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@ A relação da doença da esquizofrenia com o comportamento de pessoas criativas é

No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 88-93)

tentadora, mas infundada. Conforme Resende (2011), a criatividade artística e a loucura, ou psicose no termo científico, vem sendo associada desde a Grécia antiga com Platão. Platão, segundo a autora, referia-se à criatividade como inspiração poética e esta como loucura divina. Essa influência da tradição Grega também ocorre nas artes, com a concepção de que os artistas não são bem-vindos na sociedade projetada por Platão, porque mentem, uma vez que deturpam a verdade do ideal, da realidade, e são influenciados pelas musas, sendo assim, não merecedores da convivência em sociedade. Essas idéias ainda persistem até os dias atuais, do artista recluso, alienado do seu meio. Isso também vem ao encontro dos interesses colonizadores, nos quais não é conveniente que todos possam ser artistas, o que impera é que seja eleito um cânone pertencente somente a alguns e este seja a medida para a apreciação de todos. O conceito de gênio artístico corrobora com essa visão do artista isolado alienado no monte Parnaso para criar.

Estes pensamentos são contrários ao que foi lido em Csikizentmihali (1996), Zorzal e Basso (2002), Barbosa (1998, 2008), Alencar (2003), Sakamoto (2000), os quais demonstraram a diversidade de estilos, raciocínios, personalidades e comportamentos criativos, e que essas características citadas não correspondem a perturbação do raciocínio com as musas e nem o isolamento e alienação do Monte Parnaso. Eles salientam que a criatividade não é somente vinculada às artes, mas também à influência de fatores ambientais e educativos no processo criativo, conforme comentado anteriormente.

Pode-se inferir, com o fenótipo, que os fatores ambientais são importantes, entretanto não relevantes o suficiente para desencadearem sozinhos a patologia da esquizofrenia. Além disso, o cérebro é plástico e as experiências estéticas podem desenvolver plasticidade cerebral, mas não a ponto de desencadear a esquizofrenia. Arte, ao contrário do que prega o senso comum, não promove loucura, e sim a mais requintada lucidez. Diante do exposto, pode-se inferir: os estilistas, os artistas, que são "loucos", ou a sociedade que geralmente não entra em contato com sua singularidade de forma expressiva, pode ser formada em sua maioria, por pessoas reprimidas?

Essa reflexão entre a criatividade e a esquizofrenia é encontrada em pesquisas de Resende (2011) e Oliveira (2010) as quais não desvinculam a criatividade com traços

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esquizofrênicos, mas não explicam o processo criativo por meio deste. As autoras atrelam a criatividade como próxima à esquizofrenia, mas o processo criativo como oriundo da saúde mental.

[...] o que parece mais provável é que a vulnerabilidade para a esquizofrenia, (...) manifeste diferentes vantagens criativas por causa de suas possíveis características perceptuais, cognitivas e de personalidade. (...) Contudo, a idéia de que distúrbios do espectro da esquizofrenia possam desencadear a criatividade artística não é defensável (RESENDE, 2011.p.767).

A mesma autora comenta que o contexto ambiental atual contribui com a relação criatividade e esquizofrenia, em virtude da concepção de arte, artista e criatividade vigentes coincidir com algumas características dos portadores de esquizofrenia. A pesquisadora preocupa-se em evidenciar que as diferenças de raciocínio, embora tanto pacientes com esquizofrenia quanto o artista sejam criativos, são distintos principalmente na sua relação com a realidade. A percepção da realidade pode ser um diferencial na arte, na moda, entretanto esse contato com o real pode ocorrer de maneira “criativamente brilhante ou patologicamente extravagante” (RESENDE, 2011), que podem ser medidos em um certo grau de originalidade que vai da “excentricidade perceptiva à distorção cognitiva”, nas palavras da autora. Resende (2011) continua ressaltando que a causa do afastamento da realidade de um artista, de um designer de moda e de um esquizofrênico é a mesma, a insatisfação com o real canalizados no imaginário; a diferença é que o artista consegue voltar para realidade e propiciar novas visões da realidade para as pessoas, e o paciente com esquizofrenia não. Essa afirmação vem ao encontro do excerto de Zorzal e Basso (2002) no qual elas comentam que a criatividade é o grau de inadaptabilidade do homem com o real, e também com considerações de Fayga Ostrower (1987), nas quais delineia até que ponto o conflito emocional poderia influir na atividade artística.

Não acreditamos que seja o conflito emocional o portador da criatividade. O que o conflito faria, dada sua área e sua configuração particular em cada caso, ao intervir na produtividade de um artista, seria eventualmente propor a temática significativa por ser ela tão imediata e relevante para a pessoa. Poderia, também, junto ao assunto assim selecionado, influir na escolha, ainda que inconsciente, dos meios e das formas de configurar. Portanto, o conflito orientaria até certo ponto o quê e o como no processo criador (OSTROWER, 1987. p.29).

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Nesse sentido, a arte, a moda, pode ter uma ação profilática de diminuir o grau de conflitos originados pela abnegação de um desejo, porque o processo criativo emerge na insatisfação com o real e exige uma reorganização dessa insatisfação na expressão artística, portanto pode atuar de forma preventiva, segundo Resende (2011).

Os próprios artistas reconhecem a relação entre insatisfação e criatividade, como se pode observar na música de Vinícius de Morais: “(...) Mas pra fazer um samba com beleza/ É preciso um bocado de tristeza/ É preciso um bocado de tristeza/ Senão não se faz um samba não” (MORAES, 1965, in HUSS, 2013). A proximidade da liberdade de expressão corajosa do artista com a espontaneidade patológica do paciente com esquizofrenia promove relações equivocadas entre arte e loucura, e essas relações coincidem com a falta de qualificação dos professores de arte e de moda que ainda vinculam o processo criativo como sendo ou de origem patológica ou divina.

A pesquisadora demonstra ainda que ocorre uma carência de pesquisas que comprovam de forma eloquente a relação da esquizofrenia com o processo criativo, e também não existem investigações que refutem definitivamente essa idéia. Outro dado interessante que a autora aponta é a porcentagem duas vezes maior da presença de pessoas envolvidas com a criatividade artística, e trabalhos com um elevado grau cognitivo, por exemplo, em pesquisas acadêmicas, na família de pacientes com esquizofrenia até a segunda geração. A pesquisa considera ainda a frequência de traços esquizotímicos na personalidade dos “parentes criativos” dos pacientes com esquizofrenia, bem como a vulnerabilidade para transtornos psicóticos, de humor, de personalidade, comportamentos suicidas e abuso de drogas. Ela explica essa relação por meio de inúmeras pesquisas e estudos dos quais destaco três explicações para a proximidade das características de comportamento e inteligência de artistas e de esquizofrênicos.

A primeira é a explicação oriunda de estudos que observam o quesito inibição latente em testes de personalidade, inteligência e criatividade. O grau de inibição latente foi menor em artistas e esquizofrênicos do que na população em geral. A inibição latente é explicada pelo excesso de dopamina que afeta a via mesocortical inibitória que dificulta o foco, pela falta da proteína para selecionar um estímulo a fim de prestar atenção, o que os tornam mais sensíveis aos estímulos externos. Essa receptividade maior para as informações do meio

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possibilita uma abertura maior de raciocínio para novas conexões, para elementos novos, o que também explica a inteligência elevada, discursos vagos, respostas incomuns e indesejabilidade social. Esse comportamento nas pessoas gerais foi menor, porque elas não se atentam ou julgam inúteis os estímulos novos, uma vez que seu foco funciona melhor, o que, em termos de qualidade de raciocínio, é considerado de nível médio. Isso porque, como explicado anteriormente, a inteligência é descrita pela complexidade de relações.

A diferença da inibição latente baixa em pessoas com esquizofrenia e nos artistas é explicada com a intensificação das características da própria criatividade. Como o excesso de dopamina é maior na esquizofrenia, sendo de nível patológico, a inibição latente deixa de ser uma sensibilidade maior aos estímulos como nos artistas e atinge um nível alucinatório. As grandes alterações químicas dos pacientes com esquizofrenia, além da alucinação, provocam um menor coeficiente de inteligência, diminuem a memória operacional, o que explica a grande introspecção, o misticismo, a avalanche de emoções e significações que alteram a percepção da realidade e a seleção de informações importantes das irrelevantes, de acordo com a evolução da doença. Portanto, a inibição latente é característica comum em artistas e pessoas com esquizofrenia, sendo que o que os difere reside na intensidade.

Dessa forma, parece que baixos níveis de inibição latente e elevada flexibilidade do pensamento podem predispor à esquizofrenia sob determinadas condições e, sob outras condições, podem levar ao desenvolvimento de uma criatividade brilhante. Portanto, segundo os autores, os resultados do estudo sustentam a teoria de que indivíduos altamente criativos e aqueles com predisposição à esquizofrenia podem possuir algumas semelhanças neurobiológicas, talvez geneticamente determinadas (RESENDE, 2011, p.763).

A outra explicação que destaco da autora supracitada é a de caráter genético. A autora apresenta muitos estudos nos quais tem-se uma primeira reflexão para o cunho genético da ocorrência da patologia, observando a fertilidade dos acometidos pela doença. Os estudos apresentam uma menor taxa de fertilidade em pessoas esquizofrênicas, em relação às pessoas saudáveis, principalmente do sexo masculino, portanto as investigações ocorreram em torno da pergunta problema: porque “(...) apesar da desvantagem reprodutiva, a seleção natural permitiu que os genes que aumentam a probabilidade de sofrer desse transtorno tão devastador se mantivessem no genoma humano?” (RESENDE, 2011). A primeira resposta para essa pergunta demonstra que pode haver vantagens sociais compensatórias, como a

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criatividade e traços xamanísticos maiores nos pacientes e em seus parentes, que explicam a frequência da doença pela evolução adaptativa de Darwin, mesmo que esses estudos não apresentem de forma contundente de que maneira ocorreu essa evolução que alterou o fenótipo. Resende (2011) aponta ainda que a menor fertilidade e a persistência gênica da patologia em questão podem ser explicadas pelo comportamento sexual de pessoas com predisposição genética, parentes de pessoas com esquizofrenia, e pessoas com níveis um excesso de dopamina não patológico, como as pessoas criativas e os artistas. Segundo a autora, os criativos e artistas geralmente apresentam uma quantidade maior de parceiros sexuais, em virtude da sua característica grande de inconformismo, maior predisposição de correr riscos e maior nível de experiências incomuns. Sendo assim, a diferença dos portadores da patologia é que além das características citadas, eles apresentam traços fortes de anedonia e indesejabilidade social, mas seus parentes e pessoas com predisposição não; portanto se relacionam mais frequentemente e com mais parceiros do que a população em geral.

Sugeriu-se, então, que indivíduos com bons recursos psicológicos podem canalizar as experiências incomuns e os impulsos não-conformistas para produções criativas e para comportamentos adaptativos, enquanto que aqueles em condições gerais pobres podem sucumbir-se aos efeitos desorganizadores dessas características e desenvolver transtornos psiquiátricos. Se este modelo de explicação estiver correto, os componentes da esquizotipia funcionariam como a capacidade de um organismo para sobreviver e transmitir o seu genótipo para a sua descendência. Por outro lado, a anedonia poderia ser a condição essencial que diferencia traços positivos e negativos da esquizotipia (RESENDE, 2011, p.762).

A última causa que destaco dentro da pesquisa da autora é a influência do contexto ambiental para a expressão da esquizofrenia e da criatividade artística. Os fatores ambientais englobam âmbitos socioculturais e de estimulação. Dentre os fatores ambientais as características mais proeminentes na relação criatividade e esquizofrenia são as socioculturais, pois, segundo a autora, a conjuntura moderna e pós-moderna pode exercer grande influência no surgimento da patologia. De acordo com Resende (2013), o contexto da modernidade e o da pós-modernidade, os quais determinam as características da criatividade como tipo de raciocínio e comportamento estão estreitamente relacionados a traços esquizotípicos, o que pode favorecer as aproximações entre o conceito de criatividade e a psicopatologia. As características elencadas pela autora são pensamento divergente, desajustamento social, desprezo por convenções, perda da noção de tempo e espaço, além de intensas autorreferências, autocríticas e intelecções, incongruência das respostas emocionais, mudança

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No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 88-93)