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Os conflitos são resolvidos por métodos de composição não adversarial ou consensuais (autocomposição) ou ainda, adversarial (heterocomposição), segundo entendimento do renomado jurista Dinamarco.402 Nas formas autocompositivas, as próprias partes, entre elas ou com auxílio de terceiro(s) encontram a solução através da transação, conciliação ou mediação. A resolução dos conflitos heterocompositivos ocorre quando as partes terceirizam para um terceiro imparcial o julgamento da controvérsia, com destaques para a jurisdição estatal e a arbitragem.

Com origem remota, a arbitragem por ser tão antiga quanto a própria existência da humanidade, perpassa necessariamente pela análise da formação do Estado e de suas funções. Pela coexistência de vários tipos de Estados, esta formação decorreu de um processo milenar e homogêneo, subsistindo a dificuldade de delimitar-se uma linha entre jurisdição estatal e arbitragem, diante do entrelaçamento histórico desses institutos.

402

DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 31.

Por sua vez, no Estado Moderno caracterizado pela centralização do Estado e o monopólio da jurisdição, tem imperado pela cultura jurídica do século XIX, ou seja, a indicação da lei positiva como fonte de Direito, todavia, historicamente, são encontradas várias passagens que remetam a aplicação da lei e do Direito, assim como da equidade, aplicáveis ao mérito da controvérsia.403

O instituto da arbitragem é previsto no Brasil desde 1603 pelas Ordenações Filipinas, denominada sob o Título XVI, “Dos Juízes Árbitros”. A Constituição Política Imperial de 1824404, através do disposto em seu artigo 160, também fez referência nas Ordenações do Reino e, posteriormente, o Regulamento 737, de 1850405, assim como, o Código Comercial de 1850406, igualmente, previam a arbitragem obrigatória para a resolução dos conflitos decorrentes da locação mercantil e sociedades. Contudo, a promulgação da Lei nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996, também conhecida como - Lei Marco Maciel – grande incentivador do instituto, foi a consagração legal que efetivamente instituiu a arbitragem no cenário brasileiro.

Nesse contexto, ressalta-se uma breve retrospectiva dos traços históricos da arbitragem brasileira:

403

“Na maioria dos Estados modernos, a jurisdição estatal é exercida de forma permanente, por funcionários públicos com dedicação exclusiva, em estruturas preexistentes de litígio. De outra parte, a arbitragem moderna caracteriza-se pela escolha de pessoas, [...] para a decisão de um caso específico, fora do procedimento judicial estatal. Todavia, tais categorias nem sempre podem ser encontradas com clareza na evolução histórica. [...] Desde tempos imemoriais o soberano tomou para si a função de administrar a justiça ou ao menos o modo em que a solução de controvérsias deveria se desenrolar. Entretanto, em tais primórdios, nem sempre houve um grau de institucionalização da administração que permitisse ver com clareza a diferença entre jurisdição estatal e arbitragem privada, tampouco a inter-relação entre tais esferas, ou seja, o modo com que formas privadas de solução de controvérsias eram aceitas como o julgamento final de uma matéria, sem que se passasse pela jurisdição estatal”. VALLE, Martim Della. Arbitragem e equidade: uma abordagem internacional. São Paulo: Atlas, 2012. p. 20-21.

404

O artigo 160 da Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, expressa que: “Prevendo que, nas causas cíveis e penais, civilmente intentadas, ‘poderão as partes nomear juízes árbitros’, cujas sentenças serão ‘executadas sem recursos, se assim o convencionarem ambas as partes’. E mais o art. 161 prescrevia que ‘sem fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum’, na esfera privada”. MACIEL, Marco. Arbitragem e avanço institucional. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/201155>. Acesso em: 5 jan. 2017.

405

Arts. 411 a 475 do Decreto 737, de 25 de novembro de 1850. BRASIL. Planalto. Decreto nº. 737, de 25 de novembro de 1850. Determina a ordem do juizo no processo commercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM737.htm>. Acesso em: 5 jan. 2017.

406

Arts. 245 (locação mercantil) e 294 (conflitos entre sócios) da Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850. “Art. 245 - Todas as questões que resultarem de contratos de locação mercantil serão decididas em juízo arbitral. [...] Art. 294 - Todas as questões sociais que se suscitarem entre sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, serão decididas em juízo arbitral”. BRASIL. Planalto. Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850. Código comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acesso em: 5 jan. 2017. Essa legislação foi parcialmente revogada pela Lei nº. 10.406, de 10 janeiro de 2002.

Primeiramente, a arbitragem foi prevista pelas Ordenações Filipinas, no seu Livro II, Títulos XVI, LIII, XVII. A partir daí, o Código Comercial Brasileiro de 1850 estabeleceu o arbitramento obrigatório para as causas entre sócios de sociedades comerciais, durante a existência legal, liquidação ou partilha da sociedade ou companhia (arts. 294 e 348). Entretanto, o Regulamento 737, de 1850, primeiro diploma processual codificado, restringiu tal obrigatoriedade estritamente às causas comerciais. Diante dessa posição, apareceu a Lei 1.350, de 1866, que revogou tais dispositivos, e o Código Civil de 1916, que reduziu a arbitragem a mero compromisso (arts. 1.037 a 1.048). Os Códigos de Processo Civil de 39 e 73 também dispuseram da mesma forma, nos seus arts. 1.031 a 1.040 e 1.072 a 1.102, respectivamente, o que garantiu ao instituto uma versão facultativa em vigor até o advento da lei.407

De forma diversa do modelo previsto na legislação brasileira, a Convenção do Panamá sobre arbitragem (1975) foi aprovada através do Decreto Legislativo sob o nº. 90/1995, aplicável às relações comerciais internacionais408. “Neste ambiente, veio, então, a Lei 9.307, de 23.09.1996, conferindo ao instituto nova formatação, atual, dinâmica, segura e eficiente, como é de se esperar desta forma de solução de conflito”.409

Todavia, várias foram as tentativas anteriores à edição da lei de regência da arbitragem, para incorporar no sistema jurídico brasileiro, a eficácia e credibilidade do seu instituto, em que pese o papel meramente figurativo dessa forma de solução de conflitos expresso no Código Civil de 1916410, assim como nos Códigos de Processo Civil de 1939411 e de 1973412.

407

MORAIS, José Luís Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. 3 ed. ver. e atual. com o projeto de lei do novo CPC brasileiro (PL 166/2010), Resolução 125/2010 do CNJ. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 214.

408

Antes da regulamentação da lei de regência da arbitragem, o Brasil ratificou vários tratados, protocolos e acordos internacionais que contribuíram para o reconhecimento do seu instituto no cenário brasileiro, a exemplo do Protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais (1923), ratificado pelo Brasil em 1932 (cuja incidência foi diversas vezes prestigiada pelo Poder Judiciário brasileiro, mesmo em contratos celebrados antes do advento da Lei de Arbitragem, conforme precedentes do STJ, REsp. 712.566/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05.09.2005 e o REsp 791.260/RS, Rel. Min. Paulo Furtado, j. 01.07.2010); Convenção do Panamá (1975); Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiras ou Convenção de Montevidéu (1979); Protocolo de Las Leñas (1992).

409

CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, resolução CNJ 125/2010. 5. ed. rev., atual. de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 39.

410

Arts. 1.037 a 1.048 da Lei 3.071/1916.

411

Na década de 1980, três anteprojetos sobre arbitragem foram publicados para consultas pelo Poder Executivo, mas, sem sucesso. Tal fracasso deu-se em razão da crença cultural do monopólio da jurisdição estatal, aliada a ausência de profundo conhecimento sobre a matéria.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e mesmo diante da reafirmação do princípio da inafastabilidade do acesso à justiça estabelecido no art. 5º, inciso XXXV, o cenário jurisdicional passou a aspirar mudanças, notadamente, visando assegurar maior participação e proteção aos cidadãos. A partir dessa perspectiva, iniciou-se um movimento denominado “Operação Arbiter” no ano de 1991, liderado pelo eminente advogado pernambucano Petronio Muniz, o qual arregimentou juristas, parlamentares e outros operadores do Direito, com vistas à elaboração de um consistente anteprojeto de lei sobre arbitragem, para encaminhamento ao Congresso Nacional.413

Nas palavras de Petronio Muniz, com a Operação Arbiter implantou-se no ordenamento jurídico brasileiro um meio em que fosse assegurado às partes que estão em litígio, escolher por elas próprias o foro “[...] mais adequado para dirimir as suas diferenças de forma rápida e eficaz, a um só tempo, prestigiava-se a cidadania, homenageava-se a Justiça como valor primeiro, reforçando-se a própria Democracia e o Estado de Direito no qual ela deve assentar-se”.414

No Brasil, Cahali415 demonstra que diante da sobrecarga de processos que tramitam perante o Poder Judiciário, havia a previsão da instauração do juízo arbitral pela Lei nº. 7.244/1984 (Juizados Especiais de Pequenas Causas), posteriormente,

412

Arts. 1.072 a 1.102 e Arts. 101; 267, VII; 301, VII; 520; 575, III e IV; 584, III e VI; 814, parágrafo único, todos da Lei 5.689/1973.

413

“Nascia a chamada Operação Arbiter, cuja exitosa desembocadura se deu cinco anos depois, em 23.09.1996, com a sanção presidencial da Lei 9.307/1996, a partir de projeto elaborado por três eminentes especialistas que, à época, Dr. Petronio teve a sensibilidade – e inquestionável acerto – de identificar e convidar para tão histórica tarefa: os ilustres Professores Selma Lemes, Carlos Alberto Carmona e Pedro Batista Martins”. GIUSTI, Gilberto. Os vinte anos da lei 9.307/1996. In: MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato Resende. (Coord.). A reforma da arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 5.

414

MUNIZ, Petronio R. G. Operação arbiter: a história da lei nº 9.307/96 sobre a arbitragem comercial no Brasil. Recife: Instituto Tancredo Neves, 2005. p. 27.

415

CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, resolução CNJ 125/2010. 5. ed. rev., atual. de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 39.

substituída pela Lei nº. 9.099/1995, no âmbito de competência dos juizados especiais estaduais416.

A arbitragem tem demonstrado um notável crescimento e efetividade no Brasil, mérito este atribuído em grande parte a lei de regência do seu instituto, que introduziu importantes modificações em sua estrutura jurídica e que, após longas discussões jurídicas, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Superado o embate judiciário acerca do caráter vinculante da cláusula compromissória, a Corte Suprema decidiu no ano de 2001, por maioria dos votos, não reconhecer qualquer inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem, no julgamento de pedido homologatório de sentença arbitral estrangeira (Reino de Espanha).

Em apertada síntese, colhem-se da decisão os seguintes entendimentos:

[...] 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade

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Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Os arts. 21 a 26 da Seção VIII tratam da “Conciliação e do Juízo Arbitral”, assim prevendo que: “Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. § 1º. O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução. § 2º. O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos. Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por equidade”.

(art.18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31). 417

Ao comentar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da arbitragem, renomados juristas tem se pronunciado no sentido de reafirmar que o texto constitucional que trata da inafastabilidade do Poder Judiciário, em momento algum, proíbe que pessoas capazes em sua livre manifestação de vontade, optem pela instituição da arbitragem ao invés da jurisdição estatal para a resolução de conflitos de cunho patrimonial, considerando que, “[...] não se exclui direito algum do cidadão ou se retira qualquer poder do Estado, pois os litigantes, quando se definem pela arbitragem, exercem uma faculdade que está em

suas mãos como corolário do princípio da autonomia da vontade”. 418

Não há qualquer vício de inconstitucionalidade na instituição da arbitragem, que não é compulsória; trata-se de opção conferida a pessoas capazes para solucionar problemas relacionados a direitos disponíveis. Não se admite arbitragem em causas penais. Ademais, a Emenda Constitucional n. 45/2004 consagra a arbitragem em nível constitucional, no âmbito trabalhista (art. 144, §§ 1º e 2º, CF/1988). 419

A adoção desse meio adequado de resolução de controvérsias foi inspirada na regulamentação da arbitragem, segundo diretrizes adotadas pela comunidade internacional, nos moldes da Convenção de Nova Iorque, de 10 de junho de 1958, da Convenção do Panamá de 1975, assim como da Lei Modelo do UNCITRAL para Arbitragem Comercial Internacional.420

Assim, após a confirmação da constitucionalidade da Lei nº. 9.307/1996 pelo STF, o Brasil passou a ser um dos países signatários da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, através

417

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Sentença Estrangeira nº 5.206, da Espanha. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Data de julgamento: 12 de janeiro de 2001. DJ 30.04.2004. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=345889>. Acesso em: 5 jan. 2017.

418

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 1. p. 174.

419

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, v. 1. p. 170.

420

AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. A arbitragem no Brasil e no âmbito do comércio internacional. Disponível em: <http://www.hottopos.com/harvard4/ton.htm>. Acesso em: 5 jan. 2017.

do Decreto Presidencial brasileiro nº. 4.311, de 23 de julho de 2002421, restando consagrado, portanto, o arcabouço jurídico sobre o instituto da arbitragem brasileira, tanto no plano nacional como, inclusive, no âmbito internacional.

No cenário jurídico brasileiro, lentamente a arbitragem foi crescendo, apesar da resistência da sociedade em geral, notadamente, pelos operadores do Direito, diante do desconhecimento da abrangência e aplicação deste instituto. “Eminentes juristas e magistrados, além das forças políticas de tradicional viés estatal, defendiam de maneira legítima e muitas vezes sustentadas seu ponto de vista contrário ao instituto como previsto na Lei 9.307/1996”.422 Por outro lado, a sociedade brasileira também manifestava desconfiança do próprio instituto da arbitragem, frente à cultura ao monopólio do Estado como única forma de acesso à justiça e a ilimitada recorribilidade das decisões judiciais emanadas da jurisdição estatal.

Não obstante, importantes decisões paradigmáticas dos tribunais superiores do país423 acenaram mudanças em prol da convivência institucional entre o juízo arbitral e o Poder Judiciário, pois, “a Justiça do Estado manterá, e certamente deve manter, o campo de ação que lhe é próprio, inclusive o controle judicial das decisões arbitrais, como garantido pela Constituição Federal e previsto na própria Lei 9.307/1996”.424 Ao longo do tempo, a atuação criteriosa e eficaz do STJ editou a

421

BRASIL. Planalto. Decreto Presidencial 4.311, de 23 de julho de 2002. Promulga a convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4311.htm>. Acesso em: 5 jan. 2017.

422

GIUSTI, Gilberto. Os vinte anos da lei 9.307/1996. In: MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato Resende. (Coord.). A reforma da arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 7.

423

Precedente do STF: O caso Lage envolveu discussões sobre a constitucionalidade da arbitragem no ano de 1973, sob a égide da Constituição brasileira de 1946, assim como, a recusa da administração pública quanto ao cumprimento da sentença arbitral, em que pese ter aceitado a instituição da arbitragem para resolver seus conflitos. Na decisão final, a sentença arbitral restou confirmada. STF, RExt 71.467, Tribunal Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto, j. 14.11.1973 e STF, AI 52.181, Tribunal Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto, j. 14.11.1973.

Precedentes do STJ: a) Decisão que reconheceu a validade da cláusula compromissória nos contratos firmados pelas sociedades de economia mista, no caso AES Uruguaiana vs. CEEE. STJ, REsp 606.345/RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, unânime, j. 17.05.2007, DJ 08.06.2007. b) Posicionamento em que se referenda a convenção da arbitragem no caso TMC vc. NUCLEP: “As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres”. STJ, AgRg no MS 11.308/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09.04.2008. c) Acórdão proferido no caso Compagás vs. Consóricio Passarelli, em que se admitiu a celebração de compromisso arbitral por entidade pública em contrato que não continha cláusula arbitral, reputando-se como válida a arbitragem. STJ, REsp 904.813/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.10.2011.

424

GIUSTI, Gilberto. Os vinte anos da lei 9.307/1996. In: MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato Resende. (Coord.). A reforma da arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 8.

Súmula 485, de 01 de agosto de 2012, que assim dispõe: “A Lei de Arbitragem aplica- se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”.425

O apoio do Poder Judiciário brasileiro certamente consolidou a evolução das instituições arbitrais em nosso país, tanto que a Global Arbitration Review, uma das publicações internacionais mais respeitadas no âmbito da arbitragem, em fevereiro de 2014, laureou o Brasil com o festejado e merecido prêmio GAR 50 na condição de “Most Improved Jurisdiction”. Além do Brasil, haviam sido indicadas as jurisdições da Áustria, Bélgica, Ilhas Mauricio, Myanmar, Peru e Estados Unidos.426

Com o propósito de desafogar o Poder Judiciário através de soluções rápidas e decisões irrecorríveis proferidas por árbitros de elevada qualidade técnica, observa- se na atualidade, a eficiência e comprometimento das privadas Câmaras de Arbitragem brasileiras. Nosso país tem despontado no volume de arbitragens processadas perante a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), situando-se em quarto lugar no ranking mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Alemanha e França, segundo dados da referida Corte.427

Por arbitragem, entende-se o acordo de vontades celebrado entre pessoas maiores e capazes que, preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de seus conflitos, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis428, que podem ser objeto de transação entre os interessados.429 No entanto, se no curso da arbitragem surgir controvérsia acerca de direitos

425

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 485, de 01 de agosto de 2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Institucional/Biblioteca/Clipping/2Imprimir2.asp?seq_edicao=2514&seq_ materia=17151>. Acesso em: 5 jan. 2017.

426

Para maiores informações, ver a notícia publicada no site do Comitê Brasileiro de Arbitragem. CBAr. Jurisdiction that made great progress improving its arbitration regime in 2013. Disponível em: <http://cbar.org.br/site/wp-content/uploads/2014/07/noticia_GAR.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2017.

427

LEMES, Selma. Arbitragem em números: números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Revista Consultor Jurídico, abr. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma- lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-brasil>. Acesso: 5 jan. 2017.

428

O artigo 852 do Código Civil brasileiro ratifica o mesmo entendimento ao dispor ser “vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial”.

429

A disponibilidade do direito patrimonial equivale a arbitrabilidade, como condição essencial para que a solução dos conflitos seja submetida via arbitragem, em conformidade com o disposto no artigo 1º da