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CAPÍTULO VIII. CONCLUSÃO 319 8.1 CONCLUSÕES GERAIS E IMPLICAÇÕES

1.1 Contexto e relevância do tema

A Administração Pública, e consequentemente a Administração Local, tem estado sujeita ao conjunto de reformas no âmbito da New Public Management (NPM) generalizadas aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A adoção das práticas do setor empresarial na Administração Pública, inclusive na Administração Local, levou ao aparecimento de um novo paradigma de gestão pública. A responsabilidade dos dirigentes das entidades públicas em prestar contas, através de relatórios financeiros, apenas divulgando a forma como foram aplicados os fundos, deixou de ser a preocupação fundamental. Os dirigentes passaram também a ser responsabilizados pela eficiência e eficácia dos fundos por si utilizados.

Face às transformações sentidas na gestão pública, os sistemas contabilísticos das entidades da Administração Pública deixaram de dar resposta às atuais exigências, originando novos objetivos que conduziram a uma mudança da sua estrutura conceptual e metodológica (Broadbent, 1999; Lapsley, 1999; Brignall & Modell, 2000; Lapsley & Pong, 2000; Ter Bogt & Van Helden, 2000; Mir & Rahaman, 2007; Neilson & Gregor, 2007; Ter Bogt, 2008a; Hookana, 2008). Assim, os novos sistemas passaram a dar resposta não só ao cumprimento da legalidade e controlo orçamental, através de informação essencialmente em base de caixa

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5 (Contabilidade Orçamental), como também a disponibilizar informação sobre a afetação e utilização eficiente dos recursos públicos, em base de acréscimo (Contabilidade Patrimonial1 e de Custos).

A necessidade dos Governos em melhorar o processo de accountability2, interna e externa, perante os órgãos legislativos e cidadãos em geral, nas democracias modernas de economias de mercado (Olson et al., 2001; Chan, 2003; Bovens, 2005; Lee, 2008; Hookana, 2008; Reginato, 2008), levou a que os sistemas de informação contabilística no Setor Público passassem a estar, entre outros, orientados para divulgação de informação útil e oportuna que permita aos seus utilizadores avaliar e tomar decisões de forma mais racional e lógica. Uma importante implicação das reformas introduzidas foi atribuir uma maior ênfase à gestão em vez da prestação de serviços (Pina et al., 2009). Esta mudança de ênfase trouxe a noção de value for money, que é suportado por técnicas de medição de desempenho, orçamentação e custeio (Jackson & Lapsley, 2003).

As reformas introduzidas na Contabilidade do Setor Público visam, genericamente, a transparência e a melhoria do relato financeiro para os decisores em geral (Caperchione, 2006). Esta melhoria é uma condição necessária para o reforço da prestação de responsabilidades das organizações do Setor Público, assumindo, deste modo, a informação financeira um papel fundamental nas decisões tomadas dentro das organizações (Pettersen, 2001).

As diretrizes emitidas, a nível internacional, pelas organizações profissionais (e.g., Governmental Accounting Standards Board – GASB e International Public Sector Accounting Standards Board – IPSASB) têm também impulsionado as reformas da Contabilidade Pública, nomeadamente na promoção da implementação da contabilidade em base de acréscimo e na melhoria do relato financeiro das entidades do Setor Público, com

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A Contabilidade Patrimonial é o subsistema contabilístico que reflete todas as alterações ocorridas ao nível da estrutura patrimonial, económica e financeira de uma entidade, quer em termos qualitativos quer quantitativos. Trata-se do subsistema mais próximo da contabilidade empresarial.

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A IFAC (2000:§37) define accountability como sendo “O processo pelo qual as entidades do Setor Público, e

dirigentes e gestores que lhes pertencem, são responsáveis pelas suas decisões e ações, incluindo a gestão dos fundos públicos e todos os aspetos de desempenho, e a submissão a julgamento externo apropriado. (….) Com efeito é a obrigação de responder por uma responsabilidade conferida”.

O termo accountability designa a prestação de contas num sentido mais amplo, incluindo os conceitos de transparência e a prestação de responsabilidades, associadas à gestão das organizações do Setor Público. Doravante utilizar-se-á a expressão “prestação de responsabilidades” para designar o termo “accountability”.

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vista à divulgação de informação útil e oportuna para as tomadas de decisão e controlo (Lapsley, 1999; Cohen, 2007; Lapsley et al., 2009).

A contabilidade em base de acréscimo cada vez mais vem sendo implementada em todos os níveis do Governo na maioria dos países da OCDE, não apenas naqueles países que têm sido líderes nas reformas do Setor Público (Christiaens & Rommel, 2008), mas também naqueles que receberam a doutrina da NPM com alguma desconfiança, como os países da Europa continental, onde predomina o estilo burocrático da Administração Pública, que tem como regra principal a preocupação com o cumprimento da legalidade (Pina et al., 2009).

Os países europeus continentais têm introduzido a contabilidade em base de acréscimo, ao nível do Governo Local, para fins externos, na maioria dos casos através de sistemas de contabilidade duplos (orçamental e financeiro-patrimonial), procurando um papel semelhante para a contabilidade em base de acréscimo no Setor Público como o que detém no setor empresarial – a divulgação da informação financeira para os utilizadores externos (Pina et al., 2009).

Porém, a contabilidade em base de acréscimo tem sido também introduzida a nível local, no orçamento das entidades públicas, mas apenas em alguns países, tais como o Reino Unido e a Suécia, enfatizando a utilidade da informação em base económica ou de acréscimo para fins internos (Pina et al., 2009).

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7 Os novos desenvolvimentos da gestão e da Contabilidade Pública também se fizeram sentir no sistema contabilístico português, inclusive na Administração Local. O processo de reforma global do sistema contabilístico público iniciou-se, em Portugal, na década dos noventa, com aquilo que ficou conhecido como Reforma da Administração Financeira do Estado (RAFE). Na sequência desta agenda de reforma, foi aprovado o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL)3, em 1999, que representou o ponto de partida para dotar a gestão autárquica de novos instrumentos para apoiar o processo de tomada de decisão4.

A adoção do novo sistema de Contabilidade Autárquica alterou, significativamente, a forma e o conteúdo das demonstrações financeiras e orçamentais preparadas e divulgadas pelos municípios5 Portugueses. A informação financeira, para além de assumir um papel relevante na prestação de responsabilidades, passou também a assumir um papel fundamental no apoio às tomadas de decisão e controlo internos. A introdução do regime do acréscimo em complemento ao regime de caixa, a integração de três subsistemas contabilísticos (Contabilidade Orçamental, Patrimonial e de Custos) e as alterações verificadas no relato da informação financeira, são algumas das principais mudanças ocorridas no sistema contabilístico autárquico em Portugal desde o final dos anos noventa.

Da revisão de literatura internacional constatou-se que são inúmeros os trabalhos de investigação que estudam, com propósitos variados, a informação financeira (e.g., determinantes e harmonização das práticas contabilísticas a nível europeu, internacional ou ambos). Existem ainda algumas contribuições sobre a implementação das reformas da Contabilidade no Setor Público, designadamente na influência do contexto organizacional sobre a escolha das práticas contabilísticas (e.g., Scapens, 1994; Olson et al., 1998; Panozzo, 2000; Ter Bogt & Van Helden, 2000; Caccia & Steccolini, 2006; Ter Bogt, 2008a). No entanto, no que diz respeito ao estudo do uso e da utilidade da informação financeira produzida e divulgada pelas entidades públicas, o número de trabalhos existentes é bastante

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Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de fevereiro. 4

O processo de tomada de decisão aparece definido na literatura como o “(…) conjunto não sequencial de fases

e rotinas típicas que poderão explicar grande parte das decisões” tomadas numa organização (Camões, 1995).

Neste sentido, é frequente considerar-se no processo de tomada de decisão várias fases: identificação do problema, procura de soluções alternativas, avaliação das alternativas e escolha de uma alternativa de solução (Camões, 1995). Procurando adequar as fases consideradas na literatura ao processo de tomada de decisão possibilitado pelos sistemas de informação de Contabilidade Pública, considerar-se-á doravante que o processo de tomada de decisão respeita à: identificação do problema/situação, recolha de informação financeira, análise da informação financeira e adoção da decisão.

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mais reduzido (Hay & Antonio, 1990; Daniels & Daniels, 1991; Collins et al., 1991; Brusca, 1997; Tayib et al., 1999; López & Caba, 2004). Em particular, a literatura centrada na utilidade da informação financeira para a gestão, designadamente para as tomadas de decisão e controlo, é especialmente escassa (Mack, 2004; Yamamoto, 2008; Windels & Christiaens, 2008; Grossi & Reichard, 2009; Cohen, 2009; Kober et al., 2010; Andriani et al., 2010). Genericamente, a maioria destes investigadores tem abordado a questão da utilidade do relato financeiro para o apoio às tomadas de decisão, objetivos e necessidades da informação das entidades do Setor Público, nomeadamente das entidades locais, no contexto de países como a Austrália (Mack, 2004), Estados Unidos (Daniels & Daniels, 1991), Reino Unido (Collins et al., 1991) e Espanha (Hay & Antonio, 1990; Brusca, 1997), ainda que também existam experiências isoladas noutros países como no Japão (Yamamoto, 2008), Bélgica (Windels & Christiaens, 2008); Grécia (Cohen et al., 2007; Cohen, 2007, 2009); Itália (Steccolini, 2004; Grossi & Reichard, 2009), Alemanha (Grossi & Reichard, 2009) e Malásia (Tayib et al., 1999).

A adoção da contabilidade em base de acréscimo no Setor Público também tem sido estudada por alguns autores, nomeadamente Montesinos et al. (1995), Guthrie (1998), Brorström (1998), Monsen & Näsi (1998, 1999, 2000), Christiaens (1999), Anthony (2000), Newberry (2002), Blöndal (2003), Hodges & Mellet (2003), Carlin & Guthrie (2003), Steccolini (2004), Wynne (2008), Christiaens & Rommel (2008), Pina et al. (2009), Lapsley et al. (2009); Kober et al. (2010) e Hyndman & Connolly (2011), notando-se a existência de argumentos a favor e contra.

Adicionalmente, vários autores estudaram como a informação financeira e as práticas contabilísticas são percebidas pelos seus utilizadores. Alguns desses estudos focam-se em utilizadores externos, como os cidadãos (e.g., Brusca & Montesinos, 2006b) e instituições financeiras (e.g., López & Caba, 2004), destacando que os primeiros parecem evidenciar um aumento no interesse pela informação preparada na base de acréscimo, e que os últimos parecem preferir informação orçamental em base de caixa em detrimento da informação elaborada na base de acréscimo.

Após quase três décadas de reformas da NPM, onde o modelo de gestão pública foi fortemente criticado, verifica-se que a nova informação financeira, preparada de acordo com o atual sistema contabilístico das organizações públicas, parece ainda não satisfazer totalmente

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9 as necessidades dos seus utilizadores (Hay & Antonio, 1990; Daniels & Daniels, 1991; Brusca, 1997; Mack, 2004; Mack & Ryan, 2006, 2007). Alguns autores estudam as necessidades de informação divulgada no relato financeiro das entidades públicas, dos utilizadores externos e internos (Robbins, 1984; Jones et al., 1985; Hay & Antonio, 1990; Daniels & Daniels, 1991; Collins et al., 1991; Crain & Bean, 1998; Priest et al., 1999; Mack & Ryan, 2006). Os resultados dos estudos permitem aos autores concluir que, de um modo geral, os utilizadores têm mais necessidade de informação orçamental face à elaborada na base de acréscimo. Porém, Kober et al. (2010) num estudo, aplicado aos departamentos governamentais australianos, onde é pretendido estudar as perceções dos utilizadores e preparadores sobre a utilidade da informação financeira em base de acréscimo e de caixa para as tomadas de decisão, obtiveram resultados contrários aos obtidos nos estudos anteriores. Os utilizadores inquiridos foram: (1) utilizadores internos (diretores ou subdiretores de departamento), (2) utilizadores externos (funcionários governamentais responsáveis pela preparação do relato financeiro e elaboração do orçamento no Ministério das Finanças e do Tesouro, e membros do Comité das contas públicas), e (3) responsáveis pela preparação do relato financeiro. Os resultados mostram que a informação preparada na base de acréscimo é geralmente considerada mais útil do que a informação elaborada na base de caixa, permitindo concluir que a aceitação da informação preparada na base de acréscimo parece ter vindo a aumentar ao longo do tempo. Do mesmo modo, Andriani et al. (2010) comprova os resultados obtidos por Kober et al. (2010) para os mesmos tipos de decisões, mas no contexto das decisões internas e apenas para os gestores públicos dos departamentos governamentais australianos.

Entre os estudos focados nos utilizadores internos, alguns não fazem distinção entre políticos e gestores, ou, em alguns casos, estudam apenas uma destas categorias de utilizadores, e tendem a concentrar-se na informação financeira versus a não financeira. Por exemplo, Lee (2008) concluiu que os gestores públicos consideram a informação sobre o desempenho importante, mas não tem em consideração as opiniões dos políticos ou outros tipos de informação. Também, Olson & Shalin-Andersson (1998), Guthrie et al. (1999) e Ezzamel et al. (2007), evidenciam o reduzido grau de compreensão e uso do relato financeiro pela maioria dos políticos. Paralelamente, Ter Bogt (2004) argumenta que os políticos dificilmente apreciam e utilizam as medidas de desempenho e tendem a confiar na comunicação informal.

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Apenas um número restrito de estudos considera especificamente as perspetivas dos políticos ou faz comparações com os gestores. Por exemplo, Brusca (1997), num estudo sobre os municípios espanhóis, onde pretendeu determinar a utilidade das demonstrações financeiras (de caráter orçamental e económico-financeiro) para os utilizadores internos e externos, verificou que os políticos encontravam-se entre os utilizadores que atribuíam menor importância ao relato financeiro, devido à formação insuficiente; contrariamente, os gestores eram os que atribuíam maior importância. Adicionalmente, a autora constatou que o relato financeiro dos municípios espanhóis evidencia utilidade para os diretores financeiros, órgãos municipais, Tribunal de Contas e credores, mas que a informação divulgada não é de facto utilizada ao máximo. Por sua vez, Paulsson (2006), analisando a introdução de contabilidade em base de acréscimo na Administração Central sueca, verifica que a informação na base da contabilidade em base de acréscimo é mais utilizada pelos gestores do que pelos políticos. Numa perspetiva complementar, diversos estudos demonstram que a divulgação de informação financeira não é, de modo algum, uma garantia de que a mesma seja de facto utilizada para as tomadas de decisão por parte dos utilizadores (Lee, 2008; Taylor, 2009; Grossi & Reichard, 2009). Também, existe evidência empírica de que o uso efetivo e eficaz da informação financeira no processo de tomada de decisão depende de inúmeros fatores organizacionais e processuais (Mack & Ryan, 2006; Cohen et al., 2007; Askim, 2008; Paulsson, 2006; Yamamoto 2008; Cohen, 2009). Exemplos desses fatores são a falta de recursos humanos com experiência para implementar a contabilidade em base de acréscimo, falta de conhecimento e formação adequada sobre o novo sistema de informação contabilística, resistência à mudança, falta de articulação do sistema contabilístico com os objetivos e a missão organizacional, entre outros (Brusca, 1997; Pallot, 1997; Guthrie, 1998; Stanton & Stanton, 1998; Newberry, 2002; Carlin & Guthrie, 2003; Hodges & Mellett, 2003; Cohen et al., 2007; Grossi & Reichard, 2009; Cohen, 2009). Também, outros estudos referem também as pressões institucionais e legais, no âmbito da teoria institucional, como fatores determinantes para o uso e utilidade das demonstrações financeiras e orçamentais (Askim, 2008; Grossi & Reichard, 2009).

No âmbito português, até ao momento e tanto quanto é do nosso conhecimento, existem apenas dois trabalhos publicados sobre a utilidade interna da informação financeira nas entidades do Setor Público – Barbosa (2006) e Carvalho et al. (2008), sendo que o primeiro se refere ao setor da saúde, já que é um estudo desenvolvido para um Centro Hospitalar, e o

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11 segundo à Administração Local portuguesa. Carvalho et al. (2008) analisaram a utilidade interna da informação financeira dos municípios Portugueses apresentada em sede de prestação de contas. Especificamente, estudaram a utilidade da informação para a decisão de aprovação das contas. Os autores concluíram que ambos os órgãos (executivo e deliberativo) discutem os mesmos tipos de informação orçamental em base de caixa. Porém, é o órgão executivo que atribui maior importância aos diferentes tipos de informação de natureza económica e financeira, ou seja, na base de acréscimo. Os autores verificaram também que ambos os órgãos privilegiam a informação orçamental. Refira-se que nenhum destes trabalhos aprofunda as necessidades de informação financeira para diversas decisões entre políticos e gestores, e muito menos analisa os fatores possíveis de afetar essa utilidade.

Consequentemente, a literatura da temática evidencia que o número de autores que compara as preferências dos políticos e gestores acerca do relato financeiro preparado e divulgado no Setor Público é ainda limitado, e que as investigações tendem, na maioria dos casos, a ser de natureza quantitativa. À luz das lacunas observadas é portanto relevante alargar e aprofundar o estudo da utilidade do relato financeiro designadamente para as tomadas de decisão e controlo internos, particularmente na Administração Local, e para o caso português, onde ainda não existem trabalhos neste âmbito. O uso de abordagens qualitativas como complemento à abordagem quantitativa poderá também constituir uma contribuição relevante.