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3. O CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

3.1. A reforma do Estado

O papel que o Estado desempenha ao longo da sua evolução, desde a fundação dos primeiros Estados modernos na Europa dos séculos XV e XVI, vem se modificando. O modo de produção capitalista acentuou o seu papel enquanto instituição maior de proteção à propriedade, o que o posicionou como importante ator na valorização do capital. Com o desenvolvimento do capitalismo, em termos de expansão global e de complexidade das transações entre a produção e o consumo, o Estado passou a ter que enfrentar novas demandas no que se refere ao controle da propriedade. Este processo foi marcadamente acentuado na segunda metade do século XX e o forçou a desenvolver cada vez mais novas especializações, o que tornou suas operações muito mais complexas. O desenvolvimento acelerado do capitalismo exerceu enorme pressão sobre o papel do Estado nas sociedades, catalisando uma crise que se tornou marcante no pós-segunda-guerra (Abrucio, 2006).

Segundo Abrucio (2006), um conjunto de fatores sociais e econômicos contribuíram para a crise do Estado. A crise econômica mundial iniciada na década de 1970, e agravada na década de 1980, trouxe um cenário de recessão que gerou impacto direto na questão do equilíbrio fiscal, ou seja, o Estado passou a gastar mais do que arrecadava. Neste cenário de escassez de recursos, principalmente aqueles Estados calcados no modelo do welfare state (Estado do bem-estar), passaram a enfrentar significativos déficits fiscais diante de um cenário de baixo crescimento econômico. Soma-se a este cenário o fato de que o Estado passou a atuar, cada vez mais, em um ambiente de expansão econômica global e de intensas inovações tecnológicas, fenômenos estes que, não só transformaram a lógica do setor produtivo, mas influenciaram diretamente o volume e a complexidade das operações necessárias para que o Estado cumprisse o seu papel. Em um ambiente de concorrência global, a questão da diminuição dos custos trabalhistas, previdenciários e da carga tributária sobre o capital, passaram a ser focos de pressão por parte da sociedade; o Estado, enquanto o principal responsável pela elevação destes custos, passou a conviver com o dilema de, ao mesmo tempo, ter que promover a competitividade de empresas locais para atuar em um mercado global. Como conseqüência, as pressões pela diminuição de impostos e da participação do Estado na economia se tornaram crescentes.

Segundo uma das correntes de interpretação acerca das mudanças no papel do Estado, um dos impactos mais marcantes foi a sua tendência de enfraquecimento enquanto instituição. Segundo Abrucio (2006), um dos principais fatores que levou ao enfraquecimento do Estado foi a perda de poder em controlar os fluxos financeiros e comerciais em uma economia global e de alta tecnologia. Adiciona-se a este cenário o fato de que no final do século XX as grandes multinacionais cada vez mais absorveram este poder, exercendo, inclusive, influência nas políticas macro-econômicas: o Estado já não ditava estas políticas com total autonomia e independência. Segundo Rifkin (2004 p. 236) “(...) as empresas globais passaram a ofuscar e subordinar o poder das Nações”, fazendo com que cada vez mais o controle sobre os recursos globais, a mão-de-obra e o mercado estivessem nas mãos das grandes corporações. A transição para uma economia baseada na informação e no conhecimento contribuiu, também, para este enfraquecimento. Antes, em uma economia baseada no material, na energia e na mão- de-obra, o Estado conseguia desempenhar um papel essencial na garantia dos destinos dos mercados. Na nova economia, o Estado tem menos poder e mostra-se incapaz de reagir com agilidade às forças de mercado, refletindo a sua imutabilidade e histórica ligação física com a terra (Rifkin, 2004).

Um marco do enfraquecimento do Estado foram as políticas neoliberais vigentes nas principais economias mundiais durante os anos em que Ronald Regan (1981–1989), nos EUA, e Margareth Thatcher (1979 – 1990), no Reino Unido, governaram. As políticas conservadoras propagadas por estes governos, intelectualmente fundamentadas nos princípios da economia do laissez-faire, pregavam um papel minimalista do Estado na crença de que o mercado seria capaz de auto-regular-se. Segundo Joseph E. Stiglitz (2003), economista norte-americano, ganhador do prêmio Nobel de economia em 2001 e ex-executivo chefe do Banco Mundial, estas décadas foram marcadas por um desequilíbrio entre os poderes estatais e do mercado, ocasionando uma liberalização econômica excessiva que provou ser incapaz de corrigir as falhas e limitações do próprio mercado e em propiciar a justiça social. Em seu livro Os exuberantes anos 90, Stiglitz (2003) realiza uma forte crítica à excessiva liberalização econômica, ressaltando as conseqüências de cerca de uma década – marcadamente os anos 1980 – de falta de controle Estatal. O autor destaca que muitos dos problemas que assistimos durante a década de 1990, não por acaso, tiveram o ponto de origem em setores que haviam sofrido uma desregulamentação radical nos Estados Unidos, como foi o caso da Enron no setor Elétrico e da WorldCom no setor de telecomunicações. Desta forma, Stiglitz (ibid.) defende que, mesmo reconhecendo os mercados como o centro do sucesso da economia, eles não seriam

capazes por si próprios de resolver os problemas econômicos e sociais. Os governos seriam, portanto, importantes parceiros na resolução destes problemas, sendo o maior desafio atual, segundo o autor, o alcance do equilíbrio de poder e dos limites de atuação Estatal e privada (ibid.).

Se assumirmos a premissa de que, do ponto de vista econômico e social, a proposta de um Estado mínimo não é factível (Stiglitz, 2003; Rifkin, 2004; Bresser Pereira, 2006; Abrucio, 2006), a solução para a crise passa, então, pela questão da sua reforma. Segundo Bresser Pereira (2006) a reforma do Estado implicaria, inevitavelmente, a sua redução, principalmente no que se refere ao seu papel enquanto produtor de bens e serviços. Bresser Pereira (2006) defende que existem diferenças significativas entre as reformas que foram impressas pelos conservadores no início da década de 1980 e as reformas que, mais contemporaneamente, vem sendo realizadas pelas democracias sociais. Enquanto, segundo o autor, nas reformas conservadoras o objetivo era retirar o Estado da economia, nas reformas social-democratas o objetivo é elevar a sua governabilidade, provendo meios financeiros e administrativos para que eles possam intervir efetivamente nos mercados, quando estes últimos não forem capazes de resolver as suas imperfeições (ibid.).

Martins (2005) propõe esta mesma diferenciação definindo duas abordagens para a questão da reforma do Estado. Uma primeira abordagem consideraria o Estado como um problema, defendendo a tese da sua desconstrução. Nesta ótica, o Estado deveria se restringir às suas funções mínimas de defesa, arrecadação, diplomacia e polícia. Adotando um processo de reforma com baixo nível de participação e em busca de soluções rápidas para as imperfeições estatais, esta abordagem possuía uma forte orientação fiscal por meio da busca da eficiência e do controle excessivo. Isto significaria, na prática, a focalização das reformas na redução das despesas Estatais com o objetivo de equilibrar as contas públicas e na tentativa de fazer mais ou as mesmas atividades com menos recursos possíveis. Neste sentido, as reformas que se basearam na tese da desconstrução nem sempre garantiram mudanças efetivamente sustentáveis. A segunda abordagem proposta por Martins (2005), o que ele denominou não de reforma, mas de revitalização, enxerga o Estado com parte da solução dos problemas. Nesta ótica, o Estado deveria orientar-se para o desenvolvimento do bem- estar geral, equilibrando a sua função de fomentador do desenvolvimento econômico e da livre iniciativa com sua função de garantia da justiça social. De maneira diferente da primeira abordagem, o processo de reforma apresentaria elevado grau de participação da sociedade em busca de soluções sustentáveis – a longo-prazo – e com forte

orientação desenvolvimentista por meio da eficácia e efetividade, ou seja, um controle orientado aos resultados Estatais e não aos procedimentos (ibid.).

3.2. O enfraquecimento do modelo burocrático e o modelo