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3 ESTADO DO CONHECIMENTO E LEGISLAÇÃO: TRABALHO,

3.2 PREVIDÊNCIA SOCIAL E APOSENTADORIA DE DOCENTES DA EDUCAÇÃO

3.2.2 A Reforma do Aparelho do Estado e a Reforma da Previdência Social

A Constituição Federal de 1988, que representou um marco na história da democracia brasileira, em termos de proteção social de caráter público e universal e de ampliação de direitos, especialmente, via introdução dos preceitos da Seguridade Social, inda “engatinhava” no início da década de 1990 e já era alvo de possíveis reformas, inspiradas em ideários neoliberais, que se avizinhavam ao Brasil.

A aposentadoria – um dos benefícios previdenciários dentro das políticas sociais e tema central no objeto desta tese – tem sofrido grande golpe em função das reformas na legislação previdenciária que levaram a termo as ameaças de perdas de direitos dos trabalhadores, conquistados em lutas históricas, como por exemplo, a isenção de contribuição previdenciária dos aposentados, a paridade e a integralidade dos proventos, a ser detalhado mais adiante.

O desmonte nas políticas sociais de então, de acordo com Silva Júnior e Sguissardi (2001, p. 27), teve seu ápice com a reforma do aparelho do Estado (especialmente, a reforma administrativa), cujo início oficial “[...] se dá em 1990, no governo Collor de Mello, é relaxado no Governo de Itamar Franco, recrudesce com o Governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995 [...]”, quando, finalmente, é implantada pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), sob o comando do Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Implantada no governo FHC, teve sua continuidade nos governos Lula e Dilma que, mesmo tendo ampliado as políticas sociais compensatórias, trazendo melhorias para os setores sociais mais empobrecidos, em várias ações governamentais, também, se alinharam aos princípios da reforma do aparelho do Estado. (GUIMARÃES, 2014; MANCEBO, 2017).

Para Silva Júnior e Sguissardi (2001), os motivos que deram impulso à reforma do Estado brasileiro foram recomendadas por organismos internacionais (BIRD/Banco Mundial, FMI), que há muito solicitavam medidas de ajustes visando, dentre outros, o equilíbrio do orçamento via redução dos gastos públicos, com a desestruturação do mercado interno por meio da exclusão do papel interventor do Estado e a intensificação do processo de privatização de empresas e serviços públicos, principalmente, nas áreas de educação, ciência e pesquisa, cultura e saúde.

De acordo com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a adoção de um novo modelo de administração pública foi justificada pela crise do Estado e seus efeitos na

crise econômica – que culmina no fenômeno da hiperinflação – e na ineficiente prestação de serviços públicos. Essa plano, para os autores37, envolvia vários aspectos: a consolidação do ajuste fiscal38 do Estado brasileiro; com a liberalização comercial, o Estado abandona a estratégia protecionista da substituição de importações; com o programa de privatizações, transfere-se para o setor privado a tarefa da produção, realizada por este de forma mais eficiente; com um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal os serviços não-exclusivos de Estado, em um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. Em síntese, esses aspectos traduzem o seguinte: “É preciso dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de ‘gerencial’, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada [...]”. (BRASIL, 1995a, p. 10).

Assim, com o discurso de que o Brasil precisava continuar seu desenvolvimento econômico, o governo de FHC assumiu, à época, uma ofensiva contra os direitos sociais instituídos com a Constituição Federal de 1988.

A reforma administrativa que se aproximava, à época, tratava-se de uma ofensiva contra a efetivação do modelo de Estado presente na Carta Magna, concebida na perspectiva da ampla garantia de direitos por parte do Estado – daí o termo “Constituição Cidadã” –, mas considerada um “retrocesso burocrático” por Bresser Pereira. (BRASIL, 1995a). Em uma publicação, Bresser Pereira dá exemplos do que entendia como consolidação de privilégios:

O mais grave dos privilégios foi o estabelecimento de um sistema de aposentadoria com remuneração integral, sem nenhuma relação com o tempo de serviço prestado diretamente ao Estado. Este fato, mais a instituição de aposentadorias especiais, que permitiram aos servidores aposentarem-se muito cedo, em torno dos 50 anos, e, no caso dos professores universitários, de acumular aposentadorias, elevou violentamente o custo do sistema previdenciário estatal, representando um pesado ônus fiscal para a sociedade. Um segundo privilégio foi ter permitido que, de um golpe, mais de 400 mil funcionários celetistas das fundações e autarquias se transformassem em funcionários estatutários, detentores de estabilidade e aposentadoria integral. (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 13, grifos meus).

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O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995 e, em seguida, submetido e aprovado pelo Presidente da República. (BRASIL, 1995a, p. 2).

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Um conjunto de políticas ou programas que busca equilibrar o orçamento (receitas e despesas) do governo, por meio da redução de gastos ou o aumento na arrecadação, ou ambos.

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Para Bresser Pereira, um dos autores da reforma do aparelho do Estado, os chamados privilégios da CF/88 encareceram significativamente o custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal, como com bens e serviços. Dentre esses privilégios está a aposentadoria por idade, independentemente do tempo de contribuição, e com remuneração integral (integralidade). E os docentes da educação superior estavam no alvo dessa reforma e, como será visto adiante, serão atingidos.

Para Dourado (2002), a inserção do país na lógica neoliberal – sintonizado às premissas de liberalização econômica, desregulação financeira, reformas na legislação previdenciária e trabalhista e, fundamentalmente, intensificação da privatização da esfera pública – foi apresentada pelos setores dirigentes, à época, como um indicador de modernização do Estado.

Para compreender a chamada lógica neoliberal, tomei a contribuição da professora Sônia Draibe, da Unicamp, no artigo “As políticas sociais e o neoliberalismo: reflexões suscitadas por experiências latino-americanas”. Em seu estudo Draibe (1993, p. 88) afirma que “As teorizações que manejam os assim ditos neoliberais são geralmente emprestadas do pensamento liberal ou de conservadores e quase se reduzem à afirmação genérica da liberdade e da primazia do Mercado sobre o Estado, do individual sobre o coletivo.[...].” A autora acrescenta que não chega a ser um corpo teórico que se fundamente nos intelectuais liberais de reconhecida competência, como Friedman, mas um conjunto de regras práticas de ações ou recomendações, referidas a governo, reformas de Estado e suas políticas. A autora parafraseia Schneider (1990, apud DRAIBE, 1993, p. 89): em lugar de ideologias, os neoliberais têm conceitos como “gastar é ruim”, “bom é ter prioridade”, “precisamos de parceria, não de governo forte”, “Exijam crescimento, não distribuição.”

Nessa lógica neoliberal, o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado” busca reduzir ou desmontar as políticas de proteção e a racionalização do Estado, dentre elas a da previdência social, sobretudo aqueles direitos consagrados à aposentadoria. Assim, o Plano Diretor serviu de base para as reformas administrativas e da previdência da década de 1990 e, em agosto de 1995, foi encaminhado ao Congresso Nacional a PEC 173 (BRASIL, 1995b), que versava sobre a reforma (administrativa) do Estado brasileiro, transformada em Emenda Constitucional no19/98 (BRASIL, 1998a), que dispunha sobre os princípios e normas da administração pública, controle e despesas e finanças, dentre outros.

Uma alteração trazida com a EC 19/98 diz respeito ao estágio probatório do servidor público. A partir da EC 19/98, a estabilidade passou a ser conferida somente após três anos de efetivo exercício e mediante avaliação de desempenho por comissão constituída para tal (Art.

41, § 4o). Em relação à aposentadoria de servidores públicos, o artigo 29 estabeleceu regras para os limites dos proventos. (BRASIL, 1998a). Nessa ofensiva, poucos meses depois, se concretizou uma substancial reforma na legislação previdenciária, materializada na Emenda Constitucional no 20/98, em cujos aspectos que dizem respeito à aposentadoria dos docentes da educação superior pública me deterei a seguir.