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:2 O mesmo autor supracitado aponta que as Representações Sociais são constituídas de

No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 196-200)

três dimensões: a informação, o campo de representação e a atitude. Ele lembra que a atitude também é subdivida em outras três atitudes: a atitude cognitiva, a afetiva e a comportamental. Ele considera que a atitude afetiva, juntamente com a informação, fomenta a orientação comportamental para um objeto. Essa explicação permaneceu invicta por muito tempo na psicologia social como tema central de suas investigações, conforme analisa o autor. Jesuino (2011) destaca ainda que o que altera o entendimento do processo descrito é a descoberta do papel da imagem, sua função de modelo social e sua tarefa de hierarquizar os elementos. Nesse sentido, a imagem possui um papel de unificar as tensões e dinamismos ocorridas entre os conceitos e as percepções. Isso explica a sua força como Representação Social, hodiernamente, seu papel no consumo, porque oferece uma informação de caráter afetivo que orienta a escolha por determinado objeto e modela comportamentos.

Diante disso, o autor salienta que as Representações Sociais são um caminho para descobrir como apreender o particular, os conteúdos individuais dentre as categorias universais. Penso ser esse aspecto uma importante fundamentação de análise das imagens para fomentar a autoria e a criatividade, pois elas exigem a separação do núcleo universal compartilhado socialmente da percepção individual. Conforme explica o autor:

A distância se traduz por uma lancinante inquietação de saber quem lhe fala, até que ponto ele deve ouvir um "nós" sob um "eu". Ou um "eu" através de um "nós" de coletividade (...) E também discernir em que medida o relato constitui a interpretação pessoal de uma experiência comum ou a interpretação comum de uma experiência pessoal.(MOSCOVICI, 2005.p.13).

Essa separação acontece, segundo Nascimento (2006), por meio da entrada da informação nova ou conceito novo pelo sistema periférico da representação, que possui a finalidade de proteger o núcleo central da representação. O núcleo central é menos tolerante à mudança e é operacionalizado por meio do conceito da objetivação. Moscovici (1976) define que a objetivação consiste na seleção de elementos, perante experiências anteriores, a serem representados através de uma recomposição, um rearranjo materializado em uma figuração, o que torna a informação concreta e naturalizada. Outro processo que o autor descreve para compreender a entrada de valores novos dentro da representação é a ancoragem. A ancoragem literalmente ancora um conteúdo não-familiar dentro de um familiar, o que explica

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a dificuldade de alteração do núcleo de uma Representação Social. A periferia tem a função de concretizar, regular e defender o núcleo central de acordo com Nascimento (2006). Segundo o autor, a periferia concretiza a representação da realidade, porque formula as interpretações concretas; regula, pois adapta a representação às alterações contextuais e, por fim, defende o núcleo.

Diante do exposto, pode-se inferir que as Representações Sociais são processos criativos que operam por meio de imagens compartilhadas a transmissão de valores, crenças e conhecimentos. A sua finalidade situa-se na função de mediar a comunicação, a realidade, a prática social, o comportamento por meio dos seus símbolos e imagens comungados na cultura.

Sem dúvida, classificam-se os objetos: as pessoas são reclassificadas, desclassificadas ou superclassificadas. É por isso que sempre se recorre a vários sistemas, tendo cada um deles o seu princípio, que responde ao objetivo perseguido.E dos quais cada um tem o poder de gerar a realidade. Os homens não representam apenas a si próprios, aos seus semelhantes; eles atualizam estas representações. Na vida real, eles põem objetivamente no palco de modo que cada categoria se torna um ator efetivo na vida em comum (MOSCOVICI, 2005, p.25).

Esse mecanismo de atualização das representações pode ser uma das traduções para o significado do vocábulo moda, pois ela pode ser elegida como o principal, e não o mais evidente mecanismo de Representação Social. Os estratagemas veiculados pela moda funcionam exatamente como os mecanismos das Representações Sociais. Isso pode ser observado na utilização de imagens de forte apelo afetivo, com o mecanismo de objetivação e ancoragem. A objetivação pode ser exemplificada por meio da repercussão de um modelo específico utilizado por uma personagem de novela, o corte de cabelo de uma modelo, a forma de amarrar um lenço, entre outras. Tudo isso configura modelos, usos que encarnam uma estética de Representação Social na qual as pessoas reconhecem sua objetificação, por isso adotam a moda, pois esta materializa um afeto, uma informação, um conceito que o consumidor deseja ser vinculado. Diante disso, a moda pode ser o principal mecanismo de atualização das Representações Sociais.

É importante destacar a proximidade da conclusão apresentada acima com teorias como a do sociólogo Francês Pierre Bourdieu, (1975; 2002) o qual salienta ser mais importante o capital simbólico do que o econômico na estrutura da sociedade. De acordo com

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sua teoria, o capital econômico emerge do poder articulado pelo criador, quer seja estilista, pintor ou escritor de mobilizar energia simbólica expressa pelo seus hábitos, seu estilo de vida. Para Bourdieu o criador deve, por meio do seu estilo de vida expresso pelo seu hábitus, engendrar sua energia simbólica que vai materializar sua singularidade, seu estilo, com o objetivo de criar uma estratégia de entrada e posicionamento no campo.

O sociólogo explica que os criadores de vanguarda não intentam destruir as regras do campo no qual estão inseridos, mas sim expandi-lo. Isso significa que por meio do seu conhecimento, do repertório que possuem, eles devem ter o poder de se diferenciar e com isso elaborar sua estratégia de entrada ou permanência, para o reconhecimento dos pares. Deste modo, a vanguarda renova o campo com conceitos novos, ratifica os pares que o reconheceram, tornando-os clássicos e entra para a área desejada, conforme explica: "O princípio de sua mudança é a luta pelo monopólio da distinção, isto é, o monopólio da imposição da última diferença legítima, a última moda, e esta luta se completa pelo deslocamento progressivo do vencido ao passado (p. 6)". O autor exemplifica isso por meio do artista plástico Marcel Duchamp (1887-1968): o artista não pretendeu romper com os sistemas da arte ao assinar um mictório, mas expandir o não convencional gesto artístico de pintar - isto é, tautológico -, esculpir para se apropriar, conceber, conceituar. Com Duchamp a arte não está relacionada principalmente ao âmbito do fazer, amplia-se ao conceber.

Relaciono Bourdieu (1975; 2002) com as representações socais, pois seu conceito de campo se assemelha com a teoria das Representações Sociais. Como no campo que não quer ser destituído de suas regras, as Representações Sociais protegem seu núcleo com a periferia. A objetivação renova e atualiza os conteúdos das representações, como os criadores em Bourdieu atualizam e expandem o funcionamento do campo. A teoria das representações é mais relacionada à comunicação, assimilação, renovação, materialização dos conceitos em valores sociais; e a teoria de Bourdieu (1975; 2002) explica as estratégias de funcionamento do campo que por sua vez é constituído eminentemente por Representações Sociais. Bourdieu (1975; 2002) não explica como as Representações Sociais funcionam, mas discrimina por meio de hábitus, do estilo de vida, do desconhecimento coletivo e da transubstanciação simbólica como o campo se estrutura, como é legitimado, como os autores se comportam e como ele é renovado.

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O que faz o valor, o que faz a magia da griffe, é o conluio de todos os agentes do sistema de produção de bens sagrados. Conluio perfeitamente inconsciente é claro. Os circuitos de consagração são mais potentes quando são mais longos, mais complexos e mais ocultos aos próprios olhos de quem deles participa e se beneficia. Todo mundo conhece o exemplo de Napoleão tomando a coroa das mãos do Papa para colocá-la, ele mesmo, sobre sua própria cabeça. É um ciclo de consagração muito curto, que tem uma eficácia de conhecimento muito pequena. Um ciclo de consagração eficaz é um ciclo onde A consagra B, que consagra C, que consagra D, que consagra A. Quanto mais complicado é o ciclo de consagração, mais ele é invisível, mais sua estrutura não é reconhecida, maior é o efeito de crença (seria preciso analisar nesta lógica a circulação circular dos artigos elogiosos ou as trocas rituais das referências). Para quem está dentro, seja produtor ou consumidor, é o sistema que serve como pano de fundo.(BOURDIEU, 1975, p.9).

O autor atribui o poder de consagração das marcas aos seus textos, a alquimia, o que pode ser nomeado de Representação Social. Ao relacionar a Teoria das Representações Sociais ao Pensamento de Bourdieu, é possível auxiliar na compreensão do funcionamento do campo, já a Teoria de Michel Mafesolli vincula-se à compreensão do funcionamento do imaginário coletivo. Mesmo Bourdieu e Mafesolli sendo de linhas diferentes da Sociologia e autores declaradamente de pensamentos opostos, ouso dizer que as duas teorias são importantes para compreender a moda e as duas incluem as Representações Sociais para elucidar o fenômeno da moda. Na perspectiva de Mafesolli, o processo criador é neotribal, em síntese, atualiza comportamentos estéticas por meio de cristalizações, aglutinações que os artistas captam na sociedade que traduzem o espírito do tempo e por isso são compartilhadas, consumidas e cultuadas. Vale ressaltar que esse conceito terá um intertítulo que o aborde em detalhes; o intuito de citar seu raciocínio neste momento é de explicitar que as Representações Sociais compõem um conceito fundamental para compreender o funcionamento da moda, o processo de massificação e obsolescência em diferentes teorias.

Se as Representações Sociais funcionam como uma célula, seu núcleo central abriga a memória coletiva, por isso é mais rígido, pouco tolerante a alterações, possui forte apelo de estabilidade e possui um caráter mais impermeável, ou seja, não é muito influenciável por mudanças de contextos.

Façamos uma analogia entre as Representações Sociais e uma célula. O núcleo dessas Representações condensam conteúdos mais arquetipais, assim como o núcleo de uma célula que condensa as informações do DNA. Nesse raciocínio, o Citoplasma das Representações

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Sociais, o que envolve, protege, nutre e estabelece relações com o meio externo nas células é nomeado periferia na teoria das Representações Sociais. A periferia é mais flexível, possui alta permeabilidade às mudanças de contextos e, por isso, é mais tolerante às diferenças, é mais adaptável à realidade circunscrita, é democrática por que permite a integração de experiências e conteúdos individuais. Segundo o autor supracitado, a periferia concretiza, regula e defende o núcleo, defende o núcleo porque sua regulação é externa ao conteúdo central que permanece em grande maioria intacto, protegido, e concreta porque a ancoragem ancora por meio de uma nova representação. As alterações, as regulações, dão-se por meio da ancoragem que, literalmente, ancora, concretiza um conhecimento, um conteúdo não-familiar dentro de um referencial de uma categoria pré-existente por meio de um processo de avaliação de juízo de valor. Essas mudanças são percebidas por meio do processo de objetificação, mecanismo que materializa um conteúdo de forma visível, concreta, uma realidade.

É importante destacar que um dos autores de maior relevância para as Representações Sociais, Moscovici, participa de eventos e contribui com conferências para Mafesolli, também um dos autores de grande relevância que estuda a moda. Moscovisci frequenta o laboratório de pesquisa em sociologia do imaginário da Sorbonne criado por Mafesolli. Cito esse fato para compreender como as duas teorias podem ser complementares. O núcleo central da Representação Social com seu sistema de periferia e os mecanismos de ancoragem e objetificação de Moscovisci harmonizam-se com a teoria do neotribalismo de Mafesoli. Moscovici explica como se dão as mudanças no interior dos grupos e como elas se condensam em padrões cognitivos, afetivos e comportamentais, ou seja, em Representações Sociais. Mafesolli, por sua vez, afirma que essas mudanças são neotribais, retornam ao comportamento tribal por meio de atualizações contemporâneas como as mídias digitais. Diante do exposto, opto por começar a explorar o papel da Moda nas Representações Sociais e a importância do conhecimento a respeito do seu funcionamento para o processo criador em Moda.

Moscovici (2005) explica que as Representações Sociais são uma teoria que auxilia na compreensão de como é formado e compartilhado o conhecimento popular, e/ou de caráter senso-comum e como ele configura um conteúdo representativo elaborado para mediar a relação com o real. Além disso, explica como se condensa a identidade de um grupo e como

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