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Capítulo V. Epistemologia e metodologia

5.1 Enquadramento epistemológico

O referencial teórico de análise adotado nesta tese tem por base a revisão de literatura sobre os estudos existentes acerca da utilidade do relato da informação financeira preparada e divulgada pelas entidades do Setor Público, designadamente para os utilizadores internos da Administração Local no contexto das tomadas de decisão.

No que respeita aos métodos de investigação, a questão que se coloca não é a de saber qual é o melhor, mas sim a de perceber e compreender qual se adequa mais à posição epistemológica assumida (Bryman, 1984).

São vários os autores que apresentam diferentes visões sobre epistemologia. Contudo, de um modo geral, são identificadas três vias principais para a interpretação de resultados, refletidas nas classificações ‘positivista’, ‘interpretativa’ e ‘crítica’ (Hopper & Powell, 1985; Chua, 1986; Guba & Lincoln, 1994; Blaikie, 2000; Davila & Oyon, 2008; Vieira, 2009; Lukka, 2010). O paradigma positivista procura descrever, prever e controlar o que acontece no contexto social através da procura de regularidades e relações causais entre os elementos que o constituem (Hopper & Powell, 1985; Chua, 1986; Davila & Oyon, 2008). O positivismo

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113 baseia o conhecimento unicamente nos factos observáveis e rejeita qualquer especulação acerca das origens (Guba & Lincoln, 1994). O paradigma interpretativo, em contraste, procura compreender e explicar os factos que ocorrem na realidade, através da obtenção de análises profundas sobre o fenómeno (Vieira, 2009). Este paradigma assume uma posição onde o investigador é participante no cenário em análise e procura a interpretação dos factos sociais inseridos no seu contexto (Chua, 1986; Davila & Oyon, 2008; Lukka, 2010). A independência do investigador perante a realidade, considerada na vertente positivista, não é tida em conta na vertente interpretativa. (Chua, 1986; Davila & Oyon, 2008). Em matéria de contabilidade, os estudos interpretativos procuram compreender o contexto implícito aos sistemas de informação contabilística, e a forma como estes sistemas influenciam e são influenciados pelo contexto (Vieira, 2009). Por sua vez, o paradigma de investigação crítico procura apresentar uma compreensão crítica sobre o fenómeno, com o objetivo de sugerir uma transformação deste (Hopper & Powell, 1985; Chua, 1986; Lukka, 2010). A realidade social é historicamente construída, sendo produzida e reproduzida pelas pessoas (Vieira, 2009). Embora as pessoas possam agir de forma consciente para mudar as suas circunstâncias económicas e sociais, os investigadores que assumem a posição crítica reconhecem que as suas capacidades para proceder à mudança são limitadas por questões políticas, culturais e sociais (Lukka, 2010). Neste paradigma os valores do investigador e dos que são investigados influenciam inevitavelmente a investigação.

Em contabilidade a investigação pode adotar uma abordagem qualitativa ou quantitativa (Jick, 1979; Bryman, 1984; Scapens, 2004; Vieira et al., 2009; Creswell, 2009). A primeira, permite compreender, interpretar e explicar em profundidade, de uma forma abrangente e sistemática, as práticas contabilísticas, atendendo a um contexto organizacional específico no qual estas práticas se desenvolvem (Eisenhardt, 1989; Scapens, 1990; Fidel, 1992; Miles & Huberman, 1994; Guba & Lincoln, 1994; Flick, 2005; Vieira et al., 2009; Ferreira & Sarmento, 2009). Na segunda, os estudos baseiam-se, sobretudo, em generalizações recorrendo sempre ao uso de técnicas matemáticas, estatísticas e econométricas (Jick, 1979; Piore, 1979; Bryman, 1984; Scapens, 2004; Creswell, 2009; Vieira et al., 2009; Lukka, 2010). Embora na investigação com abordagem qualitativa também se possam utilizar técnicas estatísticas, estas são mais frequentes na investigação com abordagem quantitativa, uma vez que a investigação com abordagem qualitativa não tem por objetivo principal efetuar generalizações (Piore, 1979; Bryman, 1984; Eisenhardt, 1989; Flick, 2005). Por regra, as investigações com abordagem qualitativa são vistas como aquelas que proporcionam uma compreensão mais profunda dos

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fenómenos do que a obtida nas investigações com abordagem quantitativa (Piore, 1979; Bryman, 1984; Guba & Lincoln, 1994; Scapens, 1990; Flick, 2005; Vieira et al., 2009). Os estudos no âmbito da temática da tese, conforme apresentado na Parte II, podem ser classificados nos três paradigmas de investigação: positivista (e.g., Collins et al., 1991; Daniels & Daniels, 1991; Brusca, 1997; Crain & Bain, 1998; Priest et al., 1999; Mack, 2004; Paulsson, 2006; Mack & Ryan, 2006, 2007; Nasi & Steccolini, 2008), interpretativo (e.g., Grossi & Reichard, 2009) e crítico (e.g., Reginato, 2010). Porém, é o paradigma positivista que predomina na maioria dos estudos em que nos baseamos. Do mesmo modo, as investigações a que nos referimos na primeira e segunda partes da tese têm seguido tanto uma abordagem quantitativa (e.g., Robbins, 1984; Jones et al., 1985; Hay & Antonio, 1990; Daniels & Daniels, 1991; Collins et al., 1991; Brusca, 1997; Crain & Bean, 1998; Tayib et al., 1999; Priest et al., 1999; López & Caba, 2004; Mack, 2004; Mack & Ryan, 2006, 2007; Yamamoto, 2008; Windels & Christiaens, 2008; Rkein, 2008; Cohen, 2009; Kober et al., 2010; Andriani et al., 2010) como uma abordagem qualitativa (e.g., Lapsley & Pallot, 2000; Van Helden & Ter Bogt, 2001; Budding 2005; Ter Bogt 2008a, 2008b; Jansen, 2008; Grossi & Reichard, 2009).

Neste contexto, tendo em consideração os objetivos e os contornos propostos para esta investigação, impõe-se um conjunto de opções metodológicas. Por se pretender aferir a utilidade que o conteúdo do relato da informação financeira preparado e divulgado pelos municípios Portugueses tem para os utilizadores internos no momento das suas tomadas de decisão, e compreender e explorar o porquê do gap entre o atual modelo de relato financeiro municipal e o pretendido, classificamos a investigação realizada como sendo positivista com recurso à metodologia quantitativa, numa primeira fase (representa a principal investigação desta tese), e interpretativa com recurso à metodologia qualitativa numa segunda fase. Investigação positivista com abordagem quantitativa, na medida em que se pretende descrever as perceções, de uma amostra de utilizadores internos dos municípios Portugueses, relativas: à utilidade do relato da informação financeira para as tomadas de decisão; aos fatores possíveis de influenciar a utilidade/uso da informação financeira divulgada; ao controlo interno a que a informação financeira está sujeita e à oportunidade de divulgação dessa mesma informação; de modo a efetuarem-se generalizações dos resultados para todo o universo. O estudo por questionário (quantitativo) é baseado numa análise cross-section através da aplicação de um inquérito por questionário à totalidade dos municípios que

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115 integram Portugal em 2011. Investigação interpretativa com abordagem qualitativa, uma vez que se pretende compreender e explicar o porquê da lacuna entre o modelo de relato financeiro municipal existente e o pretendido para apoio ao processo de tomada de decisões dos utilizadores internos dos municípios Portugueses, sugerindo aspetos de melhoria. A investigação com abordagem qualitativa é baseada numa amostra de estudos de caso múltiplos contrastantes (num total de cinco municípios).

A opção pela realização de pesquisa interpretativa com abordagem qualitativa, complementar à investigação positivista com abordagem quantitativa, iniciada com a realização de um estudo exploratório aplicado a um município português (Nogueira, 2010), justifica-se pelo facto da abordagem qualitativa contribuir para uma melhor compreensão do contexto social em que se insere o fenómeno em estudo e também completar aspetos que não são possíveis de obter através da aplicação do questionário. Com efeito, a investigação interpretativa com abordagem qualitativa contribuiu para uma melhor compreensão das diferenças existentes entre o modelo de relato financeiro adotado e o desejável por parte dos utilizadores, de uma amostra de municípios Portugueses, no contexto das tomadas de decisão internas, identificando, portanto, pontos negativos e sugestões de melhoria para uma melhor adequação às necessidades de informação dos utilizadores. Permitiu também, identificar outros fatores organizacionais internos aos municípios possíveis de influenciar a utilidade/uso da informação financeira autárquica para as tomadas de decisão por parte dos utilizadores municipais. Em modo de síntese, a opção por uma investigação interpretativa com abordagem qualitativa deveu-se também ao facto de se tratar de um tema ainda pouco explorado, mesmo internacionalmente, como se viu na Parte II, por um lado, e este tipo de abordagem permitir obter uma visão mais aprofundada do porquê do gap entre o atual modelo de relato financeiro municipal e o pretendido para apoio ao processo de tomada de decisões, por outro.

Na literatura (e.g., Eisenhardt, 1989; Miles & Huberman, 1994; Scapens, 2004; Flick, 2005; Vieira et al., 2009; Creswell, 2009) existe uma diversidade muito grande quanto ao método dos estudos qualitativos. Nesta investigação procurou-se primeiramente averiguar a maior ou menor adequabilidade do atual modelo de relato financeiro municipal para a divulgação de informação obrigatória, de apoio às tomadas de decisão internas. Posteriormente, pretendeu-se compreender e explicar as diferentes perceções dos utilizadores internos relativamente ao modelo de relato financeiro existente no âmbito do POCAL, e o modelo de relato financeiro desejado para servir de suporte às tomadas de decisão, procurando também aprofundar as

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razões da menor utilidade. Por isto, a opção quanto ao método dos estudos qualitativos, de entre os apresentados na literatura, recai sobre os estudos de caso. Tal opção deve-se ao facto dos estudos de caso permitirem entender o porquê e o como, e a complexidade dos processos que ocorrem (Yin, 2009). Os estudos de caso devem ser preferidos quando se trata de uma investigação empírica que aborda um fenómeno contemporâneo no seu ambiente real, especialmente quando os limites entre fenómenos e contexto não são claramente evidentes. Os estudos de caso tornam-se relevantes na medida em que se pretende deliberadamente abarcar as condições contextuais (Yin, 2009). No estudo de caso não é feito qualquer esforço no sentido de isolar o fenómeno do seu contexto; pelo contrário, o fenómeno tem interesse exatamente pela relação que estabelece com o contexto em que está inserido (Eisenhardt, 1989; Scapens; 2004; Yin, 2009). Tal aplica-se a investigações sobre a utilidade do relato financeiro adotado na Administração Local que, como fenómeno contemporâneo, deve ser investigado em contexto real.

Eisenhardt (1989), Fidel (1992), Hamel et al. (1993), Guba & Linclon (1994) e Scapens (2004) referem que o objetivo dos estudos de caso é relatar os factos como sucederam, descrever situações ou factos, proporcionar conhecimento acerca do fenómeno estudado e comprovar ou contrastar efeitos e relações presentes no caso.

Os estudos de caso constituem um tipo de investigação empírica caracterizada por se realizar nas organizações (Eisenhardt, 1989; Fidel, 1992; Hamel et al., 1993; Yin, 2009). Aquando da utilização deste método deve-se ter em conta a impossibilidade de se obter generalizações científicas, pois ao ser sustentado numa pequena amostra da população, não deverão ser tecidas conclusões para o todo (Yin, 2009).

A multiplicidade de critérios e características que compõem os estudos de caso levam à identificação de diferentes classificações. Assim, de acordo com os objetivos e a natureza das informações finais, Yin (2009) classifica os estudos de caso como: exploratórios (quando se conhece muito pouco da realidade em estudo e os dados se dirigem ao esclarecimento e delimitação dos problemas ou fenómenos da realidade); descritivos (quando há uma descrição densa e detalhada de um fenómeno no seu contexto natural), explicativos (quando os dados tratam de determinar relações de causa e efeito em situações reais, ou seja de que forma os factos acontecem em função uns dos outros); e avaliativos (quando produz descrição densa, esclarece significados e produz juízos).

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117 De acordo com o exposto, os estudos de caso desenvolvidos nesta tese tipificam-se como sendo fundamentalmente explicativos e exploratórios. Estudos de caso explicativos e

exploratórios, uma vez que se procurou explorar/explicar o porquê da menor/maior utilidade

(nomeadamente, através de fatores organizacionais internos), para as tomadas de decisão internas, do atual modelo de relato financeiro municipal, bem como identificar que elementos o tornaria mais útil para as decisões internas, de uma determinada amostra de municípios. De acordo com Yin (2009) as questões de investigação que traduzem os objetivos estão na base da delimitação dos casos. Assim, no caso concreto desta investigação, e tendo em conta as questões de pesquisa levantadas e o quadro teórico-empírico que lhe está subjacente, julgou-se pertinente estudar mais do que um caso. Mais interessante do que as semelhanças que poderiam ser encontradas, seriam as possíveis diferenças e as suas explicações. Yin (2009) distingue entre a “replicação literal”, que considera que os casos selecionados tenham resultados semelhantes, e a “replicação teórica”, que considera que os casos selecionados tenham resultados contrastantes, por razões predeterminadas. Assim, mediante o objetivo deste trabalho, optou-se por estudar casos contrastantes (maior/menor utilidade do relato). A opção por um estudo de múltiplos casos contrastantes deve-se ao facto da evidência resultante do estudo de múltiplos casos ser considerada mais “convincente”, reforçando a precisão, a validade e a estabilidade das descobertas (Miles & Huberman, 1994; Eisenhardt & Graebner, 2007; Yin, 2009). Numa lógica de replicação, casos que confirmam relações emergentes aumentam a confiança na validação das hipóteses; casos que não confirmam essas relações podem constituir uma oportunidade para refinar ou alargar o âmbito da teoria (Eisenhardt, 1989). Adicionalmente, a opção por múltiplos casos de estudo feita nesta investigação não surgiu apenas com a pretensão de maior robustez (já que esta poderia ser ultrapassada com a análise exaustiva de um único caso), mas sobretudo por uma exigência decorrente dos resultados da primeira fase da investigação empírica e dos objetivos de estudo.

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