: (1) estrutura conceptual para o Setor Público, (2) projetos específicos do Setor Público, incluindo a convergência com os sistemas de contas nacionais, (3) convergência com as IFRSs; e (4) promoção e comunicação. Em concreto, este Plano contempla a perspetiva de alargar o âmbito dos objetivos e do relato financeiro das entidades públicas à prestação de responsabilidades, por um lado, e à divulgação de informação mais ampla do que a proporcionada pelas demonstrações financeiras, por outro. Reconhece ainda que a sustentabilidade dos programas sociais representa uma área importante onde a divulgação de informação relacionada com esses programas é um dos aspetos mais significativos a ter em linha de conta na avaliação da prestação de responsabilidades por parte das organizações públicas (IPSASB, 2007).

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49 Na sequência deste Plano, foram emitidas em janeiro de 2007, onze NICSPs entretanto revistas18, num esforço de convergência com as normas de relato financeiro aplicáveis ao setor privado, privilegiando, portanto, a vertente financeira e a adoção da base de acréscimo na preparação e divulgação do relato financeiro das entidades púbicas, com o propósito de alcançar uma maior clareza e utilidade das NICSPs. Também, em 2012, o IPSASB elaborou o projeto – Conceptual Framework for General Purpose Financial Reporting by Public Sector Entities: Presentation in General Purpose Financial Reports – no qual define uma estrutura conceptual específica para o Setor Público, estabelece e explicita os conceitos que devem ser aplicados no desenvolvimento das NICSPs e fornece orientações sobre que tipo de informação deve ser incluída no relato financeiro das entidades públicas. Entre outros aspetos, este documento vem reforçar a adoção das NICSPs na preparação das contas públicas por parte dos diferentes países.

Com respeito à adoção das NICSPs, em maio de 2011, a proposta de Diretiva do Conselho Europeu (Diretiva do Conselho Europeu n.º A7-0184/2011, de 6 de maio) estipulava na alínea 1b) do artigo 3 que a adoção destas pelos Estados-membros viesse a ocorrer três anos após a publicação do referido diploma. Contudo, a aprovação e publicação efetiva da referida Diretiva (Diretiva n.º 2011/85/UE, de 8 de novembro) é mais cautelosa na adoção das NICSPs pelos Estados-membros ao referir no n.º 3 do artigo 16 que “Até 31 de dezembro de 2012, a Comissão deve aferir a adequabilidade das Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público para os Estados-membros”. No seguimento desta recomendação, entre fevereiro e meados de maior de 2012, a União Europeia, através do EUROSTAT, realizou uma consulta pública, sobre a referida adequabilidade das NICSPs pelos Estados-membros, desconhecendo- se até ao momento os resultados deste processo.

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As onze normas já revistas – IPSAS 1, 3, 4, 6, 7, 8, 12, 13, 14, 16 e 17 – tornaram-se efetivas para períodos de relato com início a partir de 1 de janeiro de 2008.

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