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A relação dos valores humanos e diferentes aspectos da sexualidade

CAPÍTULO III. O ESTUDO DOS VALORES HUMANOS

3.2. Valores na Perspectiva Individual

3.2.4. A relação dos valores humanos e diferentes aspectos da sexualidade

No âmbito da Psicologia Social, área em que se insere a presente tese, no universo de variáveis potenciais tradicionalmente utilizadas para descrever e explicar os padrões comportamentais destacam-se os valores humanos. A sua pertinência decorre da comprovação de que os valores humanos são de grande relevância, como construto, para o entendimento de diversos fenômenos (Bardi & Schwartz, 2003) e, dentre estes, estão os aspectos da sexualidade humana.

No âmbito da sexualidade, tem sido observado na literatura evidências do papel dos valores humanos na explicação de comportamentos sexuais de risco, tais como ter múltiplos parceiros sexuais, ter relações sexuais sem preservativos, etc., que por sua vez, estariam associados a valores pessoais (poder, realização, hedonismo e estimulação) (Goodwin et al., 2002).

Nesta linha, Freire (2013), realizou um estudo visando verificar, dentre outros fatores, a relação entre valores humanos, partindo da Teoria funcionalista dos valores

humanos, e atitudes frente ao poliamor, sendo este último uma modalidade de

relacionamento não monogâmico em que há mais de um parceiro na relação. A autora observou correlação direta e positiva entre a subfunção experimentação e os fatores da Escala de Atitudes Frente ao Poliamor: relacionamento poliamorista (r = 0,16, p < 0,05) e Sentimento Poliamorista (r = 0,17, p < 0,01). Já os valores normativos se correlacionaram inversamente tanto com a dimensão Relacionamento Poliamorista (r = -0,27, p < 0,01), como com a dimensão Sentimento Poliamorista (r = -0,20, p < 0,01).

Estes achados demonstram que as pessoas que se pautam em valores de experimentação tendem a manifestar atitudes favoráveis ao poliamor, tanto o considerando como uma forma de relacionamento amoroso, como consentindo no modo em que é praticado. Por outro lado, as pessoas que endossam valores normativos tendem a manifestar menos atitudes favoráveis ao poliamor. Estas tendem priorizar a crença na onipotência do amor, como um meio que conduz a felicidade, considerando a possibilidade de que o amor só pode ser manifesto em direção a uma única pessoa, ou seja, valorizam a exclusividade do (a) parceiro (a).

Já Belo, Gouveia, Raymundo e Marques (2005) realizaram um estudo acerca dos correlatos valorativos do sexismo ambivalente, compreendido enquanto um conjunto de estereótipos negativos que avaliam as mulheres de forma cognitiva, afetiva e atitudinal em função de seu sexo (Belo et al., 2005), o sexismo benevolente está positivamente correlacionado aos valores normativos (religiosidade e obediência), e negativamente correlacionado aos valores suprapessoais (conhecimento e beleza). O sexismo hostil, por sua vez, apresentou correlação positiva apenas com o valor obediência (Belo et al., 2005). A importância dos valores normativos para a explicação do sexismo benevolente foi corroborada por um estudo realizado por Formiga (2007). No entanto, este autor observou que o sexismo hostil apresentou correlações positivas apenas com valores pessoais de experimentação e realização.

Mais recentemente, alguns estudos também embasados na teoria funcionalista

dos valores humanos têm sinalizado para o poder preditivo dos valores humanos neste

âmbito. Segundo Guerra, Gouveia, Sousa, Lima e Freires (2012), as atitudes liberais frente à masturbação, sexo antes do casamento, o uso de pornografia e comportamentos homossexuais estão positivamente relacionados com os valores da subfunção valorativa

experimentação, expressa por marcadores como emoção, prazer e sexualidade, e negativamente relacionados com os valores normativos.

No âmbito da sexualidade, estudos verificando a relação entre valores humanos e atitudes frente a homossexuais têm sido comuns. Por exemplo, Heaven e Oxman (1999) realizaram um estudo nessa direção, verificando uma associação negativa entre atitudes estereotipadas frente a gays e lésbicas e os valores harmonia e igualdade, evidenciando que as atitudes dos indivíduos frente a tais objetos sociais são influenciadas pelos valores humanos e pela ideologia conservadora que por sua vez, agem como padrões de avaliação comportamental.

Shen, Haggard, Strassburger e Rowatt (2013), por sua vez, sugerem que a associação entre valores religiosos e atitudes frente a gays, lésbicas e bissexuais é mediada por uma ideologia conservadora, que enquanto doutrina política e social, enfatiza a resistência a mudanças rápidas ou aquelas que possam de alguma forma abalar em alguma medida a estrutura da sociedade (Rohmann, 2000).

Bonfim Duarte, Duarte, Guerra, Cintra e Scarpati (2011) realizaram um estudo que buscou investigar o poder preditivo dos valores humanos com relação à homofobia implícita e explícita. Nesse estudo, a homofobia implícita foi explicada exclusivamente pela subfunção normativa dos valores. Ou seja, uma visão mais tradicional da vida, que enfatiza a permanência da sociedade, a obediência à autoridade e as crenças religiosas explicam a percepção de que homossexuais têm uma natureza diferente dos heterossexuais.

Bonfim Duarte et al. (2011) também verificaram a associação dos valores com a motivação interna ou externa para responder sem preconceito frente à homossexuais. Os resultados da pesquisa de Bonfim Duarte et al. (2011) sugerem que a motivação externa, da mesma forma que a homofobia implícita, é explicada positiva e significativamente

pela subfunção normativa, enquanto a motivação interna é explicada negativamente pelos valores normativos e positivamente pelos valores suprapessoais.

Corroborando os achados de Bonfim Duarte et al. (2011), Gouveia et al., (2012) observaram que os valores normativos foram significativamente associados com a motivação externa (positivamente) e interna (negativamente) para responder sem preconceito frente a gays e lésbicas. Resultados similares foram observados em relação aos valores suprapessoais e a motivação externa (negativamente) e interna para responder sem preconceito (positivamente). Outro importante dado nesta pesquisa foi a correlação entre a motivação externa para responder sem preconceito e a subfunção existência (positivamente). Os autores concluíram que esta subfunção parece ser a base da motivação externa para proceder sem preconceito em relação aos gays e, principalmente, às lésbicas. Tais resultados sugerem que indivíduos que se pautam fortemente por este princípio axiológico o fazem por receio de parecer socialmente indesejável diante dos demais. Deste modo, buscam sua estabilidade, evitando o confronto e buscando ajustar-se ao grupo.

Ainda com relação ao estudo de Gouveia et al. (2012), quanto a correlação entre as motivações internas e externas para responder sem preconceito e os valores específicos, observou-se correlação positiva entre o valor afetividade e a motivação interna e negativa com os valores religiosidade, poder e obediência. Já com relação a motivação externa, observou-se correlação positiva com estabilidade pessoal, tradição, prestígio e religiosidade. Com base nestes resultados, os autores concluíram que a

motivação interna contribui para inibir o comportamento preconceituoso, sendo esta

motivação promovida a partir de princípios axiológicos que enfocam o igualitarismo. Diante das informações levantadas, fica claro, portanto as evidências empíricas da influência que os valores, especificamente materialistas (normativos) e idealistas (ou

humanitários) exercem sobre as atitudes no contexto da sexualidade e seus desdobramentos. Por conseguinte, o interesse desta tese recai sobre o papel dos valores nas diferentes expressões de preconceito sexual, bem como nas atitudes frente à conjugalidade e parentalidade por adoção por casais homossexuais.

Contudo, apesar de não existirem estudos que tenham em conta analisar a relação entre estes construtos propriamente ditos, os achados empíricos apresentados anteriormente apontam para a pertinência de considerá-los na presente pesquisa. Tal consideração se deveu pelo fato de ser possível conjecturar uma contextualização axiológica no contexto em que se desenvolve o presente estudo, como mencionado na introdução, ou seja, considerar os valores humanos enquanto princípios orientadores da vida das pessoas.

Estes princípios, por sua vez, servem a duas funções principais: para orientar os indivíduos em prol de objetivos gerais (pessoais, centrais ou sociais) e para expressar as suas necessidades básicas (materialista ou idealista), uma vez internalizados, durante a socialização, estes valores tornam-se critérios para a orientação e julgamento do comportamento dos próprios e de outras pessoas (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014).