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2 considerar todas as instâncias da epistemologia da arte e também da moda como o ver, o ler e

No documento Processo criador no ensino da moda (páginas 96-99)

o fazer presentes na terapia e nas aulas, conforme salienta a autora.

Hoje já não se fala apenas em Arteterapia mas também em Culturaterapia. O universo terapêutico se ampliou com a pós-modernidade. Não apenas é terapêutica a catarse do fazer Arte, mas também é terapêutico o ver Arte, a conscientização crítica acerca do mundo em que vivemos, da cultura que nos envolve, que de um lado nos submete e de outro amplia nossos horizontes e nos constrói (BARBOSA,2003).

Isso transloca a ênfase restrita à produção, que define a arte como expressão, e está sendo avaliada como o critério moderno da originalidade para uma compressão que inclui o ver arte e a define como cultura visual. Consequentemente, os exercícios, tanto em sala como em estabelecimentos terapêuticos, começam a priorizar a leitura associada ao fazer por meio da reinterpretação de imagens, que reinterpretam não somente a obra vista, mas o mundo circundante com o mundo interior e a cultura visual. Assim sendo, a recepção das obras ultrapassa o ato de olhar que busca a originalidade para um olhar que testemunhe uma elaboração criativa. Essa elaboração é significativa para o intelecto, ou seja, é terapêutica, tanto para quem necessita elaborar possíveis traumas e patologias como para quem necessita elaborar problemas.

A capacidade organizadora é um importante indicativo de qualidade de vida mental, pois permite a expressão do eu, a reflexão, a autopercepção, o que pode ser facilmente comprovado em qualquer produção artística. E é este raciocínio que fundamenta a argumentação de uma das pioneiras da arteterapia no Brasil, Nise da Silveira (1905-1999). Ela, por meio da evidência de expressividade das produções artísticas, combate os antigos métodos de tratamento, os quais preconizavam o choque elétrico e a lobotomia, por abordagens mais humanizadas como a artística. Os métodos citados, ao invés de estimularem a expressão, conduzem cada vez mais à apatia, à falta de comunicação e à perda da capacidade organizadora. Esse fato promoveu uma verdadeira revolução no atendimento de doentes mentais e impulsionou a reforma psiquiátrica no Brasil.

Depois de salientado no que as duas áreas se assemelham, a seguir será discutido em que supostamente elas se distinguiriam. Primeiramente, apresenta-se a definição de

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arteterapia, visto que a de arte/educação já foi discutida anteriormente com a Abordagem Triangular.

A arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas ou dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua autoestima, lidar melhor com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico (UBAAT, 2013).

Penso que o que mais distingue a arteterapia da arte/educação se encontra justamente no que o excerto acima apresenta: "(...) uso terapêutico da atividade artística no contexto de

uma relação profissional (...)". Diante disso, corro o risco de propor que seria a única demarcação viável. É de conhecimento de todos que os benefícios anunciados pela arteterapia, como propõe Allessandrini (1996), encontram-se principalmente no estímulo à exploração dos sentimentos e no incentivo à comunicação com o intuito de evitar uma possível internalização não saudável das vivências. Esses benefícios não constituem uma exclusividade da arteterapia, também podem ser desfrutados por qualquer pessoa que frequente uma aula de artes.

Conforme propõe Winnicot (1975), o poder de cura do processo criativo consiste no fato de que ele implica uma organização, sendo que essa organização abrange o enfrentamento da realidade em suas diversas acepções como a experienciada, a externa e a interna. Uma das grandes contribuições do autor consiste na sua explicação que deixa de interpretar a relação com a realidade experienciada no ato criativo não mais como sendo um processo de fuga, mas sim como um dinamizador da existência na cultura. Assim sendo, o processo criativo dentro de sua teoria adquire a nomenclatura de objeto transicional, pois este transita da alienação para a conscientização que a criação exige.

Esse potencial organizador é importante porque essa organização criativa faz com que as pessoas, mesmo com dificuldades patológicas em lidar com a realidade, sejam obrigadas a lidar com a realidade compartilhada, ou seja, mesmo que sua realidade interna esteja confusa ou frágil, elas criam um objeto artístico e, com isso, uma nova organização, que articula sua

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situação interna com a realidade comum. O objeto transicional, a criação, não promove uma transferência do sujeito para o objeto, mas uma descoberta, uma experiência mais rica de existência, uma apropriação, uma recuperação.

A respeito da percepção da realidade externa, Winnicott (1975) adverte que as duas extremidades não são recomendáveis; por exemplo, uma relação com a realidade pautada por subjetivismo permanente pode gerar alucinação enquanto a pautada por objetivismo permanente prejudica a percepção criativa, visto que perde a simbolização subjetiva. Nesse sentido, para o processo criativo e para uma relação sadia com a realidade é importante ter equilibradas as vivências subjetivas e objetivas. Perante o exposto, o autor sugere que a criatividade é fruto de "(...) um vínculo entre o viver criativo e o viver propriamente dito (p.100)". Nesse contexto, quando ocorre uma descrença na percepção de valor da vida e o indivíduo não reconhece significado algum para sua existência, o processo criativo deixa de ocorrer, pois ele é estritamente relacionado à exploração e ao desfrute das possibilidades existenciais. A depressão, a alienação de si mesmo, não fomentam a produção; mesmo em casos com diagnóstico frequente de depressão, por exemplo, a criação emerge em momentos de melhora.

Outra distinção entre arteterapia e a arte/educação consiste no elemento intencionalidade artística. Barbosa (2003) comenta sobre a inconsistência desse tipo de argumentação ao analisar a produção de Artur Bispo Do Rosário, artista que também se destaca pela exploração do vestuário em sua poética:

Afiemos as teorias. Por exemplo, se cimentarmos nosso pensamento com Malraux poderíamos responder que não, porque ele não tinha a intenção de ser artista. Como se identificaria a sua intenção de ser artista? Estar condenado a um asilo é negação de intenção? Contudo, afirmar que ele não tinha a intenção de fazer arte parece ser um disfarçado preconceito contra a loucura. Não seria negar qualquer possibilidade de consciência possível à loucura? Ser doente mental, ser negro e ser pobre simplesmente responde que Bispo não teve a intenção de fazer Arte? Nunca ter exposto em galerias

de arte demonstra ausência de intencionalidade? (BARBOSA, 20044).

4 BARBOSA, Ana Mae. Arte e Cultura Terapia. In: Congresso Internacional de Arte Terapia, 2003, Madrid.

Revista Digital Art& ISSN: 1806-2962 - Ano II, número 01 - Abril de 2004 (excerto retirado de texto original fornecido pela autora).

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