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Da Homofobia ao Preconceito Sexual: convergências e complementações

CAPÍTULO II. O PRECONCEITO SEXUAL

2.3. Da Homofobia ao Preconceito Sexual: convergências e complementações

profundamente o discurso acerca da orientação sexual nos Estados Unidos e em grande parte do mundo. O primeiro acontecimento teve um impacto imediato, quando em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) aprovou a remoção da homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), declarando que a homossexualidade não estaria intrinsecamente associada a uma psicopatologia e sua classificação como doença estava enraizada em um modelo médico considerado ultrapassado. Tal fato recebeu forte apoio de outras associações, como a Associação Americana de Psicologia (APA) decretando uma mudança drástica na forma como a medicina, os profissionais de saúde mental, e as ciências do comportamento passariam a considerar homossexualidade (Herek, 2004).

O segundo acontecimento não foi tão amplamente repercutido como a ação dos psiquiatras anteriormente citada, mas o seu impacto final também foi profundo. A mudança aconteceu quando passou-se a considerar a hostilidade frente a gays e lésbicas como problemática, levando-se a elaboração do termo “homofobia”, criada pelo psicólogo George Weinberg na década de 1960 e exposta à sociedade americana no livro Society and the Healthy Homosexual em 1972. A criação desta terminologia foi de grande relevância para o estudo e discussão no meio científico a respeito da homossexualidade, pois, trouxe uma importante modificação de concepção do assunto e ajudou a popularizar a crença de que se tratava de um problema social digno de análise acadêmica e intervenção. Seu termo tornou-se uma ferramenta importante para o ativismo homossexual e seus defensores, pois a partir dele o foco foi direcionado para o sujeito que discriminava tais indivíduos e não mais o homossexual ou bissexual (Herek, 2004).

A palavra “homofobia” amplamente usada para designar o preconceito frente aos homossexuais, pode ser considerada como possuindo ambiguidade em sua origem etimológica, variando do grego homos, como “o mesmo” ou como “homem”, e

phobikos “ter medo ou aversão a”, podendo denotar a partir de seus componentes “aversão do mesmo” ou “aversão do homem” tem sido empregada para traduzir o “ódio ou a aversão” a homossexuais ou a discriminação dirigida a esse grupo minoritário (Barrientos & Cárdenas, 2013). Neste âmbito, a homofobia pode ser definida como atitudes negativas baseadas na orientação sexual (Herek, 2000), e como as demais definições de preconceito, este envolve três elementos-chave: (1) é uma atitude, o que predispõe a uma avaliação negativa ou positiva, que se pauta em informações emocionais, cognitivas e comportamentais; (2) é direcionado a um grupo ou a seus

membros, isto é, gays e lésbicas; e (3) frequentemente envolve hostilidade ou aversão (Herek, 2004).

Assim o termo homofobia tem sido utilizado para se referir a tais atitudes negativas e aos aspectos emocionais presentes na relação heterossexuais-homossexuais. É importante destacar que atualmente o termo homofobia tem sido empregado não como uma fobia propriamente dita, mas sim como uma hostilidade direcionada aos homossexuais. Tendo em vista que o componente emocional de uma fobia é a ansiedade e no caso da homofobia é a raiva e a repulsão frente aos homossexuais. A homofobia abrange a discriminação, prejulgamentos, violências de diversos tipos (física, psicológica, moral, entre outros), ocasionados por essa aversão (Barrientos & Cárdenas, 2013).

Segundo Herek (1991) passar por situações de homofobia, pode levar infindáveis consequências , levando inclusive a problemáticos agravos a saúde mental dessa pessoa, como depressão, abuso de álcool e outras drogas, entre outros (Herek, Gillis & Cogan, 1999). De fato, tais consequências da homofobia foram testadas por Feinstein, Goldfried, e Davilla (2012) em uma amostra de gays e lésbicas da população geral. Os autores verificaram uma relação entre experiências prévias de discriminação em função da orientação sexual e sintomas de depressão e ansiedade social, não havendo diferenças quanto ao sexo. Por sua vez, Grant et al. (2011) com uma amostra de universitários, observaram uma relação entre ser alvo de práticas homofóbicas e, além de sintomas depressivos e ansiedade, maior nível de estresse percebido, bem como a percepção de si mesmo como menos atraente.

As consequências da homofobia vão muito além daquelas sofridas pelo alvo, ou por sua família, elas causam graves problemas para toda a sociedade, pois, coloca as pessoas inseridas em modelos sociais impostos, estigmatizando e discriminando à todos

aqueles que fogem dos padrões aceitos como “normais”. Tais aspectos encorajam comportamentos heterossexistas e machistas (Herek, 1991).

A homofobia, portanto, não se qualifica como uma fobia, propriamente dita. Sendo, portanto, influenciada por ideologias impostas coletiva e socialmente, através da cultura heteronormativa. A propósito, a heteronormatividade pode ser entendida como regras culturais e normativas que guiam a parceria sexual entre homens e mulheres, de modo que enfatiza a “naturalidade” do relacionamento com o sexo oposto, ao passo que as relações afetivas com o mesmo sexo são consideradas “desviantes” (Kitzinger, 2005; Madureira, 2007).

Neste sentido, apesar do termo homofobia ser considerado uma denominação insatisfatória por parte dos pesquisadores da área (Barrientos & Cárdenas, 2013; Herek, 2004; Herek & McLemore, 2013; Massey, 2009), porque, entre outras razões faz referência exclusivamente à atitude extrema de apreensão psicológica, ocultando assim outras formas de hostilidade, assim como o contexto social de produção deste fenômeno em questão. O uso desta noção por parte de investigadores e pelas próprias minorias sexuais tem facilitado a modificação da tradicional forma de pensar a homossexualidade como enfermidade ou patologia, passando a enfocar o preconceito frente aos homossexuais (Barrientos & Cárdenas, 2013).

Nesta direção, Herek (2000) propôs a substituição da palavra “homofobia” para o uso do conceito de “preconceito sexual”, com a finalidade de superar as restrições e críticas que o conceito de homofobia tem recebido. Segundo o autor, preconceito sexual é definido como uma atitude negativa em direção a um indivíduo, baseado em fatores como a sua configuração familiar, atração sexual, comportamentos e orientação sexual. Em outras palavras, um indivíduo homossexual ou bissexual é vítima de discriminação social, por não estar em conformidade como a norma heterossexista presente naquela

cultura, e não por medo do contato, ou pavor, que algumas fobias causam como expresso pelo termo “homofobia”.

O “preconceito sexual” é uma nomenclatura mais apropriada e pode ser utilizado para descrever atitudes negativas de heterossexuais a condutas homossexuais, à indivíduos com orientação homossexual, bissexual, e à grupos e associações de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, travestis e trangêneros (Herek, 2000, 2004; Barrientos & Cárdenas, 2013; Herek & McLemore, 2013).

Diante do exposto, é importante registrar que a denominação preconceito sexual não veio para suplantar o termo homofobia, trata-se de uma definição mais completa que possibilitar acessar este fenômeno em uma maior completude dada as limitações do conceito de homofobia. Neste sentido, a seguir disserta-se acerca das facetas em que o preconceito sexual se apresenta, delineando conceitos encontrados na literatura que justificam a sua utilização e relevância em estudos que levem em conta esta temática, principalmente no que diz respeito à Psicologia Social.