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1 INTRODUÇÃO

2.3 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Após a pesquisa de campo e subsequente transcrição das entrevistas, em um quarto estágio, e mediante sucessivas leituras, identificadas como “leituras flutuantes”, procedi a organização dos dados e, por fim, sua análise e interpretação, inspirada nas contribuições da análise de conteúdo sistematizada pela professora Lawrence Bardin. (2015).

A análise de conteúdo demanda a descodificação do que está sendo comunicado, sendo que para a descodificação dos conteúdos o pesquisador pode fazer uso de diversos procedimentos (ou técnicas), procurando identificar o mais apropriado para o material a ser analisado. Bardin (2015) identifica seis técnicas de análise de conteúdo: análise categorial; análise de avaliação; análise da enunciação; análise proposicional do discurso; análise da expressão; e análise das relações. Dentre as técnicas de análise de conteúdo, a análise por categoria (ou análise categorial), de acordo com autora, é a mais antiga e, na prática, a mais utilizada. A autora acrescenta:

Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz em se tratando de aplicar a discursos diretos (significação manifestas) e simples. (p.199)

Dentro da análise categorial, optei pelo uso da análise temática que, para Bardin (2015), consiste em descobrir “núcleos de sentidos” cuja frequência de aparição podem ter importante significado para o objetivo analítico escolhido, ou seja, essa fase do processo de organização baseou-se nos princípios de repetição (pontos em comum que se repetem e são reincidentes) e de relevância (destaque para o que irá contribuir para os objetivos da pesquisa).

Tendo optado pelo uso de entrevistas como um dos instrumentos de produção dos dados e uma vez que se trata de uma abordagem qualitativa, a análise do conteúdo temática se apresentou como uma técnica adequada para a análise. Ainda de acordo com a Bardin (2015, p.131), “o tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, tendências etc [...]”, aspectos estes que deverão emergir da pesquisa em tela, que pretende analisar as motivações para o docente universitário

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permanecer em atividades acadêmicas. Assim, por meio da análise temática foram destacadas unidades de registro que deram visibilidade aos temas.

Para Trivinos (1987), esse método de análise possibilita desvendar as ideologias que podem existir nos dispositivos legais que, à primeira vista, não se apresentam com a devida clareza. De acordo com Chizzotti (2006, p.98), a análise de conteúdo constitui uma técnica objetivando a identificação do que está sendo dito a respeito do tema e permite “compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas.” Nesse sentido, a análise de conteúdo pareceu-me apropriada à leitura e análise da pesquisa documental, em relação à legislação sobre aposentadoria e carreira do docente da educação superior.

Com a estruturação em quadro-síntese, as narrativas dos participantes foram organizadas por temas. O critério de categorização foi semântico, isto é, os elementos foram agrupados em razão de significados e características comuns. O mesmo procedimento foi feito tanto na organização dos dados produzidos na UFPA como na ULisboa. Um quadro foi elaborado com base nas narrativas dos participantes em relação aos motivos para a permanência no trabalho institucional, conforme organização dos dados.

2.3.1 Temas que expressam os motivos para a permanência no trabalho

Os motivos que emergiram das narrativas dos permanecentes, tanto no Brasil como em Portugal, resultaram em vários itens, posteriormente organizados em temas, agrupados por semântica e aproximação de sentido. A organização dos dados resultou em um total de oito temas, no estudo da UFPA, e 7 temas no estudo na ULisboa e, para facilitar o agrupamento dos itens e a interpretação e análise, optei por fazer um quadro com a “definição operacional” (COSTA, 2008) dos temas (Apêndice E), inspirada nos estudos de Kramer e Faria (2007), Morin, Tonelli e Pliopas (2007) e Macedo, Bendassolli e Torres (2019), como segue:

a) Crescimento e Desenvolvimento pessoal/profissional: referências que expressem oportunidades para qualificação e aperfeiçoamento, crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional

b) Reconhecimento e valorização: referências ao fato de ser reconhecido, valorizado e homenageado, receber agradecimento, ser tratado com respeito; autovalorizar-se como liderança e referência para o grupo e para os mais novos;

c) Participação, contribuição e cooperação: referências à participação na gestão, como formas de contribuir para a definição de assuntos referentes à instituição e ao próprio

trabalho; à contribuição com a captação de recursos para e com a pesquisa, com a produção do conhecimento (pesquisa), com a formação profissional e de caráter de pessoas; à cooperação com os colegas na pesquisa; à contribuição no gerenciamento e diminuição de conflitos e competição; referências à importância da experiência dos docentes mais antigos na instituição para a formação e profissionalização dos novos docentes;

d) Identificação e pertencimento: referências que revelem que são representantes da instituição e a admiram; sentem-se gratificados com o trabalho e motivados para o trabalho; expressem o orgulho de pertencer, sentir-se membro, sentir-se responsável e reagir a críticas.

e) Vínculos pessoais: referências ao receio de redução da rede de relações sociais, das interações com os alunos e dos contatos com outras instituições;

f) Vitalidade e saúde: referências a possuir capacidade física e cognitiva, saúde, energia, idade, vitalidade e condições para continuar no trabalho institucional. Referências ao medo do adoecimento físico ou psicológico (depressão, alcoolismo); negação ou sentimento de despreparo diante da aposentadoria; à crença de que trabalho é saúde e qualidade de vida e de que o afastamento a compromete.

g) Gosto e satisfação: Referências a gostar e sentir-se bem, fazendo o que faz (ensino, pesquisa e/ou extensão); não se ver fazendo outro trabalho fora da universidade; docência como único ofício;

h) Incentivo financeiro: referências à perda do abono de permanência (política de previdência social); à perda de subsídios pecuniários para o plano de saúde; a ganhos com a progressão na carreira (política de carreira); velhice com tranquilidade financeira.

i) Tempo livre: referências a ter mais tempo livre com redução da jornada de trabalho; referências ao fim das atividades “desagradáveis”; à vida sem estresse.

j) Autonomia e liberdade: referências à autonomia na decisão de como fazer o seu trabalho; à percepção de liberdade na efetivação das próprias ideias.

k) Permanência sem vínculo precário: referências ao fato de que as atividades que realiza não supre as necessidades permanentes de serviço docente, o que geraria um vínculo precário de trabalho; ao fato de que permanecer no trabalho na universidade, após a aposentadoria, não impede o ingresso de novos docentes.

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Para melhor visualização, os temas que emergiram da análise, definidos anteriormente, se encontram no Quadro 8.

Quadro 8 - Temas que expressam os motivos para permanência no trabalho após condições legais para aposentadoria, na UFPA e ULisboa.

TEMAS UFPA ULisboa

a) Vitalidade e saúde  

b) Gosto e satisfação  

c) Participação, contribuição e cooperação  

d) Incentivo financeiro  

e) Crescimento e desenvolvimento pessoal/profissional 

f) Reconhecimento e valorização 

g) Identificação e pertencimento 

h) Vínculos pessoais 

i) Tempo livre 

j) Autonomia e liberdade 

k) Permanência sem vínculo precário 

Fonte: Elaboração da autora.

Buscando responder à questão problema – os docentes da educação superior brasileira e portuguesa, mantendo-se no trabalho após lograrem o direito à aposentadoria, permanecem em condições de trabalho intensificado? – usei novamente o recurso da definição operacional como segue:

2.3.2 Condições de permanência no trabalho

A organização dos dados resultantes desta segunda questão problema, também, se deu por aproximação de sentido e semântica, como indicado por Bardin (2015). Assim, da organização dos dados resultou o tema “Intensificação”, cuja definição operacional (COSTA, 2008) foi baseada em Dal Rosso (2008, p. 108-131). O autor aponta cinco meios, mecanismos ou formas pelos quais o trabalho é tornado mais intenso30, quais sejam: alongamento da jornada; acúmulo de atividades; e polivalência, versatilidade e flexibilidade; ritmo e

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Pessoa (2011), em sua investigação com docentes de pós-graduação na UFPA, usou esses 5 mecanismos para identificar o processo de intensificação.

velocidade; e gestão por resultados. Desses cinco mecanismos usados pelo autor, três deles se adequaram à análise das narrativas:

a) Alongamento da jornada: referências à sobrecarga de trabalho; a alongar a jornada; a trabalhar por mais tempo; a dominar tecnologias que aumentam os ritmos e exigem atividades suplementares; prolongamento/extensão do tempo e espaço do trabalho para além do contratado; à diluição das fronteiras entre o espaço/tempo de trabalho e o espaço/tempo de não trabalho.

b) Acúmulo de atividades: referências a acumular, em uma mesma pessoa, atividades antes desenvolvidas por mais pessoas; desempenhar mais tarefas no mesmo horário de trabalho, seja em função do aumento de atividades ou da redução do número de docentes;

c) Polivalência e flexibilidade: referências ao trabalho flexível e polivalente; a atuar em diversas frentes ao mesmo tempo; a trabalhar mais dentro da mesma duração da jornada. Baseado no Toyotismo, um trabalhador não deve ser mais especializado em uma única tarefa.

Por fim, ainda sobre a organização dos dados, convém destacar que tanto a presença constante de um de determinado elemento, como a presença parcial ou até mesmo sua ausência, foram considerados indicadores importantes na constituição dos temas e na análise. Consoante Bardin (2015), para certos tipos de mensagens ou certos objetivos de análises, a ausência de elementos constitui variável importante, podendo traduzir-se em uma vontade escondida (no caso de uma declaração pública).

Após organização dos dados, procedi a leitura pormenorizada deles, para definir quais depoimentos decorrentes das entrevistas melhor ilustrariam as categorias de análise desta tese. Assim, os dados foram organizados, analisados e sistematizados, sendo apresentados nas quatro seções que se seguem, com as denominações: i) Estado do conhecimento e legislação: trabalho, aposentadoria e previdência/segurança social no Brasil e em Portugal; iii) A permanência de docentes universitários no trabalho após direito à aposentação: um estudo na UFPA (Brasil); iii) A permanência de docentes no trabalho após direito à aposentação: um estudo na ULisboa (Portugal); iv) Intensificação do trabalho na fase final da carreira docente da UFPA e da ULisboa.

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3 ESTADO DO CONHECIMENTO E LEGISLAÇÃO: TRABALHO DOCENTE,