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2. AS ÂNCORAS DE CARREIRA

2.4. Estagnação na carreira

Vale a pena, antes de encerrarmos esta seção, abordarmos algumas possíveis conseqüências da falta de integração entre as recompensas oferecidas pelo modelo de gestão de carreiras e a âncoras de carreira. Lemire, Saba e Gagnon (1999), estudando carreiras no setor público canadense sugerem que a ausência ou inadequação de intervenções no modelo de gestão de carreiras podem ocasionar a percepção de estagnação. Feldman e Weitz (1988), adicionalmente, destacaram que a falta de integração entre necessidades individuais e as recompensas que são oferecidas podem ocasionar a percepção de estagnação na carreira por parte dos indivíduos. A estagnação poderia ser caracterizada como um estado em que os indivíduos não obtêm as recompensas adequadas às suas necessidades ocasionando uma série de alterações

comportamentais no contexto de trabalho, que seriam indesejáveis do ponto de vista da efetividade organizacional.

Algumas destas alterações comportamentais foram exploradas por Katz (1980), que estudando as conseqüências da longevidade na carreira, ou seja, o tempo em que o indivíduo permanece na mesma situação profissional, identificou alguns comportamentos típicos da estagnação na carreira. Um dos primeiros sintomas da estagnação é o crescimento da importância relativa que os indivíduos atribuem às recompensas extrínsecas, ou seja, salários, relações sociais, benefícios e outras variáveis que são exteriores ao trabalho em si. Outro efeito explorado por Katz (1980) é a crescente resistência à mudança dos indivíduos, que se tornam menos receptivos a novas demandas da organização. Como eles confiam nos modos de conduta já estabelecidos, percebem a incerteza e a mudança como uma ameaça ao status quo; buscam, portanto, a preservação das rotinas e condutas que lhes são familiares e que garantem conforto e segurança. Esta auto-proteção em relação ao novo cada vez mais desempenha um papel restritivo em relação à capacidade do indivíduo em solucionar problemas, pois adota na maioria das vezes a postura do “sempre fizemos assim”. O apego às suas próprias formas de solução de problemas restringe a sua capacidade. Outro efeito é a tendência de agregação do recurso humano em torno de semelhantes – o que Katz (1980) denominou de homofilia –, ou seja, a busca de aproximação com outros indivíduos que compartilham das mesmas idéias, interesses, necessidades e valores. Esta tendência faz com que o indivíduo, cada vez mais, fique isolado de fontes externas de informação, limitando seu repertório e capacidade de solucionar novos problemas que possam vir a surgir no contexto de trabalho. Finalmente, o próprio processo cognitivo do indivíduo fica prejudicado, pois ele não busca internalizar novos conhecimentos e perspectivas, ocasionando um efeito de deterioração progressiva. A ausência de exposição a novos contextos e problemas influencia negativamente a sua capacidade de inovação e de criatividade.

van Dam (2004) contribui para a compreensão dos efeitos da estagnação quando sugere que ela ocasiona uma espécie de ciclo vicioso. Segundo o autor, quanto mais estagnados os indivíduos se percebem, maior é a dificuldade de que as organizações efetivem intervenções nas características do modelo de gestão de carreiras. Esta dificuldade é determinada, em boa parte, pela resistência à mudança por parte dos indivíduos. Este contexto caracteriza um ciclo vicioso, pois, ao mesmo tempo em que a estagnação sinaliza a necessidade de que a organização intervenha nas

características do modelo de gestão de carreiras, cada vez menos os indivíduos estarão predispostos a enxergarem estas intervenções como uma possibilidade de integração.

Podemos inferir que, na maioria das vezes, as intervenções nas características de um modelo de gestão de carreiras irão alterar a dinâmica de satisfação das necessidades dos indivíduos. Portanto, eventuais intervenções ocorrem em um ambiente em que esta dinâmica poderá atuar como uma força potencializadora ou de resistência. Poderíamos especular que quanto maior a integração das intervenções, mais potencializadora, no sentido de apoiar a intervenção, será esta força. Por outro lado, as intervenções podem gerar o efeito contrário, indo contra as necessidades e expectativas dos indivíduos. Neste caso, a intervenção deverá enfrentar forças de resistência que tentarão impedir que a intervenção ocorra de fato, pois representa algum tipo de ameaça. Em uma situação destas, o princípio de integração parece virar do avesso, pois o que ocorre na realidade é uma falta de integração entre aquilo que os indivíduos e a organização necessitam e valorizam.

Podemos concluir com o reconhecimento de que qualquer intervenção nas características do modelo de gestão de carreiras será complexa e delicada. Se adotarmos a perspectiva da integração, torna-se fundamental a compreensão das âncoras de carreira, caso contrário, aumentaremos a lacuna existente entre aquilo que a organização formaliza e as práticas efetivas dos indivíduos que atuam na dinâmica da carreira. Os limites da integração, contudo, não são claros, portanto, deve-se ter especial atenção para os efeitos causados pelo modelo de gestão de carreiras vigente nos comportamentos individuais; ou seja, até que ponto as características do modelo de gestão de carreiras por si só não estimularam comportamentos resistentes às intervenções. O modelo de gestão de carreiras comporta um conjunto de características que possuem elevado impacto na satisfação das necessidades dos indivíduos e por conseqüência, os comportamentos que adotam no trabalho. Critérios adotados para a alocação, os atores envolvidos em um processo de avaliação, o nível de investimento no desenvolvimento de indivíduos, a diferenciação de salário em função de mérito, dentre várias outros; são exemplos de recompensas do modelo de gestão de carreiras que podem ser alteradas em função das necessidades organizacionais e individuais, caso se busque a integração.

A discussão da integração de necessidades por meio das recompensas oferecidas pelo modelo de gestão de carreiras é central para que sejam evitados os efeitos nocivos da estagnação. Na perspectiva da teoria Y, as organizações deveriam se

esforçar para estruturar ou realizar intervenções nos modelos de gestão de carreiras de forma a alinhar as recompensas oferecidas às âncoras de carreira. Este alinhamento garantiria a satisfação das necessidades individuais mais elevadas, promovendo um comportamento motivado em direção aos objetivos organizacionais e garantindo um bom desempenho. Contudo, é relevante considerarmos algumas limitações do estudo das carreiras que podem influenciar a predisposição das organizações em efetivamente buscarem a integração proposta por McGregor (1999).