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A reforma temporária da constituição de 1972;

CAPÍTULO III – A SEPARAÇÃO DE PODERES ARGENTINA

6. A reforma temporária da constituição de 1972;

Em continuidade, a chamada Revolução Libertadora (que vai de 1958-1966) depôs o presidente Lonardi e, como exposto antes, colocou em seu lugar o General Aramburu que imediatamente dissolveu o “Partido Peronista e a Fundação Eva Perón”500 e organizou “um

projeto econômico de cunho liberal e um projeto político formalmente democrata, embora excludente, pois proibia o peronismo,”501 mas, paradoxalmente, sempre com mecanismos de

diálogo com o peronismo502 já que ele “estava profundamente entranhado na cultura política nacional”503.

500 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas... op. Cit. p. 323

501 SOCA, Diego Antônio Pinheiro. Os voos da morte como método de desaparecimento, extermínio e

ocultação de cadáveres na Argentina (1976-1983)... op. Cit. P. 24.

502 Não é a primeira vez que o termo “Peronismo” aparece neste trabalho. Entretanto, não é possível deixa-lo passar

todo o trabalho sem a adoção de um conceito que lhe explique com um mínimo de aporte conceitual, pois “ninguém pode comunicar o que não possui, nem ensinar o que ignora” (PLATÃO. O Banquete / Platão tradução Edson Beini, Albertino Pinheiro – 1ª ed. – São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010. P. 48). Dessa forma, o peronismo “é constituído por quatro elementos: Estado, carisma, organizações e massas113. Inspirado no fascismo italiano, Perón partiu da premissa da crise do liberalismo e da política de partidos e aliciou o operariado com o estabelecimento de uma legislação trabalhista abrangente, comandou a organização sindical e montou a mais poderosa máquina partidária do país, que venceu as eleições presidenciais de 1946, 1951, 1973 (duas vezes), 1989, 1994 e 2003, tendo ainda sustentado a governabilidade do país na crise de 2001-2002. Nas duas vezes em que foi derrotado pela UCR para a presidência – 1983 e 1999 –, o peronismo conseguiu vencer nas eleições seguintes para o Congresso e reassumir a Casa Rosada antes do término dos mandatos perdidos (respectivamente, de Alfonsín e De la Rúa).” (CANDEAS, Alessandro. A integração Brasil-Argentina: história de uma ideia na “visão do outro”... op. Cit. p. 85).

503 SOCA, Diego Antônio Pinheiro. Os voos da morte como método de desaparecimento, extermínio e

116 Intentou dar ao regime um tom de normalidade, tanto que:

Entre 1958, com a saída do poder dos militares da chamada Revolución Libertadora, até 1966, a Argentina teve três governantes civis: Arturo Frondizi (1958 a 1962, derrubado por um golpe militar), José M. Guido (1962 a 1963, de caráter provisório) e Arturo Illia (1963 a 1966, derrubado por outro golpe militar), todos oriundos da Unión Cívica Radical (UCR). Nenhum destes presidentes concluiu seu mandato, e quase sempre estiveram sob tutela militar.504

Todavia, nenhuma normalidade institucional acompanhou esse regime e, principalmente, a Carta de 1972. Um bom exemplo é que a mesma sequer é mencionada na obra Constituciones Argentinas Compilación histórica y análisis doctrinario505 que perpassa desde a Constituição de 1853 até a reforma de 1994, mas não dedica ponto específico (como das Cartas de 1919, 1826, [Pacto Federal de 1831], [Projeto de 1852], 1853, 1860, 1866, 1898, 1957 e 1994) à Carta de 1972.

Esse período também teve conspurcada a Separação de Poderes – mantendo a linha hegemônica do Executivo herdade desde 1930 – quando o governo militar do regime pós-Perón simplesmente “interveio na Suprema Corte e nas universidades (demitindo juízes e dissolvendo as entidades estudantis, respectivamente), extinguiu os partidos políticos, prendeu líderes sindicais e estabeleceu a censura a livros, jornais e revistas”506.

É neste cenário que o Texto Constitucional de 1972 emergirá.

“Em 24 de agosto de 1972, a Junta de Comandantes em Chefe das Forças Armadas, que se haviam vindicado o exercício do poder a partir de 28 de junho de 1966, na queda do presidente Arturo Illia, resolvendo modificar diversas normas da Constituição Nacional” 507 e

nesse as modificações mais importantes foram (a) unificação do período de deputados e senadores para quatro anos; (b) eleição popular dos senadores e ampliação para três por província; (c) ampliação do período de sessão do Congresso – de 01.04 a 30.11; (d) reeleição do presidente e sua eleição popular; (e) outras regras que agilizavam o procedimento legislativo

504 SOCA, Diego Antônio Pinheiro. Os voos da morte como método de desaparecimento, extermínio e

ocultação de cadáveres na Argentina (1976-1983)... op. Cit. P. 25.

505 Constituciones Argentinas Compilación histórica y análisis doctrinario / Marcela I. Basterra [et al…] –

Coordinadora Natalia Monti – 1ª edición - Ministerio de Justicia y Derechos Humanos – Presidencia de la Nación – Infojus: Sistema Argentino de Información Jurídica – Buenos Aires, 2015.

506 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas... op. Cit. p. 324. 507 ZIULU, Adolfo Gabino. Derecho constitucional, Tomo I... op. Cit. P. 89.

117 e (f) determinavam um mecanismo de jurados para remoção de juízes inferiores, conforme lição de Sagüés.508

Sua essência, porém, no que guarnece a Separação de Poderes foi exatamente a mesma vivida durante todo o período na Argentina pós-1930: inexistiu.

Os inúmeros percalços da realidade Argentina, contudo, levariam a um agravamento da situação – para quem, na época, não pudesse imaginar que já estivesse mau o bastante – conforme estudos de Romero,509 em 24.03.1976 a Junta de Comandantes (jungida pelo Genral Videl, o Almirante Massera e o Brigadeiro Agosti) assumiu o poder e instaurou os procedimentos chamado “Reorganização Nacional” fixando como presidente VIdel (que, concomitantemente, ficara na liderança do Exército até 78).

Para os certames da Separação de Poder, esse período significou que as atribuições da textual (na Constituição) Legislativa, Executiva e Judiciária (e até constituintes) em perfeita ilustração de um poder fática e realmente ilimitado.510

Seu exemplo mais claro é que “a estrutura de poder adotou como órgão central a Junta Militar, ente Supremo, que além de funções constituintes agasalhou outras da Constituição de 1853-1860 que eram do Presidente e Congresso”511 e, tendo o presidente assumido as funções o Executivo e Legislativo, alguns outros casos era destinados à Junta Militar que “en la tarea legiferante estaba acompañado por una Comisión de Asesoramiento Legislativo”512 e, ao final,

tinha-se o Poder Judiciário demonstrando-se, em termos de fato, uma extensão do período de “1966-1973, el sistema era unitario y autoriatio”513 em completa afronta à Lei Fundamental.

Extirpado o Poder Legislativo restava o Judiciário.

Porém, ele nada pode ou quis fazer, e, ainda, não era objeto de confiança do próprio povo que “O modelo autoritário na Argentina optou pela desconfiança às instituições do sistema judicial. Na Argentina os Tribunais foram pouco utilizados para processar e julgar acusados de

508 SAGÜÉS, Néstor Pedro. Manual de derecho constitucional... op. Cit. P. 137. 509 ROMERO, José Luiz. Breve historia de la Argentina… op. Cit. P. 207.

510 Nesse sentido: “Levando-se em conta que a Junta Militar exerceu atribuições Legislativas, Executivas, Judiciais

e até constituintes, esta declaração põe em evidência que, ademais, considerou-se investida de um poder de fato sem limites jurídicos: nem mais nem menos que a identificação do direito com os fatos” (SOUZA, Cleuber Castro. Judiciário e Autoritarismo: ação política da Suprema Corte de Justiça do Brasil e da Argentina no julgamento de crimes políticos... op. Cit. p. 162).

511 SAGÜÉS, Néstor Pedro. Manual de derecho constitucional... op. Cit. P. 139. 512 Idem.

118 subversão ou mesmo para processar a dissidência política do próprio regime”514 e, com isso, “Essa prática ou esse temor dos Tribunais e da própria Suprema Corte de Justiça sugere que o sistema judicial na Argentina durante a ditadura estava subjugado pela força do poder de facto”515

Até a restauração da ordem democrática – 10.12.1983 – a Separação de Poderes continuaria simplesmente perdida no ostracismo sem a mínima chance de resistência, pois quando a manifestou foi violentamente vitimada com Parlamentos e Suprema Corte fechadas, com partidos encerrados e juízos exonerados e, noutros casos, com o ingresso dos opositores na funesta lista de desaparecidos.

Assim, “a política do governo de Videla relembrou as épocas mais sombrias da História do Homem e não resolveu a crise econômica do país”516 foi responsável pelo importe

de mais de oito mil pessoas assassinadas, seis mil prisioneiros em cárceres oficiais, outros cinco a sete mil em campos de concentração e os tantos outros “desparecidos” que, conforme lição de Aquino, foi muito bem exposta pelas “Las Madres de Plaza de Mayo”517.

Assim, de 1810 (independência) até a Constituição de 1853 (estável) a Separação de Poderes, nesse período jamais se consolidou perfeitamente, cujo modelo argentino inspirado na influência, sobretudo, d’Os Federalistas manteve-se longe da estabilização intentada. A partir de 1853 até 1930 a Divisão de Poderes, mesmo que neófita e sem a estrutura madura do modelo inspirador (estadunidense em que primeiro vieram as constituições das colônias para depois dar vida à Constituição da Federação) proporcionou um mínimo de existência fática.

A partir de 1930 os sucessivos governos despóticos que frequentemente fecharam o Parlamento, aniquilaram os Partidos Políticos, demitiram Juízes (inclusive da Suprema Corte) e silenciou a própria Cúpula do Judiciário518 – mesmo que democraticamente eleito como Perón – levou a neófita separação de poderes ensaiada nos primeiros anos da República Argentina

514 SOUZA, Cleuber Castro. Judiciário e Autoritarismo: ação política da Suprema Corte de Justiça do

Brasil e da Argentina no julgamento de crimes políticos... op. Cit. P. 192.

515 Idem.

516 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas... op. Cit. p. 327. 517 AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas... op. Cit. p. 327.

518 “O Congresso foi dissolvido, e os juízes da Corte Suprema, depostos.” (CANDEAS, Alessando Warley.

Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços e recuos / Alessandro Warley Candeas – Revista Brasileira de Política Internacional - 48 (1): 178-213, 2005, - Disponível em:

119 (pós-1853) ao aniquilamento que perdurou até 1983 com o reestabelecimento – ou estabelecimento – do governo democrático.