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Capítulo II. Teorias explicativas das reformas em Contabilidade Pública

2.3 Contexto teórico da investigação sobre as reformas em Contabilidade Pública

2.3.4 Teoria da legitimidade

A teoria da legitimidade é considerada como uma das teorias dominantes na investigação sobre a divulgação de informação, sendo vários os estudos que consideram que as organizações têm como principal motivação a preocupação em legitimarem as suas atividades (e.g., Dowling & Pfeffer, 1975; Suchman, 1995; Deegan & Rankin, 1996; O’Donovan, 1999, 2002; Deegan, 2002; Guthrie et al., 2004).

A teoria da legitimidade baseia-se na noção de um “contrato social” hipotético entre a entidade que relata e a sociedade em que esta atua (Guthrie et al., 2004; Deegan, 2002). Este “contrato social” é usado para representar a multiplicidade de expectativas que a sociedade tem sobre a forma como a organização deve continuar as suas operações (Guthrie et al., 2004). A teoria da legitimidade pressupõe que a gestão de uma entidade que relata está perfeitamente consciente das perceções da sociedade sobre o assunto. Para cumprir os termos de um “contrato social”, uma organização compromete-se a executar várias “ações socialmente desejáveis, adequadas ou apropriadas, no âmbito de um sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições, em troca da aprovação dos seus objetivos e outras recompensas que garantam a sua sobrevivência” (Suchman, 1995:574). Ao fazê-lo, a sociedade “confere” à organização um “estado de legitimidade” (Deegan, 2002:292). Deste modo, a legitimidade organizacional está claramente ligada à sobrevivência organizacional (Neu et al., 1998; Deegan, 2002) e também à comunicação entre a organização

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e os vários públicos “relevantes” (Suchman, 1995). O “contrato social” pode efetivamente ser revogado se o comportamento da organização não estiver de acordo com os valores e normas sociais (Dowling & Pfeffer, 1975; Suchman, 1995; Deegan, 2002). Quando tal se verifica, desenvolve-se um desfasamento de legitimidade – legitimacy gap.

Suchman (1995) identifica duas correntes literárias que procuram justificar a legitimidade organizacional: uma abordagem estratégica e uma abordagem institucional. Na ótica da abordagem estratégica, a legitimidade é vista com um recurso operacional que as organizações extraem – frequentemente de forma competitiva – do ambiente cultural onde estão inseridas e utilizam na persecução dos seus objetivos. Neste caso, a legitimidade deriva das transações de recursos efetuadas entre a organização e o ambiente onde se insere. Na abordagem institucional (ver secção anterior), a organização é vista como fazendo parte do ambiente e a legitimidade deriva da conformidade com as normas e valores exigidos.

O’Donovan (1999, 2002) e Neu et al. (1998) assinalam que a abordagem estratégica permite oferecer às organizações uma maneira de sustentarem a legitimidade organizacional, sem necessariamente alterarem os seus modos operacionais. Dowling & Pfeffer (1975) referem que as organizações podem implementar diferentes estratégias através da divulgação pública de informação.

A teoria da legitimidade assume que a “divulgação do relatório anual é uma tentativa de aliviar a pressão social ou legitimar as operações da organização, associando a isso, que os órgãos de gestão da organização procurem e utilizem as informações do relatório anual” (Deegan & Rankin, 1997:566). Para Smakin & Schneider (2007) a natureza e a forma das divulgações feitas no relatório anual é um mecanismo de relato estratégico que as entidades utilizam em busca da legitimidade, na medida em que constitui um meio, suscetível de ser moldado, através do qual as expetativas da sociedade podem ser satisfeitas.

Assim como as entidades do setor privado, as entidades do Setor Público têm que justificar as suas ações junto dos seus públicos relevantes. Esta posição é confirmada por Matthews (1993:30-31) que explica que a “legitimidade organizacional não é uma constante absoluta, uma vez que as organizações são caracterizadas por diferentes níveis de visibilidade para a sociedade e de dependência de apoio social e político”. A questão de saber se uma entidade pública precisa justificar a sua legitimidade é naturalmente válida. As reformas da Contabilidade Pública introduzidas no âmbito da NPM, nomeadamente as alterações dos

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39 sistemas de informação contabilísticos baseados no regime do acréscimo reforçaram o que Newman (2000) caracteriza como “revolução institucional”. Por outras palavras, as reformas acentuadas na Contabilidade Pública e no respetivo relato financeiro, orientado agora também para as tomadas de decisão e controlo internos, pretenderam fortalecer a fonte de legitimidade organizacional entre as entidades do Setor Público e os utilizadores (Andrews, 2008).

Tendo em atenção o ambiente externo e considerando todas as pressões internas e externas subjacentes às recentes reformas do Setor Público, é possível compreender o como e o porquê da mudança organizacional do Setor Público. Conforme referido, a continuidade do “contrato social” entre a organização e a sociedade é importante. Assim, as organizações do Setor Público alteram as suas práticas de gestão e adotam aquelas que são legítimas para a sociedade (Meyer & Rowan, 1977; DiMaggio & Powell, 1991). Tal implica que, quando as normas e os valores sociais mudam, os dirigentes das organizações do Setor Público tenham que trabalhar para preservar a legitimidade da organização, incorporando, ou parecendo incorporar, as normas e valores novos (Dowling & Pfeffer, 1975; Milne & Patten, 2001). Milne & Patten (2001) sugerem que quando isto se verifica, de forma quase imediata, as organizações tendem para o extremo dos cumprimentos dessas mudanças para comunicar aos interessados o alinhamento entre as normas e valores adotados com os da sociedade. Um exemplo disso é a insatisfação dos cidadãos e dos Governos com as práticas de gestão tradicional do Setor Público e a adoção de novas práticas do setor privado, na medida em que eram consideradas mais legítimas e eficazes.

As pressões internas e externas exercidas sobre os Governos, verificadas a nível mundial, para implementarem reformas nos sistemas de informação contabilísticos e no relato financeiro e a orientação para adotar os princípios da NPM têm, de uma forma ou de outra, levado à mudança organizacional entre os diferentes níveis do Setor Público. Sob a pressão para se tornarem mais eficientes e eficazes na prestação dos seus serviços, a maioria dos Governos começou a repensar o seu papel na prestação de serviços públicos e a fazer mudanças no modo de aquisição destes e, até mesmo, no tipo de serviços prestados.

Como resposta, os Governos adotaram diferentes medidas interrelacionadas, incluindo a descentralização, privatização, desregulamentação e privatização – na tentativa de aproximar o Setor Público ao setor privado, entendido como mais eficiente e produtivo do que o Setor Público (Guthrie, 1993). As novas medidas adotadas, fornecem, de modo geral, um mecanismo que permite à comunidade a participação no processo de governação, bem como

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estabelece um quadro que permite aos interessados serem representados nas estruturas das tomadas de decisão governamentais. A “autonomia dos dirigentes” das entidades públicas tem vindo cada vez mais a perder “terreno” para a “participação do cidadão” (Andrews, 2008:171). Em concreto, o processo de desregulamentação tem proporcionado um quadro jurídico para as reformas do Setor Público direcionado para um melhor desempenho e prestação de responsabilidades.

A teoria da legitimidade dita que são as partes externas para as quais a entidade relata que, influenciam a natureza dos serviços prestados, o conteúdo e a forma como as informações financeiras são relatadas e usadas (e.g., Hoque et al., 2004; Andrews, 2008). Carruthers (1995) e Hoque et al. (2004) salientam que os grupos de pressão externa (sindicatos, empregados, corpos do Governo, público em geral, órgãos de controlo, comunicação social, fornecedores de recursos e credores) exercem pressão institucional sobre os relatos da informação financeira na tentativa de influenciar o desempenho das organizações em seu favor. Neste sentido, o relato da informação financeira, preparado e divulgado pelas entidades do Setor Público, assume um papel importante, na teoria da legitimidade, na medida em que este constitui o meio através do qual as partes interessadas (utilizadores da informação) tomam conhecimento das ações desenvolvidas nessas entidades.

Neste contexto, assim como as entidades do setor privado, as entidades do Setor Público procuram continuamente reforçar a sua legitimidade, não só para o Tribunal de Contas, como também para os cidadãos em geral. O comportamento destas entidades deriva, em grande parte, de decisões que são tomadas internamente, por decisores relevantes, cujo comportamento é, por sua vez, também legitimado pela informação divulgada e por aquela em que fundamentam a forma como decidem.

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2.4 Comentários finais

A literatura indica que os estudos que têm como objetivo principal as reformas da Contabilidade Pública têm usado uma abordagem complementar teórica para explicar as mudanças ocorridas nas últimas décadas. Destaca-se o importante contributo das teorias da contingência e institucional, para explicar as mudanças contabilísticas e de gestão adotadas, resultantes das reformas da gestão e da Contabilidade Pública no âmbito da NPM. A mudança contabilística pode ser afetada por constrangimentos sociais e institucionais que, por sua vez, se poderá repercutir na mudança do relato financeiro para as tomadas de decisão.

O paradigma dos utilizadores da informação e suas necessidades assume que o sistema contabilístico prepara e divulga informação útil de modo a satisfazer as necessidades dos seus utilizadores para diferentes propósitos, nomeadamente para as tomadas de decisão internas. As teorias da contingência e institucional contribuem para explicar as mudanças organizacionais, através da identificação de fatores externos e internos às organizações, impulsionadores ou inibidores de transformações, revelando-se úteis ao se considerarem os sistemas contabilísticos e de relato financeiro como mudanças organizacionais. Em concreto, a teoria da contingência explica as características dos sistemas de informação de contabilidade adotados em determinada organização. O pressuposto base desta teoria é o de que o desempenho de uma organização depende da consistência entre as estruturas e sistemas e, os fatores internos e externos e circunstâncias. Neste sentido, a adoção das práticas contabilísticas por parte das organizações depende de constrangimentos internos e externos. A teoria institucional salienta que os fatores relacionados tanto com as expectativas internas, como com as externas, da organização, bem como os valores sociais, podem justificar as referidas mudanças introduzidas na gestão pública pela NPM.

Adicionalmente, a teoria da legitimidade contribui para explicar as mudanças organizacionais, onde se pode incluir a adoção de novos sistemas contabilísticos e de relato financeiro, ao admitir que estas ocorrem no sentido de permitirem às organizações e aos governos, designadamente aos Governos Locais, legitimar a sua atuação, não só divulgando certo tipo de informação, mas também a partir da necessidade dos dirigentes (decisores) públicos em fazerem uso da informação que é divulgada no relato financeiro das entidades locais.

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As alterações nos modelos de gestão introduzidas no âmbito da NPM geraram novas necessidades informativas que conduziram, à escala global, a reformas acentuadas na Contabilidade Pública e no respetivo relato financeiro. Os dirigentes das entidades públicas passaram a necessitar de informação mais útil e oportuna para poderem tomar decisões de modo mais adequado, pelo que o paradigma dos utilizadores da informação e suas necessidades passou a ser central para explicar as inovações introduzidas nos sistemas de contabilidade e relato financeiro. Mais informação disponível, possibilitando decisões mais apropriadas, permite ainda ao decisor uma certa legitimação daquilo que é decidido.

Neste sentido, esta abordagem às teorias da contingência, institucional, da legitimidade e da utilidade da informação, surge como fundamento teórico central para o estudo a desenvolver e, no seu conjunto, enquadra as hipóteses assumidas e os resultados obtidos na análise efetuada.