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CAPÍTULO II – A SEPARAÇÃO DE PODERES BRASILEIRA

3. Constituição de 1.934;

A República Nova chegará pelas brechas deixadas pela República Velha causados pelas epidemias nela existentes como a do “domínio das oligarquias e a fraude eleitoral institucionalizada” 201 que dará azo para que “em 1930 uma Junta Militar transfere o poder para

201 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado / Pedro Lenza. – 17. Ed. rev., atual. e ampl. – São

58 um Governo Provisório, que o exerceria até a promulgação do texto de 1934” 202, culminando

em diversas deficiências que levaram à ruína o sistema, mas que, sobretudo para critérios democráticos e da separação de poderes, encerraria em direito positivo sua existência com o Decreto que deu vida ao governo provisório (n. 19.383/1930203) e concedeu “discricionariamente, em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do Poder Executivo como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, se estabelecesse a reorganização constitucional do País” (art. 1º)204.

Dessa maneira, a separação de poderes a partir de 1930 simplesmente desapareceu205.

Isso, no entanto, desencadeou, em conjunto com a realidade da época, os passos que se fariam necessários para a feitura de uma Nova Constituição em 1934 que substituiria a Lei Maior de 1891. O pequeno espaço de aproximadamente um quarto de século entre a Constituição de 1891 e a Constituição de 1934 pode ser resumido, conforme lição de Mendes, pela conjuntura de diversos aspectos, tais quais:

... o sistema eleitoral, que desnaturava os mandatos políticos; a crise econômica de 1929, que pôs em xeque a legitimidade da democracia liberal e do liberalismo econômico, levando ao surgimento de correntes extremistas de direito e de esquerda e à implantação de regimes fortes, em diversas partes do globo; e, afinal, no plano interno, a revolta de 1932, que levantou São Paulo contra o governo central, exigindo a imediata constitucionalização, que outra coisa não era senão a redemocratização do País.206

A Constituição de 1934, por sua vez, em vista do cenário que a precedeu, “trouxe novidades significativas, que se incorporaram de vez à nossa experiência constitucional” 207,

dos quais “a constitucionalização dos direitos sociais; a criação da Justiça Eleitoral; o sufrágio

202 Idem. P. 112.

203 DECRETO 19.398 DE 11 DE NOVEMBRO DE 1930 – Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19398impressao.htm -- Acesso em: 29.09.2018.

204 Idem. P. 112.

205 Critica severa sobre a matéria pode ser retirada da seguinte narrativa: “No denominado período revolucionário,

o Presidente da República exerceu, sem qualquer constrangimento, seu direito de legislar, reduzindo o Poder Legislativo até o advento da ‘nova República’, a mera Casa de tertúlias acadêmicas. Emitiu mais de 2.000 decretos- leis sobre todos os assuntos, desde matéria tributária até locações civis, empréstimos, salários, previdências etc.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. A separação de poderes no Brasil. / Ives Gandra da Silva Martins. – Brasília- DF: Programa Nacional de Desburocratização – PrND; Instituto dos Advogados de São Paulo – 1985. (Curso Modelo Político Brasileiro, volume IV). P. 53).

206 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires

Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 4. Ed. rev., e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 189

59 feminino; o voto secreto e o mandado de segurança, entre outras ‘florações’ demonstrativas de que aquela Constituição cuidou, em abundância, dos interesses da coletividade”208.

Além disso, a referida Carta Política de 34 “rompeu com o bicameralismo rígido, atribuindo o exercício do Poder Legislativo apenas à Câmara dos Deputados, transformando o Senado Federal em órgão de colaboração desta (arts. 22 e 88 ss.),”209 que, por fim, em termos

de ilustração de sua essência foi “um documento de compromisso entre o liberalismo e o intervencionismo”210.

Todavia, de curtíssima duração foi incapaz de trazer frutos peremptórios, sobretudo, aliás, quando suplantada por outra de tantas ditaduras latino-americanas. Dos poucos frutos longínquos, porém, pode-se levantar que, v.g., “A Constituição de 1934 também continha dispositivo expresso que “vedava ao Poder Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas” (art. 68)”211.

Outra grande contribuição foi seu art. 64 que “incumbe ao Senado suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou decreto declarado inconstitucional, por decisão definitiva do Supremo Tribunal. Através desse expediente — originário da Constituição de 1934”212, dando ao Senado a responsabilidade de retirar do ordenamento perante todos a referida norma afetada pelo Poder Judiciário por vício de inconstitucionalidade.

Ainda na seara do Poder Judiciário A Constituição de 34 foi responsável por algumas mudanças na Cúpula da Corte como a do art. 63 que alterou o nome da Corte para “Corte Suprema. O artigo seguinte, que versava sobre as garantias dos membros do judiciário, previa a vitaliciedade dos juízes, porém estabelecia a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade, limitação inexistente anteriormente.” 213

Contudo, severa crítica deve ser feita a um problema importante. Ocorre que, infelizmente, “é surpreendente, portanto, que, na grande quantidade de estudos sobre a política do período, praticamente não existam textos dedicados às relações entre Legislativo e

208 Idem. P. 189.

209 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo / José Afonso da Silva. – 38ª Edição, rev.,

e atual. conf. EC 84/14 – São Paulo: Malheiros Editores, 2015. P. 84.

210 Idem.

211 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Memória jurisprudencial: Ministro Castro Nunes / Samantha Ribeiro

Meyer-Pflug. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007. – (Série memória jurisprudencial). P. 27.

212 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Memória jurisprudencial: Ministro Aliomar Baleeiro / José Levi

Mello do Amaral Júnior. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006. – (Série memória jurisprudencial). P. 269.

213 ABAL, Felipe Cittolin. Getúlio Vargas e o Supremo Tribunal Federal: uma análise do habeas corpus de Olga

60 Executivo”214 o que acaba prejudicando a análise científica desse período na relação da separação de poderes.

Resgatando, mesmo assim, algumas contribuições desse período no que tange a relação legislativo-executivo, algumas considerações foram “A não concessão, ao presidente da República, do poder de expedir decretos-lei não foi o único ganho do Legislativo na Constituição de 1934, no que tange à restrição de poderes do Executivo,” 215 mas também deu- se a luta contra a delegação de poderes.216

Assim, observando tanto as contribuições sociais, como as contribuições no Supremo Tribunal Federal como na relação com o Legislativa traziam a conclusão de que “a Constituição de 1934, foi um documento jurídico notável” 217. Sabidos, entretanto, que “o texto de 1934 sofreu forte influência da Constituição de Weimar da Alemanha de 1919” 218, deve-se, como a história nazista mostrou, 219 lembrar que os pontos positivos acabaram sendo suplantados pelos negativos220 que, sobretudo para a separação de poderes, acabou por criar um desequilíbrio

214 MOURELLE, Thiago Cavaliere. Guerra pelo Poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935) /

Thiago Cavaliere Mourelle. – in XXVIII Simpósio Nacional de História: lugares dos historiadores – velhos e novos desafios – 27 a 31 de Julho de 2015 – Florianópolis, SC. P. 01.

215 MOURELLE, Thiago Cavaliere. Guerra pelo Poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-

1935)... op. Cit. P. 11.

216 Idem. P. 12.

217 ABAL, Felipe Cittolin. Getúlio Vargas e o Supremo Tribunal Federal: uma análise do habeas corpus de Olga

Prestes... op. Cit. p. 883.

218 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado... op. Cit. P. 113.

219 Antes que um silogismo binário leve à erro, é preciso advertir que o texto de Weimar não é a causa de seu

próprio insucesso e à ascensão de Hitler. Assim quando se fala do fracasso da Carta de Weimar, “não nos referimos apenas ao declínio da República de Weimar e ao seu fracasso evidente, mas também, e principalmente, às reservas e ao distanciamento mental com relação a uma democracia liberal e a uma sociedade aberta, que determinavam o clima social na Alemanha daquela época. Os cidadãos deveriam ter sido cidadãos; entretanto, eles não tinham qualquer experiência nem costumes democráticos. A elite intelectual do país não era muito diferente. O destino da primeira democracia alemão não os preocupavam” (DETTLING, Warnfried. Utopia e catástrofe: a democracia no fim do século XX / Warnfried Dettling. In O futuro da democracia: projetos para o século XXI – Werner Weidenfeld [et al...] – Tradução Eperber S.C. Ltda. – Konrad-Adenauer-Stiftung – São Paulo, 1997. p. 17), Por isso, o insucesso da Carta Brasileira de 34 não deve-se a ela que, tal qual a de Weimar, cristalizou uma revolução cultural e legislativa (apoiadas, ambas, pela Constituição do México de 1917), mas, sim, aos eventos sociais vividos naquele período que foram incapazes de conjuminarem com as ideias tão magnânimas naqueles textos, incorrendo, muito provavelmente no insucesso das “leis importadas” de Hurtado Pozo quando diz que “deve-se diferenciar recepção, aceitação consciente e voluntária de um direito forasteiro por parte de um grupo social determinado, do transplante e da imposição de um direito” (HURTADO POZO, José. La Ley Importada: recepción del derecho penal en el Perú / José Hurtado Pozo – Lima: CEDYS, 1959. p. 31).

220 Assim, no sentido de apoiar a nota anterior, é necessário destacar a importância dos fenômenos que foram a

Constituição de Weimar e a Lei Fundamental de Bom. A primeira, uma engenharia dos intelectuais e políticos da época fracassou, enquanto que a segunda, desde o início como provisória, se perpetuou. “Primeiramente, algumas palavras sobre a origem estranha da Constituição alemã que, de modo algum, poderia fazer uma previsão de seu sucesso posterior [...] Foi então em 1948, que os 65 integrantes do Conselho Parlamentar, escolhidos pelas assembleias estaduais e não pela população em geral, receberam a incumbência de elaborar uma Constituição democrática e federalista [...]Desde o início insistiu-se na natureza provisória da Constituição [...] Naquele tempo ninguém podia imaginar – e ninguém de fato imaginou – que a lei fundamental provisória continuaria em vigor depois de meio século e que se transformaria até na Constituição plena de uma Alemanha reunificada” (DÄUBLER-GMELIN, Herta. 50 anos de Constituição como garantia da democracia alemã em paz e liberdade /

61 descomunal entre os poderes constituídos na Carta Política de 1934, posto que, em que pese seu claro texto do art. 3º (“São órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si.” 221), de

pouco valeu ante aos poderes depois dados ao Chefe do Executivo em vista de uma Carta Política que sobreviveu apenas aproximadamente três anos logo sendo superado, como dito antes, pela única Carta Constitucional que veio sem a disposição expressa da Separação de Poderes.