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3. O CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

3.3. Visão geral das reformas administrativas no Brasil

A primeira reforma administrativa no Brasil foi em 1936, por meio da criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), o qual disseminou os princípios do modelo de administração burocrático. Estes princípios reforçaram a centralização, a hierarquia e o controle rígido de procedimentos. Os primeiros sinais de uma reforma gerencial surgiram no final da década de 1960, por meio do Decreto Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, que promoveu a transferência das atividades de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas públicas e de economia mista. Com esta medida a intenção era prover maior autonomia para a administração descentralizada, exercendo-se menor controle sobre ela. Nestas atividades, o concurso para ingresso do servidor público, uma prerrogativa do modelo burocrático, foi eliminado e os servidores transformados em celetistas – seguindo as regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Com a não exigência do concurso público, acentuaram-se as práticas patrimonialistas e fisiológicas. O próprio governo utilizou-se intensivamente da contratação direta de servidores sem concurso por meio das empresas públicas para que atuassem na administração direta (Bresser Pereira, 2006).

A crise do modelo burocrático no Brasil iniciou na década de 1970, durante o regime militar. A sua incapacidade de eliminar o patrimonialismo, aliada ao fracasso do governo em desenvolver a eficiência e eficácia do setor público, foram elementos potencializadores da crise. Os efeitos desta política puderam ser sentidos a partir da década de 1980, na qual a ineficiência e a corrupção no setor público passaram a ser um tema de preocupação da sociedade. Segundo Bresser Pereira (2006), a coexistência de traços patrimonialistas e a excessiva burocratização do Estado foram as duas principais variáveis que ocasionaram o alto custo e a baixa qualidade do setor público brasileiro.

Na Constituição Federal de 1988, como uma resposta às brechas que foram abertas a partir da década de 1970, foram reforçados os princípios do modelo de administração burocrático. Esta reforma caracterizou-se por reforçar a centralização, a hierarquia e a rigidez, colocando seu foco na administração direta e negligenciando a administração indireta. Segundo Bresser Pereira (2006) a Constituição Federal de

1988 simplesmente percebeu que a reforma burocrática iniciada na década de 1930 não

havia se consolidado, esquecendo-se das novas orientações do setor público – como já vinha ocorrendo nos Estados Unidos e Grã-Bretanha desde o início da década de 1980. Foi instaurado o Regime Jurídico Único (RJU) da União para todos servidores civis da administração pública direta, autarquias e fundações, formalizando a igualdade de tratamento para categorias e carreiras totalmente distintas. A estabilidade rígida no emprego para todos os servidores públicos foi sacramentada, bem como um rígido sistema de concursos públicos, o qual não possibilitava mobilidade dos servidores entre as carreiras do Estado. Reforçaram-se, também, privilégios que na atualidade estão em plena discussão na sociedade brasileira, como o sistema previdenciário estatal que concedia aposentadoria integral sem relação direta com o tempo de serviço prestado pelo servidor. Na visão de Bresser Pereira (2006), a Constituição Federal de 1988 trouxe um retrocesso em termos de enrijecimento burocrático.

No governo que se sucedeu, o de Fernando Collor de Mello (entre 1990 e 1992), houve uma tendência de radicalização na tentativa de se reduzir o aparelho do Estado, por meio da demissão massiva de servidores públicos e da extinção de autarquias, fundações e empresas públicas. O governo, contudo, não se preocupou com a legalidade dos seus atos e muitos destes servidores foram anistiados e voltaram à ativa, anos mais tarde, ocasionando um custo maior ainda para o Estado. Além da redução drástica da remuneração dos servidores públicos, os mesmos foram acusados de todos os males do país e identificados com o corporativismo – a defesa dos interesses do grupo como se fossem os da nação. Em 1993 foi divulgado um documento

bastante representativo da situação em que os servidores públicos acreditavam se encontrar:

“(...) os servidores públicos estão desmotivados, sem perspectivas profissionais ou existenciais atraentes no serviço: a maior parte deles não se insere num plano de carreira. Os quadros superiores não têm estabilidade funcional. As instituições de formação e treinamento não cumprem o seu papel. A remuneração é baixa (...)” (Andrade e Jacoud, 1993).

Em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (entre 1995 e 2002), foi publicado um documento que tratava da reforma administrativa do Estado brasileiro e cuja proposta básica seria transformar o modelo de administração pública de burocrática em gerencial. Este documento, denominado de Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado (1995), foi publicado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare) e sintetizava uma série de ações

necessárias para uma reforma do Estado brasileiro, visando a um melhor ajuste das contas públicas. Segundo Bresser Pereira (2006), as reformas iniciadas a partir da segunda metade da década de 1990 no Brasil, que tiveram inspiração neste documento, poderão ser reconhecidas no futuro como a segunda grande reforma do setor público brasileiro.

Estas reformas colocaram em foco, mais do que nunca, a discussão acerca dos modelos de gestão de carreiras no setor público brasileiro. Barbosa (2001) destaca que, nesta discussão, um dos temas centrais se refere à adoção de princípios meritocráticos para a administração dos servidores públicos. Características tais como a estabilidade no emprego, a avaliação de desempenho, a adoção de mecanismos de recrutamento e seleção mais flexíveis e a mobilidade de servidores com base no mérito profissional – e não por antiguidade ou relações pessoais –, são polêmicas e têm feito parte de acaloradas discussões nos ambientes acadêmico e profissional. O argumento principal é que a delimitação de um Estado brasileiro baseado em um novo modelo de administração pública, o gerencial, não seria viável se estas características do modelo de gestão de carreiras não fossem modificadas. Contudo, antes de explorarmos estas características, é pertinente compreendermos como o setor público brasileiro está estruturado, pois é nele que as carreiras serão localizadas.

3.4. Características gerais do modelo de gestão de carreiras no