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deste trajeto, qual seja: o encaminhamento do Ministro Lampreia sobre as informações que FHC deveria

passar ao Congresso Nacional.

79 À exemplo do Ofício 02071-SC-3, remetido pelo Brigadeiro-do-Ar Marcio Bhering Cardoso ao Embaixador José Maurício Bustani, que encaminha o relatório A/51/130, de 07/05/1996 da ONU, afim de que o Itamaraty prestasse atenção os parágrafos 83 e 84, os quais previam a admissão de membros para uma Comissão Especial, da qual, na visão de Cardoso, o Brasil tinha direito de participar.

80 Conforme sugere o Ofício n.456 6ª. Sch/2, encaminhado pelo Vice-Chefe do Estado Maior do Exército (EME), Gen. Bda Roberto Figueiredo Uchôa de Moura a Sebastião do Rego Barros, Secretário Geral de Relações Exteriores, sobre custeio de despesas com missão do Brasil, em Angola, no ano de 1998. Na referida mensagem, o EME propõe ao MRE, a elaboração de uma exposição de motivos conjunta.

Armadas em tom de consulta81, ou de pedido de esclarecimentos ao Itamaraty82. Alguns são respondidos pelo Itamaraty e outros não.

Um exemplo que contempla a análise de como a desarticulação de tal diálogo pode afetar diretamente a institucionalização das relações entre Brasil e Argentina pode ser conferido por um ofício que supõe um pedido de esclarecimentos feito por Gleuber Vieira ao Itamaraty, sobre entendimento firmado com a Argentina. A tal ofício, Sebastião do Rego Barros, Secretário Geral das Relações Exteriores responde com a mensagem:

Acuso o recebimento de seu ofício relativo ao Memorando de Entendimento entre o governo do Brasil e o governo da República Argentina, sobre consulta e coordenação, firmado no último dia 27 de abril, no Rio de Janeiro. Muito agradeço as manifestações de apoio à iniciativa, bem como de interesse desse Ministério em participar ativamente da implementação dos objetivos que o referido instrumento preconiza [...] A propósito da negociação do Memorando de Entendimento, esclareço que as tratativas com a Argentina foram conduzidas pelo Itamaraty em constante consulta e coordenação com o Estado-Maior das Forças Armadas. A negociação foi concluída no final do ano passado, após ter o EMFA comunicado ao Itamaraty que as forças singulares já estavam informadas e de acordo com o projeto83.

Chama atenção o fato de ser o Secretário-Geral do Itamaraty e não o Ministro das Relações Exteriores, por exemplo, quem responde ao reclamo dos militares, além do próprio conteúdo da mensagem que sinaliza que também partiu da burocracia diplomática, o diálogo com outros setores militares que foram consultados sobre o entendimento. Ao mesmo tempo, parece se originar no Itamaraty uma seleção sobre quais autoridades militares se consultar. Por outro lado, a diplomacia reconhecia que algum diálogo se fazia necessário, até porque o Brasil não contava, naquele momento, com um Ministério da Defesa e, em se tratando a Defesa, objeto daquele entendimento bilateral, haveria de estar presentes militares que articulassem a conversa com a parte argentina, cujo conteúdo o MRE não dominava. Como veremos adiante, porém,

81Por exemplo, através do Aviso n.01468/SC-2/FA-22 de 10/02/1995, o General-de-Exército Benedito Onofre Bezerra Leonel (Ministro chefe do EMFA) consulta o MRE sobre convite a ser feito ao General John M. Shalikas, Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA para visitar o Brasil.

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Como, por exemplo, o Ofício 99/SAE-2, pelo qual o General Gleuber Vieira - Ministro de Exército protesta ao MRE o fato de ter sabido pela imprensa sobre o Memorando de Entendimento firmado com a Argentina na área de Defesa e Segurança, reiterando sua decepção em não ter podido participar da elaboração do entendimento em questão, como lhe seria de grande interesse.

embora neste caso, os militares tenham participado da conversa, foi o Itamaraty, em sua redoma burocrática, que decidiu o formato final que aquela negociação teria. Os militares cumpriram, então, o seu papel executor, enquanto o Itamaraty continuava a centralizar o papel estratégico, eximido do poder de iniciativa do Estado e do debate político. Reiteramos que o que se encontra fora do lugar não é o alheamento militar do debate político, já que tal papel não cabe à caserna, mas a substituição do Estado pelo Itamaraty no papel de controle de tal debate84.

Explanaremos melhor o processo negociador de tal entendimento no quarto capítulo. Por ora ele foi trazido como elucidação da dispersão e da falta de regulamentação do diálogo entre militares e diplomatas no caso de entendimentos que envolvam a área de Defesa, o que, por sua vez, dificulta a organicidade institucional dos mesmos.

Mas voltando ao conteúdo deste pulverizado diálogo, são reduzidos os ofícios remetidos pelo Itamaraty aos Estados-Maiores em caráter consultivo85, sendo mais comuns aqueles que contêm mensagens de aviso, ou mesmo de resposta a um diálogo iniciado pelos militares86. Ou seja, correspondem a exceções os casos em que o diálogo tem como ponto de partida o Itamaraty, como no caso das missões de paz que acima tratamos. Aliás, há um caso específico que talvez denote que as iniciativas de dialogar de modo mais aberto sejam mais típicas dos militares. São freqüentes os convites lançados ao ministro das Relações Exteriores para realizar

84 O Despacho Telegráfico 1245 de 17/10/1996 elucida, de maneira complementar, um caso em que o

Itamaraty redigiu o texto que deveria ser pronunciado às autoridades argentinas, em Ordem-do-Dia Conjunta dos Comandantes em-chefe das Forças Armadas, por ocasião da inauguração da Operação Cruzeiro do Sul de 1996.

85 Entre os poucos documentos que registram algum tipo de consulta do Itamaraty ao alto escalão

militar, constam: 1.Aviso n.11 DAOC-I/SPD/DPL-MRE-PEXT PDEF BRAS IND, pelo qual o chanceler Lampreia consulta o General-do-Exército Benedito Onofre Bezerra Leonel (Ministro-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas) sobre a possibilidade de instalação de adidância militar junta à Embaixada da Índia no Brasil. 2.O aviso n.9/DAF-II-MRE-PEXT BRAS RAFS, de 10 de Junho de 1997 expõe comunicado redigido pelo chanceler Lampreia ao General-do-Exército Benedito Onofre Bezerra Leonel, em que relata visita do presidente Cardoso à África do Sul entre os dias 25 e 28 de novembro de 1996 visando estabelecer compromissos no âmbito bilateral e multilateral e pede sugestões no que toca ao relacionamento militar entre Brasil e África do Sul.

86 Como exemplifica o Ofício reservado, registrado sob aviso n.09 DAM II-MRE PEXT-BRASI GUIAN, pelo qual o Itamaraty responde ao EME que consideraria sim positiva a intensificação da cooperação militar em marcha com a Guiana; bem como o Ofício n.6 DAMI, MRE, PEXT, BRAS ARGT, de 28 de abril de 1998, pelo qual Sebastião do Rego Barros, Secretário Geral das Relações Exteriores responde ao reclamo do Tenente-Brigadeiro-do-Ar, Ronald Eduardo Jaeckel, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, acerca da violação do espaço aéreo brasileiro por aeronaves argentinas, declarando que o assunto já estava sendo tratado pelo Embaixador do Brasil em Buenos Aires, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, junto ao vice-chanceler argentina Andres Cisneros.

exposições em sessões de debates e palestras sobre temas específicos da política externa, organizados ora pelas Escolas de Comando, ora pelos Estados-Maiores, ora pela Escola Superior de Guerra, ao lado de lideranças militares. Tal situação fica mais nítida a partir de duas constatações: Primeiramente, foram pouquíssimos os casos em que o ministro das relações exteriores aceitou estar presente87, sendo mais comuns, aqueles em que ele designou representantes88. Por outro lado, os militares não são chamados a participar dos eventos do Itamaraty que tem como fim debater temas gerais e/ou específicos da política externa.

Enfim, o balanço do breve acompanhamento dos ofícios trocados entre militares e diplomatas, na tentativa de estabelecimento de um diálogo que resulte em decisões mais ponderadas de política exterior – com base no pressuposto de serem as duas esferas elos de uma mesma corrente – conduz-nos a inferir que existe um diálogo desarticulado, sem qualquer organicidade, regularidade ou regimento. Daí que, entramos em outro aspecto polêmico acerca das particularidades decisórias da política externa do Brasil: se a existência de um diálogo articulado fica impedida pelo voluntarismo das duas burocracias – talvez mais da diplomática, como vimos –, por outro lado, tal situação é fortalecida pela falta de iniciativas políticas sólidas que visem ao melhor aproveitamento de tal conexão. É sobre isto que trata a próxima seção.

3.2.3: Uma política externa sem política?

87 Um desses casos está registrado no Aviso 2 C/SG/SEAP/SGIE-MRE-PEXT, através do qual Em 4 de março de 1998, Lampreia escreve ao Tenente-Brigadeiro-do-Ar Lelio Viana Lobo, Ministro de Estado da Aeronáutica, em resposta a seu Aviso 5/GM3/15 de 30 de janeiro de 1998, aceitando o convite para participar do ciclo de palestras promovido pela ECEMAR sobre “A análise da situação internacional”, expondo o tema: O Cenário Internacional e a Política Externa Brasileira”em 29 de abril de 1998 e designando também como palestrantes: a Embaixadora Celina Maria do Valle Pereira, o Ministro Marcelo de Moraes Jardim, o Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, o Ministro Jose Vicente Pimentel, Ministra Vera Lucia Barrouin e Ministro Piragibe Tarragô.

88 Elucidaremos com dois casos: Um em que o chanceler Lampreia escreve ao General-de Exército Paulo Neves de Aquino, Comandante e Diretor de Estudos da ESG, acusando indisponibilidade de agenda para participar do ciclo de palestras, na qualidade de expositor do tema “A Política Externa Brasileira”, designando para ir em seu lugar o Embaixador Sebastião do Rego Barros (Ofício n.20/SPD-MRE-PEXT, de 18 de abril de 1997); e o caso em que o chanceler Lampreia responde à mensagem de Benedito Onofre Bezerra Leonel, pedindo que tratasse a participação do MRE em atividades dos Cursos de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAE/PE) e do curso de Altos Estudos de Política e Estratégia Militares (CAEPM) da ESG diretamente com o Embaixador Lúcio Pires de Amorim, Secretário de Planejamento Diplomático. Ver: Aviso n.11/SPD-MRE-PEXT.

Quando tratamos de democracias saudáveis, mais recomendável que o próprio acontecimento do diálogo entre militares e diplomatas, para concatenação dos cálculos de política externa, seria que tal diálogo ocorresse em absoluta subordinação ao poder político.

Constitucionalmente, a responsabilidade pela definição da política externa brasileira cabe ao Poder Executivo. Teoricamente, compete ao último defender os interesses coletivos no exterior. Ao Estado seria confiada a condição de vida da população, já que além de ser o único ente que, segundo Merle, “beneficia-se da plenitude das competências outorgadas aos sujeitos de direito internacional: direito de legislar, direito de tratar, direito de guerra, direito de intentar ação judicial”, o Estado constitui a “sede principal da potência e do poder de coerção que podem ser empregados tanto em relação aos seus próprios sujeitos quanto em relação aos outros Estados”89. Acontece que parece faltar ao Brasil um projeto de condução da política externa como um todo, que se nutre da ausência de controle efetivo das duas burocracias, e que redunda em um diagnóstico ainda mais grave: ambas as instituições – as Forças Armadas e o Itamaraty – extrapolam suas prerrogativas executoras, penetrando com aceitação pública e política, um campo que pertence ao poder público. No caso das Forças Armadas, se elas ficam marginalizadas em relação às decisões das quais se apossou historicamente o Itamaraty, por outro lado, elas dominam o campo da formulação de uma política nacional de Defesa. Retornando, entretanto, à política exterior, a apatia social aos temas externos não é dado específico do Brasil. Esteve presente, por exemplo, na França da década de 1960, como observado por Duroselle:

[...] a maioria dos cidadãos comuns permanece geralmente indiferente e não se apaixona pelos problemas exteriores até que estes produzam um efeito interno perceptível (serviço militar, impostos, imigrantes no mercado de trabalho, ameaça de guerra, etc.)90.

De acordo com o autor, entre a minoria interessada em discutir a política externa, restariam dois grupos de agentes: “os que detêm o poder de decisão e os executores, ou, [...] os estratégicos e os táticos”91. Segundo o autor, caberia ao primeiro grupo fixar os objetivos, os

89 MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. Brasília: UNB, 1981, p.215.

90 DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo Império Perecerá. Teoria das Relações Internacionais. Tradução de Ane Lize Spaltemberg. Brasília: UNB: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p.101.

meios e os riscos da política externa. Ao segundo grupo, dispor dos melhores meios para realizar os objetivos que são prescritos pelo grupo estratégico. Os diplomatas e os militares estariam entre os executores (ou os agentes táticos). No primeiro grupo estaria o chefe (o que decide), ou que tem a responsabilidade das decisões – ainda que apenas concorde com a decisão de um subordinado – e que conta com diversos conselheiros aos quais Duroselle chama de peritos, considerando a existência de diversas opiniões justificadas sobre as reações que cada decisão provocaria na opinião pública ou nos grupos de interesses. Os chefes do Estado-Maior das três forças seriam, necessariamente, alguns dos peritos consultados. A equipe decisória constituir-se- ia, então, pelos que decidem e por seus peritos, não sem antes haver o debate político.

Contudo, o que se constata no Brasil, é que tanto a burocracia militar quanto a diplomática tende historicamente a conter no reduto da própria instituição, seu próprio grupo estratégico e tático, bem como a envolver em seu reduto institucional, um grupo de peritos, respeitando-se, obviamente, a estrutura hierárquica de cada entidade. Embora o século XXI brasileiro possa sinalizar alguma mudança nesta estrutura funcional92, ainda são gritantes, por exemplo: o distanciamento entre a academia e as discussões de Defesa e Diplomacia, e a pobreza do debate parlamentar e político.

Segundo Aldo Rebelo, deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B –, há um consenso em torno do qual são os parlamentares comunistas ou do Partido dos Trabalhadores – PT – os que em geral, interessam-se por temas externos, tendo tal grupo, inclusive, trabalhado para a criação da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados – a CREDN. Tal Comissão, criada em 1996, teria por princípio ampliar as bases de diálogo com o Itamaraty e intermediar o diálogo entre o Itamaraty e as Forças Armadas. Porém, de acordo com Rebelo, não há nenhum regimento que obrigue tal diálogo e o

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Amaury de Souza, por exemplo, acredita que nos últimos dez anos foram importantes os exemplos de estreitamento entre a o interno e o externo nas decisões de políticas exterior do Brasil. Para ele, isso se fez por reflexo do fato de diversos temas da agenda domésticas terem sido decididos em fóruns internacionais e também, do mérito de mudanças empreendidas no governo Lula que permitiram a abertura de um canal de diálogo entre o Itamaraty e a assessoria internacional da presidência da República. SOUZA, Amaury de. A agenda internacional do Brasil. A política externa brasileira de FHC a Lula. Rio de Janeiro: Campus/CEBRI, 2009, p.123.

mesmo só acontece quando há conciliação entre quem está na chefia de cada instituição envolvida93.

Veremos, pois, como a ausência de autoridade política concorre historicamente à extrapolação funcional de cada burocracia para, em seguida, analisar como este conjunto de fatores atua historicamente como condicionante das relações do Brasil com a Argentina.

Tratando primeiramente das questões de Defesa, é digno ressaltar que os militares terminam sendo os formuladores e executores da referida pasta, apossando-se dos vazios deixados pelo próprio poder público94. Tanto o caso da autonomia dos militares, como da diplomacia, podem se relacionar, por princípio, a características culturais do próprio processo político brasileiro. É possível encontrar esta abordagem em Gómez, para quem, é situação comum à América Latina, de modo geral, que o conjunto de valores em relação ao político – que define as atitudes políticas e suas tradições institucionais – estejam profundamente atrelados à herança cultural da colonização espanhola e portuguesa, vigorosamente personalista e centralizadora: “Pessoas e não instituições foram os centros da política daquele tempo. [...] A cultura política na América Latina foi desenhada não sobre leis e instituições sociais, mas em virtude de ordens personalistas”. A autora diz que esta estrutura vertical era reforçada pela falta de representação – ausência de Congressos e Parlamentos – e foi, ao longo do tempo, desenhando uma situação que se encontra ainda presente: a saliência do poder Executivo sobre os poderes legislativo e judiciário. Como uma via de mão-dupla, práticas constroem valores e a perpetuação dos mesmos dá vida a um código de condutas. Assim sendo, para Gómez, a

93 “É uma relação muito informal. Não há nada regimental. Por isso ela se enfraquece ou se fortalece de

acordo com “quem” está em cada lugar”. REBELO, Aldo. Entrevista concedida autora. Brasília, Agosto de 2009.

94 Isto se deve, entre outras variáveis a “1-) a imprecisão da destinação da missão das Forças Armadas prevista pela carta constitucional; 2-) o mal fundamentado Documento de Política de Defesa Nacional que ainda não esclarece absolutamente sobre quais aspectos incide a tarefa das Forças Armadas e não autentica uma conceitualização precisa do que seja Defesa e Segurança – fatores que associados redundam na constante e corriqueira abertura à participação das Forças Armadas em tarefas que não lhes são essenciais; 3) a fraca estrutura de mando do Ministério da Defesa sobre os militares; 4-) a falta de debates públicos sobre Defesa e, por conseguinte, o cuidado em tornar desconhecida a conjugação política responsável pela formulação da Defesa nacional, etc.”. Ver: SAINT-PIERRE, Héctor L.; WINAND, Érica C. A. O legado da transição na democrática para a Defesa: os casos brasileiro e argentino. In: SAINT-PIERRE, Héctor L (org.). Controle civil sobre os militares e política de defesa na Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguai. São Paulo: Unesp, 2007,pp.33-72.

América Latina ainda não enraizou valores próprios de uma democracia como: tolerância, confiança, participação e consenso.

Contudo, especialmente no caso da Defesa, o processo histórico tem grande responsabilidade no reforço de tais aspectos centralizadores, a exemplo da herança que a trajetória de conversão democrática da década de 1980 deixou para a legitimação constitucional da autonomia dos militares em assuntos políticos95. A Constituição de 1988 acabou mantendo legal o pleno exercício da função interventora das principais lideranças militares, por meio de artigos imprecisos e ambíguos, como o de número 14296. Ainda que durante o governo de Collor, tenha-se tentado corrigir as mencionadas distorções constitucionais, por meio da Lei Complementar sobre Forças Armadas, aprovada em abril de 1991, pela Câmara dos Deputados, a sobrevivência dos Ministérios das forças singulares ainda concorria para a ausência de

95 A restauração do governo civil, pós-ditadura militar, no Brasil, foi preparada desde que fosse mantida a mesma capacidade de intervenção militar na política. Vale ressaltar que todo o processo de transição no Brasil se deu por iniciativa militar. Todo o projeto de distensão foi elaborado sob o controle militar, o que garantiu a estes, manter parte de suas prerrogativas políticas. O primeiro governo civil, de José Sarney, foi caracterizado pelo controle militar sobre definição do papel e da que eles mesmos exerceriam. Este fato garantiu que, embora não fossem mais governo, os militares participassem das negociações políticas em defesa de seus interesses, como na definição de seu papel constitucional por ocasião da elaboração da Constituição de 1988. A atuação de um lobby militar no Congresso garantiu a manutenção das prerrogativas constitucionais de obediência dentro dos limites da lei e da manutenção da lei e da ordem interna, embora estas cláusulas não constassem no anteprojeto constitucional elaborado em 1986. Idem, Ibidem.

96As questões relativas à Defesa e à Segurança e aos temas a ele vinculados foram tratadas de modo bastante disperso e a responsabilidade pelo encaminhamento deste tema permaneceu indefinida. A título de exemplo, pela Constituição de 1988, a estrutura de poder concede à União a primazia no tratamento e encaminhamento das questões da defesa. Cabe-lhe a responsabilidade em assegurar a defesa nacional (art. 21, III), o que leva a disposição de autorizar que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nela permaneçam temporariamente (art. 21, IV); a adotar as medidas nacionais previstas na constituição para tratar de ameaças