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decorre de uma interpretação Kantiana da estética proveniente de aisthesis, no sentido de

No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 118-121)

sentir junto, experimentar em comum. Sendo assim, a criação de um estilo é decorrente da criação de uma maneira específica de sentir, e isso não deixa de ser um processo criativo.

A potência coletiva cria uma obra de arte: a vida social em seu todo, em suas diversas modalidades. É, portanto, a partir de uma arte generalizada que se pode compreender a estética como faculdade de sentir em comum. Ao fazer isso, retomo a concepção que Kant dava à aisthesis: a ênfase, sendo colocada menos sobre o objeto artístico como tal, que sobre o processo que me faz admirar este objeto (MAFFESOLI, 1996, p.24).

Smith (2011) apresenta o contexto dos estudos visuais e o define como política da representação. Para ele, a política da representação é oriunda da renúncia da história da arte em favor de uma história das imagens, a qual deflagra o entrelaçamento de metodologias e leituras contextualizadoras que englobam o marxismo, o pós-colonialismo, o desconstrutivismo, o feminismo, a psicanálise, a semiótica, a fenomenologia, a historiografia e a teoria Queer, formando uma interdisciplinariedade indisciplinar. Nota-se que ele destaca que esse questionamento envolve o ver enquanto um fazer e, desse modo, este ver/fazer é sinestésico, não somente visual. Se uma imagem é visual, tátil, gustativa e sonora, o meio – a manifestação, música, pintura, escultura – engendra sua proporção de apelo sensitivo; se é pintura, televisão ou moda, por exemplo, a cultura "tempera" a proporção dos ingredientes e o autor inventa sua receita.

Nessa seara, Brea (2005) salienta que a análise que não é refém dos processos que fomentam a cultura, os quais atuam na aglutinação de valores que engendram a produção, permite uma leitura dos objetos culturais conscientizada das ideologias que veiculam. Essa conscientização possibilita uma atuação autônoma do designer. O valor social das práticas culturais deflagra a circulação de um tipo de conhecimento simbólico, o qual interfere decisivamente na constituição das consciências, nas identidades individuais e coletivas, determinando a aceitação do produto, do programa, da obra de arte e, consequentemente, interferindo no processo criador e na formação de autoria. O objetivo desta pesquisa situa-se nesse ponto da interferência da cultura na formação das subjetividades e da exploração dessa cultura no processo criativo de moda. Podem ser um importante objeto de investigação esses valores sociais que materializam formas identitárias ou formas de consciência, as quais são a matéria-prima do raciocínio imaginativo, sendo que este é a base para a construção de uma

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linguagem autoral. Assim, se a cultura não é inata, mas construída por meio de discursos de poder, e estes conformam visualidades, identidades, marcas, o mercado conforma, também, a imaginação e o processo criativo daqueles que nele se encontram. Nesse sentido, pensar em instigar a criatividade exige, necessariamente, desvendar e tornar consciente o processo social que promove criatividade. Brea (2005) versa sobre como isso ocorre:

[...] o ponto de partida dos estudos visuais seria, ao contrário, a convicção de que não existe tal pureza fenomênica do visual no âmbito algum, nem mesmo em seu desígnio existe nada abordável como tal natureza. Porém, unicamente o contrário, como resultado - e ainda como agenciamento - de uma produção predominantemente cultural, efeito do trabalho do signo que se inscreve no espaço de uma sensorialidade fenomênica, e que nunca se dá por tanto em estado puro, mas justamente diante do condicionamento e da construção de uma concepção simbólica específica. Sobre a convicção, dito de outro modo, de que não há ações, objetos são fenômenos, nem sequer meios de visualidades puros, senão atos de ver extremamente complexos que resultam da cristalização e amálgama de um espesso trançado de operações (textuais, mentais, imaginárias, sensoriais, mnemônicas, mediáticas, técnicas, burocráticas, institucionais...) e um menos espesso trançado de interesses de representação na batalha: interesses de raça, gênero, classe, diferença cultural, grupos de crença ou afinidades etc. (BREA, 2005, p.9).

Nesse contexto, o ver é condicionado a paradigmas sociais, estritamente vinculados às diversas formas de poder, nas quais se materializam formas específicas de fazer. Com isso, se analisarmos o objeto roupa, vinculado às formas de execução em seus diversos âmbitos, alta costura, prêt-à-porter e a confecção, podemos inferir que são constructos culturais que exigem uma aquisição cognitiva para serem vistos como pertencentes a uma área e não a outra. Portanto, criar em moda implica conhecer as áreas em profundidade, porque elas dominam o mercado, porque determinam o que é moda e, consequentemente, o preço, além de determinarem quem são as pessoas que possuem autonomia e onde elas podem ter autonomia para criar moda.

Sendo assim, um ensino, que vise ao fomento de processos criadores, deve compreender os mecanismos culturais do processo criativo de moda, por meio de leituras de imagens contextualizadas pelos estudos visuais. Desse modo, desvenda-se tudo o que envolve a especificidade dos repertórios de fazer, que envolvem o olhar, o ver e o ser visto, as estratégias de disseminação, as estratégias de controle, de vigília, a produção das diferentes

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vertentes de imagens de moda, a produção de catálogo, de lookbook, de editorial, de desfile, de campanhas publicitárias, de blogueiras, entre outros.

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Para abordar o tema da criatividade na moda de maneira dialética, optou-se por pensar primeiramente o seu extremo oposto: a cópia. A cópia é a inversão do processo criador, pois ela não dá vazão à expressividade, não permite a exploração de uma temática definida pelo criador. Também não possibilita uma utilização sui generis de uma matéria-prima, uma abordagem peculiar sobre um determinado assunto; enfim, a exploração consciente da identidade, da personalidade no processo de materializar uma idéia. A cópia é um processo amorfo, é um processo que se pode batizar de covarde, pois ele emerge de algum problema na definição, na exploração e na veiculação da personalidade de quem cria. Conforme afirma em entrevista a Pinheiro (2009), o estilista Reinaldo Lourenço: "Cópia é coisa burra, é mandar a foto de revista para uma confecção fazer igual, como eu já vi isso acontecer. Isso é cópia. E quem faz isso não pode ser chamado de estilista" (p.37).

É importante considerar que a cópia funciona de maneira excelente para o aprendizado. Este texto não desconsidera seu poder mimético, didático, mas, fora desse contexto de domínio de técnica, a cópia, quando praticada por profissionais e quando desvinculada de um exercício técnico dentro da academia, fomenta uma série de problemas vinculados ao processo criador, os quais serão abordados a seguir.

Existem vários motivos para a 'covardia'. Um deles seria o sentimento de medo que aparece no processo criativo, primeiramente em virtude do problema do ensino, que, quando se trata do ensino da moda no Brasil, especificamente em processo criativo, é deficiente. Afirmo isso, em primeiro lugar, devido à formação dos professores que, em sua maioria, vêm da indústria e não possuem ainda capacitação em didática, nem nas várias disciplinas oriundas das licenciaturas, as quais auxiliam muito na tarefa de ser eloquente, eficaz. Isso porque falta uma base sólida em disciplinas de avaliação, de leitura de imagem, de conhecimentos em metodologias, como a crítica genética, que é fundamental para conscientização na abordagem da criatividade, como um processo.

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No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 118-121)