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(1.2.1) Zeballos e a guerra anunciada

53 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Conflito e integração na América do Sul. Brasil, Argentina e Estados Unidos. Da Tríplice Aliança ao Mercosul 1870-2003.Rio de Janeiro: Revan, 2ª. Edição, 2003, p.125

54O pacto só chegou a ser assinado após a morte de Rio Branco, sob a presidência de Victorino de La Plaza que depois de analisar que Brasil, Argentina e Chile teriam operado harmônica e sinergicamente na mediação do conflito eclodido entre México e Estados Unidos, repensou sua aproximação ao Chile e aceitou negociar com o Brasil a assinatura do Tratado de Não-Agressão, Consulta e Arbitragem, conhecido com o ABC, retomando a idéia de Rio Branco. Mas, como ressalta Bandeira, o tratado não teve o caráter de aliança, nem tratou da questão do desarmamento. Apenas estabeleceu que as controvérsias que por qualquer motivo surgissem entre as partes contratantes ou entre duas delas e que não pudessem ser resolvidas por via diplomática ou arbitragem teriam de der submetidas à investigação e ao informe de uma comissão permanente, antes de qualquer abertura de hostilidades. Além disso, o ABC foi rechaçado pelos adeptos da União Cívica Radical, na Argentina, liderada por Hipólito Yrigoyen, profundamente adverso ao Brasil. Idem, pp.126-131.

Um importante momento de rivalidade entre Brasil e Argentina se instala com a subida ao poder do vice-presidente argentino Figueroa Alcorta (1906-1910)– em virtude do falecimento de Manuel Quintana – quando se designa para a pasta das relações exteriores Estanisláo Zeballos, declarado antibrasileirista e articulador do famoso caso do “Telegrama número 9”. O fato é que, usando o “La Prensa”, jornal do qual Zeballos era um dos fundadores, teria se realizado uma campanha nacional de hostilidade ao Brasil, explorando os temas da balança comercial entre os dois países – em particular, o “ultra-protecionsimo” brasileiro que estaria desmoronando a economia argentina – e o das intenções expansionistas que levariam o Brasil a fortalecer sua frota naval55. Isto teria alastrado e aprofundado o sentimento de rivalidade do povo argentino para com os brasileiros.

Zeballos, de personalidade profusa, defendia para a Argentina uma política externa agressiva que atentasse para a Macht Politik bismarkiana e às idéias de poder naval de Mahan. Defendeu a guerra para engrandecimento nacional e propagandeava os perigos trazidos pelo excesso de vaidade do Brasil, como mostra a carta escrita a Roque Sáenz Peña:

[...] Em 10 de junho, conhecida a situação diplomática favorável […] celebramos um acordo de gabinete, no qual apresentei o plano definitivo para descartar o problema. Ele consistia em formalizar imediatamente uma negociação diplomática com o Brasil, para exigir dele a partilha de sua esquadra conosco. Começaríamos com discrição e amabilidade, para evitar manifestações de amor próprio, e no caso de resistência formal do Brasil, faríamos que ele soubesse que não estávamos dispostos a permitir a incorporação dos grandes encouraçados a sua esquadra. Mobilizaríamos 50.000 reservistas da guarda nacional e a esquadra que está em excelente situação, e então daríamos ao Brasil 8 dias de prazo para resolver sua situação […] e a ocupação do Rio de Janeiro, que segundo os ministros de guerra e da Marinha era um ponto estudado e fácil, pela situação indefesa do Brasil […]. O projeto seria aprovado por unanimidade, sem observação alguma, até quarta-feira, 10 de junho, e convêm que na quinta esteja pronta a documentação necessária para pedir os fundos de mobilização do Exército e da esquadra.56

Acusado por setores nacionais de promover a instabilidade regional, Zeballos foi convidado a deixar o ministério. Até o apaziguador Rio Branco estava consciente de que a

55 BUENO, Clodoaldo. A República e sua política exterior. Os anos de apogeu – de 1902 a 1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003. pp.171-175.

alternativa à saída de Zeballos era a guerra com a Argentina. Antes da renúncia, durante o seu segundo mandato, Zeballos tratou de conseguir uma prova contundente para suas afirmações sobre o Brasil e, conseqüentemente, para a corrida armamentista que pretendia reforçar. Esta consistiu na interceptação de um telegrama de Rio Branco a um agente diplomático brasileiro e a adulteração do seu conteúdo, de modo a dar-se a compreender que se tratava de um mandato do Estado Brasileiro para que suas legações no Paraguai, Chile e Peru, empreendessem propagandas aos mais altos círculos políticos, sobre as pretensões expansionistas da Argentina naquela região, e sobre a disposição do Brasil a lutar pelos mais fracos. Tudo levava a subentender que o Brasil estaria plantando intrigas para angariar alianças e, em seguida, debelar a Argentina. Clodoaldo Bueno apurou, no entanto, que tendo em mãos a chave do telegrama, Rio Branco teria providenciado seu descerramento, levando ao público a prova de fraude. Por muito tempo este fato obscureceu o relacionamento bilateral e, para os observadores externos, não ficou claro quem qual das partes falseava as informações. Com efeito, apenas se destacava a disputa entre os dois países pela hegemonia regional57.

(1.2.2) O olhar da Argentina sobre o Brasil: a rivalidade entre os grandes conflitos mundiais

O período compreendido pelas duas guerras mundiais (1914-1945) não mudou o quadro de tensão nas relações Brasil-Argentina. Apesar de ambos os países adotarem certa neutralidade durante os primeiros momentos da primeira guerra mundial, suas posteriores opções de aliança empurraram os dois para lados opostos no conflito. É possível notar, entretanto, alguns momentos de aproximação entre os dois países, caracterizados por uma “cordialidade desconfiada”, como caracteriza Bueno58, ou por uma “cordialidade oficial”, como ressalva Cervo59. No entanto, no vaivém do diálogo entre os dois países, as ondas de rivalidade tiveram maior impacto relativo que as de cooperação. A leitura de Bandeira sobre aquele momento é que a contar da primeira guerra, a aceleração do processo de

57 BUENO, Clodoaldo. Op. Cit, 2003, pp.260-270 58 Idem, p.383

59 CERVO, Amado. Inserção internacional. A formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008.

industrialização em marcha no Brasil, assim como na Argentina, franqueou o desenvolvimento de outras contradições a fomentarem “tendências favoráveis à aproximação ou ao conflito, segundo as mudanças ocorridas, internamente, em suas respectivas situações políticas e/ou em suas relações com os EUA”. Para ele,

Isto significou que as tendências para a cooperação ou o conflito se acentuavam ou se arrefeciam, conforme as afinidades ou os antagonismos dos grupos detentores de poder nos dois Estados, em função de suas políticas internas ou posições ideológicas, manipuladas, em longa medida, pelos interesses de terceiras potências diferentes60.

Naquele contexto os Estados Unidos tornam-se fator intrínseco à rivalidade, uma vez que a relação com eles passou a ser o principal instrumento de conquista do objetivo histórico da política externa dos dois países: a ascendência regional. Restringimo-nos por ora, todavia, a observar que mesmo durante as fases em que apareciam tentativas de cooperação, como foi o caso da assinatura do Pacto ABC, em 1915, a rivalidade permanecia.

Nos momentos precedentes da segunda guerra mundial, a corrida armamentista entre as duas nações foi retomada com vigor. A negociação direta de Vargas com Roosevelt para arrendamento de seis destroyers converteu-se em importante complicador. A Argentina reagiu energicamente ao trato e o Brasil respondeu com indignação à sua crítica, já que a mesma também encomendara da Grã-Bretanha várias unidades para sua Marinha. A desavença incitou o Exército e a Marinha a pressionarem o governo brasileiro para compra de mais armamentos. A possibilidade de uma guerra foi tão plausível que Bandeira sugere que o sentimento das Forças Armadas brasileiras sobre a urgência de incremento bélico do Brasil possa ter constituído uma das causas do golpe militar de 1937 no Brasil, levando-se em conta que com os militares no controle, tornava-se mais garantida a alocação de verbas nas questões de guerra61.

Guardadas algumas semelhanças entre Vargas (que governou entre1930-1945/1951- 1954) e Perón (que governou entre 1946-1955/1973-1974)62 – não apenas condizentes às suas

60 Bandeira, Op.Cit.,2003, p.135 61 Idem, p.197

62 Apesar de nunca terem se encontrado no período em que conduziram em concomitância as duas nações (1951-1954), Vargas e Perón acompanhavam cuidadosamente o que se passava do outro lado da fronteira.

políticas de controle social63, mas referentes à simpatia que lhes era comum em relação aos regimes nazi-fascistas da Europa –, Brasil e Argentina lançavam mão de diferentes métodos para instrumentalizar as alianças com os blocos antagônicos do conflito a favor de seu diferencial de poder na América do Sul. Para o Brasil estava claro que uma vantagem maior seria propiciada pela aliança estadunidense, no entanto, uma aproximação com a Alemanha abrir-lhe-ia grande margem de manobra, uma vez que configurava algum tipo de pressão aos Estados Unidos. Foi uma perspicaz política de barganhas, em boa parte responsável pelo financiamento da construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), entre outros. Até que o Brasil se posicionasse enfaticamente a favor dos aliados e participasse efetivamente da guerra, ele procedeu com uma agenda positiva com ambos os lados, conseguindo explorar diversas brechas abertas pelas potências em atrito, aproveitando-se de sua vulnerabilidade, para fazer da política externa um vigoroso suporte do desenvolvimento nacional64.

Já o alinhamento argentino à Alemanha parece ter ocorrido mais às cegas. A fatídica opção pelo nazismo durante a segunda guerra foi alvo das mais violentas críticas do processo revisionista da política externa argentina dos anos 1990. Para o embaixador Lampreia, o estabelecimento das chamadas relações carnais com os Estados Unidos, na década de 1990 é, inclusive, fruto de uma renitente tentativa de redenção em relação àquele período, como mostra seu depoimento:

Acho que de certo modo, o que está por trás de tudo isto é o fato de que os argentinos, Guido di Tella, principalmente, considerava que o Brasil desde a 2ª Guerra sempre tinha feito as apostas corretas. Tinha participado mandando tropas para a 2ª Guerra Mundial, tinha feito triângulo com os Estados Unidos. Por causa disto, sempre esteve do lado certo. Enquanto que a Argentina tinha estado do lado errado: durante a guerra tinha certa simpatia com o nazismo, depois Perón se recusou a ter uma relação normal com os Estados Unidos. Então eles achavam que tudo isto tinha prejudicado muito a Argentina. Então seria preciso, digamos, até exagerar nos gestos para que a ALMEIDA, Hamilton. Sob os olhos de Perón. O Brasil de Vargas e as relações com a Argentina.São Paulo; Rio de Janeiro: Record, 2005, p.17.

63

Sobre isto ver: ROLIM, Maria Helena Capelato. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.2ªedição. São Paulo: Unesp, 2008.

64 Para discussões aprofundadas, ver: MOURA, Gerson. Sucessos e ilusões. Relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991; SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à Guerra. O processo de envolvimento brasileiro na segunda guerra mundial. Terceira edição. Barueri, SP: Manole, 2003; ALVES, Vagner Camilo. Da Itália à Coréia: Decisões sobre ir ou não à guerra. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

Argentina pudesse ser vista pelos Estados Unidos no mesmo patamar que o Brasil. Esse era o objetivo deles. Tinha aquela coisa mais anedótica do Guido de que queriam relações carnais com os Estados Unidos65.

Mas o curioso é que se tratou de uma conjuntura em que ambos os países cultivavam internamente a rivalidade com o outro, quer por meio do registro diplomático ou da imprensa. Duas pesquisas recentes mostram que isto acontecia nos dois lados da fronteira: A primeira, referente a uma audaciosa atitude do diplomata aposentado Sérgio Correa da Costa que trouxe ao público não apenas o relato de suas memórias de quando servia à diplomacia, em Buenos Aires, nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, mas a transcrição de trechos de documentos ultra-secretos que ele mesmo fotografou do Archivo General de la Nación, os quais ele julga altamente comprometedores e que segundo ele, só renderam publicação depois de décadas em segredo, mantido mesmo em relação à sua mulher e aos seus filhos, até que se garantisse que nenhum inquérito pudesse ser aberto66. Embora sua atuação naquele instante consistisse em colher informações na Argentina para o governo brasileiro, o diplomata não assume chegar até os documentos por recomendação de alguma tarefa estatal de inteligência secreta. Sua explicação é que as áreas mais vigiadas do arquivo teriam sido alcançadas casualmente, enquanto buscava para si próprio, a título de curiosidade, informações sobre o envolvimento argentino na insurreição de mercenários alemães no Rio de Janeiro, em 1828, e na elaboração do plano de seqüestro do imperador e de sua posterior condução até uma prisão em Buenos Aires. Buscando tais dados, Correa da Costa teria se deparado com documentos que esquematizavam uma guerra clandestina entre a coalizão Argentina-Alemanha e o Brasil. Posteriormente, quando já afastado do cargo, Corrêa da Costa decidiu completar a pesquisa documental e realizar entrevistas que o levaram às seguintes inferências: O fato de ter encontrado nos arquivos argentinos um mapa nazista de recorte da América do Sul em áreas de influência, cujo original encontrava-se na Alemanha, seria um forte indício de que a Argentina era aliada alemã na transformação da América do Sul em espaço vital67. De acordo com ele,

65 LAMPRÉIA, Luiz Felipe Palmeira. Entrevista concedida à autora. Rio de Janeiro, Junho de 2009. 66 CORREA DA COSTA, Sérgio. Crônica de uma guerra secreta. Nazismo na América: A conexão argentina. São Paulo: Record, 2005.

A grande Alemanha do Sul seria implantada no nosso subcontinente. [...], abrangeria todas as terras ao sul de uma linha que começa no litoral do Atlântico do Brasil, na altura do Rio de Janeiro, e termina no Pacífico, em Antofagasta, o grande porto chileno exportador de cobre e nitratos. País fabuloso abrangeria o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraguai, o terço meridional da Bolívia e o Uruguai68.

Segundo Correa da Costa, o Brasil brilhava aos olhos da Alemanha não apenas por seu papel no comércio internacional, ou pela posição estratégica nas rotas marítimas, mas principalmente por possuir uma comunidade germânica de quase um milhão de pessoas69. A Argentina se interessava no plano porque sempre lhe representara uma ameaça o gigantismo territorial do Brasil e seu grande número populacional. Sobre isto, Correa da Costa afirma ter apurado diversos documentos de homens de Estado. A separação dos estados do Sul do Brasil em zona de influência alemã e o isolamento dos mesmos em relação ao chamado de “complexo luso-ameríndio” era de capital interesse à Argentina que por isso apoiava a vitória do eixo70. A vitória do eixo significaria para a Argentina o momento de acertar contas com o Brasil e de conversão da Argentina na única nação sul-americana em condições de estabelecer no Sul a influência que os Estados Unidos exerciam ao norte.

Também constam na coleta do diplomata, documentos que acusam o estreito envolvimento de Perón com a Alemanha, desde antes de sua subida ao poder, quando este prometia ao Reich o comprometimento de seu governo e de sua diplomacia na interceptação de mensagens cifradas, assim como um plano de assassinato do então chanceler brasileiro Oswaldo Aranha. Em outra mão, o apoio incondicional que Perón oferecera a Getúlio Vargas levava em conta não apenas as semelhanças entre as vertentes trabalhistas que se pretendia praticar nos dois países, mas a também simpatia de Vargas por regimes totalitários. Perón esperava de Vargas uma neutralização da presença dos Estados Unidos e a conversão do Brasil a uma aliança germânica.

Sem entrar no mérito do estudo, nem do enviesamento das informações, a narração acima articulada busca aproveitar uma idéia principal: os relatos confidenciais da diplomacia, abertos à consulta apenas para os oficiais da carreira, não teriam alguma responsabilidade na

68 Idem, p.252 69 Idem, pp.21-24 70 Idem, p.263

cristalização de uma memória de rivalidade que continua influenciando a cautela dos dois países? Até que ponto o relato de Correa da Costa, hoje um diplomata aposentado, ontem Secretário Geral do Itamaraty, reflete a visão que a diplomacia brasileira guardava de seu vizinho, por meio das informações colhidas por sua embaixada em Buenos Aires? Principalmente, em que medida tais informações ajudariam a delinear não apenas decisões de política externa de longo prazo, mas a visão de futuras gerações de diplomatas que encontram na memória uma fonte de inspiração?

A Argentina também cultivou a memória diplomática de rivalidade com o Brasil, como mostra a pesquisa do jornalista Hamilton Andrade, que se comenta a seguir. Utilizando sua curta residência em Buenos Aires, quando trabalhou como correspondente para o Zero Hora, no início da década de 1990, transformou seu intuito de pesquisar o Mercosul sob a ótica argentina, no escopo de estudar o Brasil de Vargas, “Sob os olhos de Perón”, com base em relatórios secretos do período, escritos pelo embaixador da Argentina no Brasil, Juan I. Cooke ao então ministro das Relações Exteriores e Culto, Jerónimo Remorino, bem como em pareceres de Perón71. Em linhas muito gerais, já que o livro é rico em detalhes instigantes, o jornalista chega a alguns arremates cronologicamente ordenados: 1. Perón financiou a campanha vitoriosa que reconduziu Vargas ao poder na década de 1950, através de um pacto secreto urdido pelos dois. A derrota da Alemanha na Segunda Guerra e o conseqüente fracasso dos planos argentinos levou o país a repensar seu lugar na América do Sul, chegando à conclusão de que era premente uma união com os vizinhos, até pela inevitabilidade da presença dos Estados Unidos na região. Perón reconhecia as rivalidades ancestrais, mas ponderava que a Argentina não conseguiria manter por si uma unidade econômica, assim como o Brasil não teria condições de se desenvolver sozinho dado a sua alta taxa de analfabetismo. Assim, Perón considerava que o Brasil “devia fazer uma verdadeira cruzada para educar seu povo, como condição sine qua non para o seu crescimento como potência”72, e que precisaria contar com o apoio do vizinho culto.

Um pacto secreto de união econômica, militar e política chegou a ser elaborado com Vargas antes mesmo de este retornar ao poder, uma vez que ampla campanha seria executada

71 A pesquisa resultou no livro: Almeida, Hamilton. Sob os olhos de Perón. O Brasil de Vargas e as relações com a Argentina. São Paulo; Rio de Janeiro, 2005.

a partir do sul do Brasil para que sua eleição se consumasse. Este pacto nunca chegou a ser selado. Vargas alegava que não podia cumprir o combinado dada a impotência em governar a força da oposição fortemente aderente ao pan-americanismo. Perón parecia acreditar nas justificativas de Vargas, conforme discursava à sua base, mas nos bastidores, ele qualificava a situação como um “baile de cretinismo”73.

Por outro lado, parecia ocorrer uma inversão das vontades na medida em que, antes rechaçado pela Argentina, o ABC desde então passara a ser repudiado pela elite dominante brasileira, agora simpatizante do pan-americanismo. Mas, no mesmo sentido da pesquisa de Correa Castro, o relato de Almeida é interessante, não só pela sucessão de fatos narrados a partir de documentos secretos, mas especialmente por desvendar a memória que Perón e sua cúpula diplomática buscaram forjar acerca das relações com o Brasil. O trabalho de registro diplomático cristalizava a imagem de uma Argentina vitimada que tentara arduamente estreitar laços com o Brasil, mas que esbarrava no veto de alguns setores específicos: a imprensa74, os militares75 e o Itamaraty76. Sendo legítimo ou não, até hoje, a impressão que

72 Idem, p.63

73 “Quero que as pessoas pensem, no futuro, que, se houve cretinos, não fui o único e todos juntos iremos ao ´baile del cretinismo´. Fonte citada em: Almeida. Op. Cit.,2005, p.61

74 No relato de jornais inimigos da Argentina, feito pelo embaixador Cooke, constam: Correio da Manhã, O Jornal (de Chateubriand, considerado o mais feroz), Jornal do Brasil, O Globo, Diário da Noite, Tribuna da Imprensa, Imprensa Popular, A força da razão, entre outros. De acordo com Cooke, “Dado o pensamento geralmente antiargentino do brasileiro culto, construído por anos de propaganda hostil e por evidentes complexos, inclusive de inferioridade racial, produz-se o fenômeno do ponto três, ou seja, dos constantes ataques à Argentina por parte dos escritores, jornalistas e homens públicos”. O embaixador também faz, nos documentos, comentários a jornais neutros e amigos da Argentina, que seriam uma