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CAPÍTULO II. O PRECONCEITO SEXUAL

2.4. Facetas do Preconceito Sexual

Mesmo com os avanços e conquistas de direitos por parte de grupos que lutam contra a discriminação, o preconceito sexual ainda é uma realidade presente em praticamente todos os países e culturas, variando em relação à legislação vigente que por vezes se omite e em outras defende as minorias sexuais contra o preconceito e as práticas discriminatórias (ILGA, 2014). O preconceito sexual de acordo com Herek (2000), autor que cunhou o termo na literatura da área, está estreitamente relacionado à cultura, a variantes sociais e individuais. Segundo este autor, alguns fatores contribuem para uma menor descarga de preconceito sexual, tais como o contato (aproximação) com homossexuais e o contexto em que se está inserido, se mais ou menos conservador, tais variáveis estariam relacionadas com o endosso de condutas não preconceituosas.

Segundo Massey (2009) o preconceito frente a estes grupos apresenta-se de forma diferenciada de outras formas de preconceitos, possuindo variadas configurações e origens próprias, é, portanto, considerado polimorfo (Polymorphous Prejudice) referindo-se as atitudes negativas de heterossexuais frente a homossexuais.Tal denominação é utilizada para contemplar ao máximo todas as particularidades do preconceito sexual (e.g. ideologias e concepções estruturantes das atitudes frente aos homossexuais).

Neste sentido, o preconceito sexual, manifesta-se a partir de diferentes facetas, englobando a tríade de componentes de ordem cognitiva, afetiva e comportamental, preconizada por Santos et al. (2006) mas incorporando componentes sociais (culturais e políticos) relacionados ao preconceito sexual e os estigmas que o compõem, como as ideologias de cunho social construídas a partir de padrões de opressão institucionalizada contra pessoas não heterossexuais (Herek, 2004). A seguir disserta-se acerca destes aspectos mais pormenorizadamente.

2.4.1. Heteronormatização: Resistência a Heteronormatividade e Negação da Discriminação

A heterormatização diz respeito a um conjunto de normas e padrões comportamentais endossados socialmente que tipificam a heterossexualidade como o único referencial a ser adotado e reproduzido em sociedade (Kitzinger, 2005). Alguns dispositivos sociais são utilizados para propagar a heteronormatividade no meio social, tais como, o modelo de família nuclear, composto por um homem e uma mulher e o casamento monogâmico, com a finalidade de orientar as condutas com base nos papeis sexuais de gênero (Calegari, 2008). Nesse contexto, todas as condutas que não condizem com os padrões heterossexuais são repudiados, desencorajados e/ou condenados, muitas vezes de forma velada, pois, em uma sociedade que a

heteronormatividade vigora os indivíduos são todos pré-concebidos como

heterossexuais, até que seja demonstrado claramente o contrário.

Segundo Massey (2009) quanto mais resistentes à heteronormatividade, menor o endosso de condutas e práticas de discriminação e preconceito sexual. Ainda segundo este autor, a resistência a heteronormatividade caracterizada por uma recusa da normatividade social da heterossexualidade, onde os indivíduos com esta resistência apresentam menor propensão a considerar as relações heterossexuais como a única configuração de relacionamento padrão.

Outra dimensão apontada por este autor em relação ao preconceito sexual é o quanto o indivíduo encontra-se conectado com o ativismo homossexual, que envolve tanto o endosso quanto a repulsa da ação de grupos em defesa dos direitos homossexuais. Neste âmbito, o preconceito sexual se manifesta a partir da negação da

discriminação que orientam condutas pautadas na não existência de tratamento

diferenciado para os homossexuais, concebendo-os como iguais ou até mesmo superiores em direitos quando comparados aos heterossexuais e que, portanto, não haveria necessidade de tratamento diferenciado, não apoiando assim o ativismo homossexual (e. g. movimentos e entidades de luta em defesas das minorias sexuais), inclusive desqualificando a ações de tais grupos.

Esta dimensão é consoante com a manisfetação sutil (mais abrandada do preconceito) já mencionada anteriormente neste capítulo, a partir da qual, segundo Castillo et al. (2003), os preconceituosos sutis se manifestariam de maneira contrária a discriminação contra homossexuais, contudo, ao mesmo tempo, posicionam-se de maneira crítica quanto a seus costumes, crenças e valores.

2.4.2. Heterossexismo, aversão a homossexuais e crenças negativas frente a gays e lésbicas

O vocábulo “heterossexismo” equivale às atitudes e comportamentos discriminatórios a todos os sujeitos que não se encaixam no padrão heterossexual, envolvendo estigmas e estereótipos. A partir da concepção heterossexista, admite-se que a única norma aceitável é a heteronormatividade, com todos os seus papéis sociais bem delineados, neste sentido, tudo o que for distinto dessa configuração é considerado disfuncional. O heterossexismo vai além de preconcepções e julgamentos tendenciosos acerca de homossexuais e bissexuais, mas, é relacionado à manutenção dos papéis sociais e da reprodução do machismo e do sexismo(Herek, 2000).

O heterossexismo se configura então como um sistema coletivo de disseminação de normas e valores, estruturado a partir das diferenças entre gêneros. O preconceito frente a homossexuais se explana como sendo relacionado ao sexismo, pois, acredita-se que atitudes negativas de heterossexuais a homossexuais ocorre de forma análoga à discriminação de gênero. Assim, parte-se do pressuposto que o homossexual é visto como um violador das normas de gênero, pois, sua conduta não é a esperada por indivíduos do seu sexo (Kite & Whitley, 1998).

Segundo Herek (1986) existem distintas motivações para as atitudes e sentimentos negativos por causa da orientação sexual do alvo, assim o autor formulou quatro funções principais do preconceito sexual: expressão de valores, expressão social,

experimental e defensiva.

A primeira refere-se às crenças morais e valores que um indivíduo possui, sendo suas condutas preconceituosas explicadas por aspectos cognitivos. Neste âmbito as crenças negativas frente a gays e lésbicas apresentam-se relacionados à manutenção do preconceito sexual (Massey, 2009). A segunda função denominada “expressão social”

delineia acerca de conjunturas onde ocorre preconceito sexual devido à manifestação de atitudes preconceituosas por parte dos indivíduos para participar e agir em consonância com seu grupo social. A terceira função do preconceito sexual é denominada “experimental”, que refere-se a atitudes preconceituosas mantidas por indivíduos que nunca tiveram relações de convivência ou experiências positivas, ou não tiveram nenhuma experiência com homossexuais, mas generalizaram seus sentimentos para todos os sujeitos dessa orientação sexual. Tal função é instrumentalizada pelos componentes emocionais que estruturam o preconceito sexual, como a aversão a gays e lésbicas. A quarta função motivacional do preconceito sexual é a função “defensiva”, caracterizada pela manutenção de atitudes preconceituosas, devido ao sentimento de ameaça à sua sexualidade.

Ainda segundo Herek (2000), a função defensiva se aproxima da concepção psicanalítica, acerca da homossexualidade, e o preconceito sexual, a partir desta conotação, estaria relacionado a motivações de caráter inconsciente. Ou seja, o preconceito sexual seria resultado de uma homoerotização reprimida pelo indivíduo e viria à tona, através da discriminação homossexual, em tese, como um mecanismo de defesa.

Frente ao que vem sendo apresentado, fica, evidente que preconceito sexual é um construto multidimensional, construído, sobretudo, por aspectos sociais, culturais e políticos. O estigma social da homossexualidade, bissexualidade, ou qualquer outra forma de orientação sexual que fuja dos padrões heteronormativos, refere-se à crença compartilhada de que a homossexualidade é condenável e socialmente reprovável. A origem do estigma não interfere apenas no modo como o alvo deste é tratado, mas como o portador deste, visualiza a si próprio por causa deste estigma (Herek, 2004).

Em resumo, o preconceito sexual se manifesta de maneira diferenciada das demais formas de preconceito, levando em consideração, além dos aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais, elementos de cunho social que normatizam padrões comportamentais orientados pela referência social da heterossexualidade construída pela heteronormatividade. Feitas estas considerações, a seguir devota-se a atenção desta seção para a mensuração do preconceito sexual, considerando os aspectos anteriormente mencionados.