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Unindo os fios soltos: a afirmação da liderança brasileira na América do Sul, como condicionante último dos processos cooperativos regionais.

(1.3) E COS CONTEMPORÂNEOS DA RIVALIDADE : OS BASTIDORES DA DIPLOMACIA

2.4. Unindo os fios soltos: a afirmação da liderança brasileira na América do Sul, como condicionante último dos processos cooperativos regionais.

A busca da liderança regional é peça-chave da política externa do Brasil, já que é por meio da inserção internacional que o país visa consolidar seu desenvolvimento. E é por meio dos frutos colhidos com sua atuação regional que o Brasil busca postos de maior destaque nos fóruns multilaterais. Entretanto, o Brasil entende que um concerto regional frutífero, que viabilize benefícios ótimos e equânimes a todos os parceiros envolvidos, só seja viável quando tal arranjo possua um líder que o regulamente, dado à própria lógica do sistema anárquico de relações internacionais que ainda prevalece. E o Brasil, segundo sua própria percepção, seria o único apto a desempenhar tal papel diante da América do Sul. Por isso, a constante busca pela liderança é condição que não pode ser ignorada na análise intencional do comportamento externo do Brasil, sobretudo no diz respeito a sua vizinhança.

Trata-se, porém, de pauta melindrosa. As investidas brasileiras na liderança sul- americana nutriram uma desconfiança de longa data nos vizinhos daquele entorno, para os quais, a iniciativa brasileira era representativa de um imperialismo por procuração – expressão diplomática que traduz as atitudes de subimperialismo a serviço dos EUA. Entretanto, também os EUA desconfiavam do Brasil, temendo que o último pudesse cercear a obtenção de vantagens daqueles sobre a América Latina. Visando apaziguar ânimos, o Brasil manteve-se linear na conduta defendida em seu discurso, negando intenções de liderança individual e manifestando interesse em iniciativas mais características de uma liderança compartilhada. Nas relações com a Argentina, principal parceiro estratégico brasileiro da América do Sul, prevalecia um cuidado ainda maior com o discurso. As chamadas parcerias estratégicas172 não poderiam ser abaladas, visto que eram meio de alcance dos principais

ao fortalecimento das indústrias de Defesa de ambos os países. Retomaremos estes pontos com mais profundidade, no capítulo quarto.

172 Para Cervo, no rol dos paradigmas que direcionam o comportamento externo do Brasil, de modo geral, o de parceria estratégica sintetiza todos os demais, consistindo no estabelecimento pragmático de parcerias utilitárias. CERVO, Amado L. Inserção nacional. Formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008. pp.224-226.

objetivos nacionais, para realização dos quais, tanto os Estados Unidos quanto a América do Sul, eram de fulcral utilidade. Dessa feita, a liderança encerrou quase sempre um objetivo de bastidor, segredo de Estado, que só podia ser entendido nas entrelinhas discursivas, com base em uma teia de fatos, ou nos documentos classificados que só se abrem ao público, a partir de dez anos depois de sua produção.

É, portanto, corajosa, a mais recente publicação do Embaixador Sérgio França Danese, que franqueia a leigos e especialistas a discussão sobre as formas de liderança mais adequadas às características e às potencialidades do Brasil173. Estaria esta publicação relacionada à mudança de postura discursiva da diplomacia brasileira? É precipitado afirmar, mas o fato é que, como admite Danese:

O tema da liderança se instalou no debate brasileiro sobre política externa e desperta não poucas interrogantes dentro e fora do Brasil – a quem, como,

173 O livro Escola da liderança brinda aos historiadores das relações internacionais que agora possuem mais um aporte para explicar o passado pelo presente, ou encontrar num objetivo confesso da atualidade, a explicação para atitudes antes descoladas e incompreendidas. Constitui, ao mesmo tempo, fonte documental primária, uma vez que pode ser tomado como depoimento de um ator da diplomacia – que não é uma mera reprodução ou síntese do discurso diplomático – e, em certa medida uma baliza teórica, já que coteja o ponto de vista de diferentes pensadores das relações internacionais, principalmente aqueles que se dedicaram ao estudo da liderança. Obviamente, não é um texto neutro. Todo ator diplomata, assim como qualquer ator militar, sempre formulará suas questões e respectivas respostas dentro da lógica de mundo de sua instituição. E isto fica patente quando em alguns de seus artigos, Danese atribui aos diplomatas o mérito pela consolidação do Estado brasileiro, bem como pela construção da nação. Reproduzindo um tradicional modo de pensar da chamada casa de Rio Branco, Danese sugere que antes mesmo da independência, o Brasil já existira no imaginário diplomático. E evidentemente, sentindo-se baluartes da nação, os diplomatas também seriam os mentores e executores da afirmação da liderança do Brasil. Tanto que não é outro senão um representante da diplomacia que vem, através de seus escritos, convocar a comunidade acadêmica e política a respaldar o exercício do papel que é brasileiro por natureza e vocação. Envolto pela discrição que caracteriza sua profissão, não é Danese quem indica que seu livro retrata a visão do Itamaraty. Esta é uma suposição que se inspira no fato de que o processo de socialização da carreira diplomática, pelo qual passa todo postulante a ela, incute no indivíduo que nela ingressa, o chamado espírito de corpo, que se expressa também no modo em que ele externa sua própria visão de política externa. Por outro flanco, não se pode tomar esta como a única interpretação do pensamento do Itamaraty, porque assim como os militares – pedindo licença para tomá-los mais uma vez como parâmetro comparativo – os diplomatas também padecem de dissidências valorativas. Entretanto, se é a hierarquia que rege as duas instituições, é possível crer que o pensamento ora expresso é aceito pela instituição, uma vez que não recebeu rechaço de seus superiores ou demais pares – a exemplo da recusa que sofreu os textos do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso.

DANESE, Sérgio. A escola da liderança. Ensaios sobre a política externa e a inserção internacional do Brasil. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2009, p.171.

quando, a que custo, com que objetivos, com que experiência, com qual poder, em que temas e com que capacidade de convocação liderar174.

A coletânea de Danese representa, em parte, o rompimento do silêncio, a quebra de tabu da diplomacia brasileira, que agora deixa às claras as áreas em que a liderança brasileira surge como referência:

[...] a integração sul-americana, a ampliação e o aprofundamento do Mercosul, a questão da liberalização comercial no hemisfério (a chamada Área de Livre Comércio das Américas ou geometrias que a substituam parcialmente), as negociações na Organização Mundial do Comércio, as possibilidades de associação Sul-Sul em foros específicos (o G-20 na OMC) ou como vocação multisetorial (o foro IBAS, reunindo Brasil, Índia e África do Sul, o grupo BRIC´s, ainda que este inclua, ao lado do Brasil, China, Índia e Rússia, membro do G-8) e a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas [...]175.

Mas partindo à mensagem que nos interessa, Danese deixa explícito que a emergência do debate sobre a liderança regional brasileira representa a chegada de uma etapa havia muito almejada. De acordo com ele, o Brasil exerceu, durante todo o tempo em que buscou consolidar sua própria identidade e melhorar sua base real de poder, uma liderança suave – ou soft

leadership176. Ao ver cristalizada sua democracia, ao assistir à marcha de seu progresso social, de

seu crescimento real e, principalmente, ao perceber-se como pedra angular dos processos de integração regional na América do Sul, o país agora se consideraria pronto a “exercer formas de liderança mais explícitas”, coadunadas com “o poder nacional” e a “visão de mundo brasileira”. Danese sustenta que o Brasil nunca se sentiu à vontade para assumir sua vocação de liderança e, justamente por não fazê-lo no passado, ainda não domina esse exercício completamente. Eis o que, na visão dos diplomatas, parece representar o Itamaraty hoje: a vanguarda da liderança brasileira, ou ao menos, a “Escola da liderança”.

Em contrapartida, liderança não se impõe, mas se exerce. Ao mesmo tempo, não se auto- intitula líder, mas reconhece-se um. Danese se mostra consciente dos efeitos desastrosos que o anúncio de liderança sem lastro pode causar, e expõe as duas frentes de resistência que o Brasil encontra no desempenho de sua liderança: uma interna e outra externa. A falta de aderência

174 Idem, p.11. 175 Idem, p.11-12. 176 Idem, pp.23-43

política nacional, caracterizada pelas críticas acerca dos custos que a liderança enquanto “simples voluntarismo da política externa do Brasil” acarreta, é uma das frentes de contenção, segundo Danese. O Embaixador defende que sem o reconhecimento e a legitimidade da sociedade brasileira, as ações da diplomacia com vistas a fazer do país um líder, ficam paralisadas. Por isso, apela à sociedade e aos partidos políticos para que juntos forjem o consenso que endossará deliberações para prática da liderança do país177. Tendo em vista que o livro é uma coletânea dos artigos que Danese veio publicando na imprensa escrita brasileira e, em periódicos especializados, desde 1993, pode-se presumir que desde então, o próprio Ministério das Relações Exteriores, vem avalizando, de certo modo, uma propaganda não-oficial para que a percepção de liderança torne-se uma cultura coletiva. Supõe-se, ademais, pelos canais de publicação dos artigos178, que é buscado um diálogo com acadêmicos, políticos e com a sociedade em geral, no sentido de facultar a discussão e, ao mesmo tempo, de convencer que o Itamaraty é a única autoridade, por excelência, apta a por a liderança em prática. Percebe-se em sua mensagem um esforço em incentivar o ambiente doméstico a reconhecer os atributos de liderança de seu país, por meio da abertura à sociedade sobre informações acerca de sua capacidade real e intangível179, bem como de sua vocação natural, sem, no entanto, deixar de ressaltar que o sucesso da empreitada depende da eficiente centralização do aspecto prático, pelo Itamaraty.

Por outro lado, parecendo preocupado em salientar a modéstia da diplomacia brasileira, e porque não em remediar certa falta de auto-estima de nossa sociedade, o Embaixador não se descuida em evidenciar que a liderança não é uma pretensão, mas uma condição. Aliás, neste ponto coincide a opinião de Oliveiros Ferreira, segundo a qual, nem o Mercosul, nem qualquer outra iniciativa integrativa seria viável sem a tomada de rédea do Brasil. Como mostra abaixo um trecho de entrevista que nos concedeu.

177 Idem, p.172

178 Os textos que compõem a coletânea foram divulgados nos jornais Valor Econômico, Folha de S. Paulo e nas revistas: Política Externa, Revista Brasileira de Política Internacional e Carta Internacional.

179

Elencam as Fontes de Poder Intangível, segundo Karen Mingst as percepções coletivas sobre si mesmo que sustentam uma imagem nacional: por exemplo, auto-imagem sobre o poderio existente ou passível de conquista, ou um sentimento de responsabilidade pela paz regional ou mundial, ou por promover ajuda ao estrangeiro. De acordo com a autora, o Canadá é elucidativo de como foi bem exitosa a forjadura de uma imagem neste sentido, e quão aderida ela foi pela população. Entretanto, ela adverte que só se alcança o poder por meios intangíveis, se o contexto for favorável à absorção das idéias propostas. MINGST, Karen. Fundamento de las relaciones internacionales. México: CIDE, 2006. p.197.

O grande problema que você tem na América Latina hoje, na América do Sul, na política latino-americana do Brasil é que, na medida que nós somos grandes, nós somos os maiores, porém temos vergonha de sermos grandes, nós fazemos o possível para que todas as decisões sejam por consenso. Então, o mais fraco vence. [...] O mais fraco vence, porque o mais fraco pode dizer “eu não quero”. Então, você tem que concordar com o mais fraco. Por isso que o Mercosul não vai para frente. Veja a União Européia, não tem consenso. A União Européia é voto proporcional: território, PIB e população. Eu posso até fazer um arranjo como eles, estão tentando fazer isso. Eu posso fazer um arranjo para que os pequenininhos tenham um pouquinho mais de voz. Mas desde que os grandes continuem com o peso de grandes. Por que se teve veto no caso do Conselho de Segurança? [...] O Uruguai tem o mesmo peso do Brasil, o Paraguai tem o mesmo peso do Brasil? Não entra na cabeça de ninguém, de nenhum europeu. Mas na cabeça do Brasil entra. Agora, o que acontece nas negociações com a Argentina? Você precisa negociar com os argentinos, precisa negociar em linha branca, precisa negociar automóveis. Eles não têm livre trânsito para o açúcar. Não querem e o Tratado não importa. E o mais fraco vence180.

Ferreira ressalta que não se trata de imposição brasileira, mas de um consenso necessário. [...] temos que chegar a um acordo em que o peso do país tenha que ser determinante na votação das políticas. A história de Itaipu como foi que decidiu? [...]. O governo Geisel estava no Estado Maior do Exército. Os generais diziam “ah, nós não entendemos porque o Itamaraty fez essa besteira de fazer Itaipu. O Paraguai tem a mesma posse que a gente? Porque para comprar um parafuso precisamos do voto do Paraguai? Os militares fizeram Itaipu por causa da geopolítica. Foi simplesmente porque não queriam ter uma briga com o Paraguai, por causa de um pedacinho de terra181.

Parece, portanto, não ser incomum que se pense no Brasil que apesar de o país reconhecer suas potencialidades, ele hesitou, por muito tempo, em alardeá-las, por receio da reação de seus vizinhos. Parece se destacar no bojo da diplomacia brasileira uma visão de que apesar de não existir na vizinhança nenhum país se equivalha ao Brasil nos quesitos para liderar, impera entre os vizinhos uma auto-imagem de superioridade não condizente com sua realidade. Este é mais um exemplo de como a visão de si modela, por comparação, a visão que o Brasil tem de seus vizinhos.

Cervo, por exemplo, acredita que esteja viva na América Latina em geral, com exceção do Brasil, uma faceta, ou um aspecto do nacionalismo com tendências “nada

180 FERREIRA, Oliveiros. Entrevista concedida à autora. Campinas (SP), 2008. 181 Idem, Ibidem.

racionais” que orientam o auto-conceito dos diferentes povos. E sobre a forma como o Brasil reage a isto, ele avalia:

Com isso o Brasil tem dificuldade de lidar, porque ele é grande. O Brasil é grande, é a metade da América do Sul. Ele tem dificuldade de lidar com a vizinhança. Por isso, o paradigma da cordialidade oficial, que deriva da nossa identidade cultural, é o mais adequado para evitar conflitos.

[...] Então, nesse ponto acho que a cultura brasileira é a chave para o bom relacionamento na América do Sul, especialmente. Mas na América do Sul, essa identidade nacional brasileira, as derivações dela para a política exterior, para as relações com a vizinhança, condicionam as relações com a vizinhança. Por exemplo, veja o bolivarismo, veja a Venezuela de Hugo Chávez: Nós queremos determinar a ordem, não só a ordem da organização interna dos Estados, mas a ordem regional, o processo de integração. Nós é que vamos imprimir esse Mercosul arcaico, atrasado, superado. Isso deve ser eliminado. Vamos passar para outro processo de integração... Isso é prepotência, quer dizer auto-conceito sobrelevado acima dos meios. Por mais petróleo e dólares que tenha a Venezuela, ela não tem condições de estabelecer as relações e as regras nessa ordem, nesse direcionamento; de conduzir o processo de integração. [...] Então, nós lidamos, na América do Sul com nacionalismos muito exacerbados182.

Seria uma exclusividade do Brasil saber atrelar sua política externa a um “nacionalismo de fins”, de modo desvinculado de ideologias ou premissas limitadoras. O contraste entre a racionalidade brasileira e a passionalidade dos vizinhos sul-americanos é constantemente explorado também nos textos que o Embaixador Danese compilou, como justificativa do modelo de política exterior que o Brasil adota em relação a eles. Esta auto- percepção supervalorizada que teriam, na visão do Brasil, os demais povos sul-americanos e seus respectivos mandatários, constitui, portanto, uma das fontes externas de resistência a sua liderança – segundo interpreta a diplomacia brasileira. Além disto, como pontua Danese, a singularidade do modo de construção do Estado brasileiro continua sendo motivo de preconceito por parte dos vizinhos183.

182 CERVO, Amado. Entrevista concedida à autora. Brasília (DF), fevereiro de 2008.

183 O Embaixador ressalta que este preconceito compeliu o Brasil a adotar atitudes reiteradas no sentido de criar uma “ontologia de país em desenvolvimento” e um sentimento de pertencimento à América do Sul. Ou seja, foi e continua sendo preciso “forjar” uma identidade. A aliança com a Argentina teria sido ostensivamente direcionada a este fim. Danese, Op.Cit.,2009, p.96 e 107.

Império escravocrata e estável em meio a uma América Hispânica republicana e instável, país continental com fronteiras solidamente estabelecidas diante dos vizinhos que sofreram alguma forma de “síndrome de território minguante”, único país lusófono em um continente de fala castelhana, cioso dos seus direitos e orgulhoso dos seus vínculos especiais – com a Europa ou os Estados Unidos, país de economia dinâmica, mas ao mesmo tempo subdesenvolvido, atrasado, emperrado e sem maior integração social ou política interna, o Brasil enfrentou, desde sempre a resistência interna dos seus vizinhos ou de parcelas importantes das elites desses vizinhos a que reivindicasse ou exercesse qualquer tipo de liderança ou papel de preeminência ou mesmo de primus inter pares na sua região184.

E assim, países como México, Argentina, Chile, Venezuela e Peru não admitiriam a legitimidade da liderança brasileira pelo simples motivo de considerarem que todos têm condições semelhantes as que têm o Brasil para liderar a região, o que geraria, por sua vez, uma competição perene, e a composição de um “sistema latino-americano” de equilíbrio de poder, de difícil dissolução. A despeito de, em alguns artigos, Danese afirmar que o Brasil não pretende se salientar em relação aos seus vizinhos e que isto tampouco representava sua opinião, os dizeres abaixo parecem representar a visão do Itamaraty: o Brasil seria único, em termos de condições irrefutáveis de liderar:

Pode-se argumentar em favor do Brasil, que o diferencial de peso específico é tal que essa visão sistêmica da América Latina como equilíbrio de poder não resistiria à análise e se justificaria apenas por um erro de avaliação, por ciúmes ou ainda por um espírito exacerbado de falsa rivalidade”, sugere que a auto-imagem do Brasil enquanto país grande e ímpar gere a sensação de condição absoluta de liderança185.

Ademais, Danese sustenta ao longo de seus textos, que a liderança pretendida pelo Brasil é isenta de intenções hegemônicas e está baseada na vontade de compartilhamento de benefícios. Ao mesmo tempo, ele pondera que o vínculo bolivarista que alguns países da América do Sul ainda atribuem, por identidade, à integração, segue constituindo um obstáculo, uma vez que é impossível haver uma região livre de hegemonias186.

184 Idem, pp. 165-166

185 Idem, p.166.

186 O que denota, por outro lado, que apesar das iniciativas atuais do Brasil em relação à parceria com alguns países de tendência bolivarista, sobrevive no Itamaraty uma resistência ao raciocínio de integração relacionado a tal inclinação.

De qualquer forma, é preciso antes de mais nada deixar claro, dentro e fora do Brasil, que a suposta ausência da liderança própria na nossa região ou em processos em que a região esteja engajada não cria uma “região livre de hegemonias”, mas um vazio de poder que é imediatamente preenchido... sem qualquer controle, sem qualquer método de check and balances inerente a todo o processo de liderança, sem qualquer compromisso maior com a região. Em detrimento da região e de cada país187.

Pensando na liderança como a percepção mais forte a condicionar atualmente as pretensões brasileiras com a cooperação regional188, torna-se mais fácil compreender o porquê de o conceito de parceria estratégia, posto em prática nos tempos do Barão, não ter ainda caído em desuso. Ele ainda baliza a atuação brasileira no cultivo de uma relação histórica com os Estados Unidos, vista como essencial para consagração dos propósitos nacionais e para sua projeção regional. E fundamenta o modelo de associação que o Brasil definiu praticar com a Argentina. Do início ao fim dos dois mandatos de Cardoso, a percepção de liderança tanto condicionou a rivalidade que se mantinha latente – porém cultivada nos bastidores –, como limitou o alcance operacional da cooperação com a Argentina. Finalizando com alguns exemplos, o ano de 1995 foi marcado pelo cuidado brasileiro em não deixar que as iniciativas argentinas na solução do conflito entre Peru e