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A relação entre o conceito de cidadania e o processo educativo

2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A DIMENSÃO POLÍTICA DO PROCESSO

2.2 A relação entre o conceito de cidadania e o processo educativo

De acordo com Deacon e Parker (2000), “desde as primeiras comunidades, fossem

elas sedentárias ou nômades, o status da cidadania esteve associado, na prática e na teoria,

com a lei, com o alfabetismo e com a tecnologia; em suma, com as armadilhas da civilização”

(DEACON e PARKER, 2000, p. 138, grifos dos autores).

Ao falarmos sobre o conceito cidadania devemos identificar em qual movimento

histórico estamos a identificá-lo. Para que se explicite esse conceito, é necessário que se

demonstre a opção do modelo de sociedade e organização social em que ele é considerado

(RODRIGUES, 2001).

Para Marcilio (2007),

Na história [...] o conceito e o significado de cidadania sofreram alterações. Tal fato ocorreu porque diferentes discursos apropriaram-se do uso desses termos na tentativa de justificar e legitimar suas finalidades e princípios teóricos, bem como justificar e legitimar a concretização dos mesmos. Nesse sentido, é comum que se encontrem forças contraditórias no uso do termo cidadania, uma vez que pessoas, partidos políticos, propostas pedagógicas, formas de governo com opiniões diferentes sobre o mesmo assunto fazem uso desse termo para defender seu ponto de vista frente aos demais [...] Assim como ocorre com o conceito de cidadania, a discussão em torno dos fins da educação e do papel da escola na constituição do cidadão e na democratização de seu espaço também segue a mesma trajetória complexa de diferentes definições e contradições (p. 70-72).

Como proposto anteriormente, a partir dos anos 1990, o conceito cidadania se mostra

central à teoria política e também à teoria educacional (STAUFFER; RODRIGUES, 2011).

Diversas razões são responsáveis por esse tema estar em pauta em discursos de vários setores

sociais. A demanda pelo direito das minorias força colocarmos em pauta a questão da

cidadania.

Vilanova e Bannell (2011) também abordam a questão da explosão dos discursos

sobre cidadania no Brasil e nos países ocidentais que ocorreu na última década do século XX

e início do século XXI. Segundo os autores

,

“O conceito de cidadania está vinculado,

essencialmente, aos diferentes modelos de democracia e às concepções de racionalidade

construídos ao longo do período moderno” (p. 124).

Os autores apresentam cinco discursos sobre a cidadania: o liberal-individualista; o

republicano-cívico; o procedimentalista; o multicultural e o marxista. O objetivo dos autores

está em elaborar as principais características desses discursos, possibilitando um diálogo com

as propostas de educação para a cidadania. Uma breve abordagem sobre os discursos é

realizada a seguir:

i)

Liberal-individualista

Segundo Vilanova e Bannell (2011) no liberalismo a sociedade é regulada pelas leis

do mercado, constituindo-se assim um sistema de circulação de pessoas e do seu trabalho

social. Sendo assim, o modelo liberal,

enfatiza o papel do cidadão privado como membro de uma sociedade econômica, por meio do uso de sua autonomia privada garantida pela legislação. A política, por sua vez, tem a função de agregar os interesses dos cidadãos e, pela democracia representativa, eleger um legislativo e um executivo capazes de implementar esses interesses, bem como um judiciário capaz de protegê-los (p. 125).

Um dos principais valores do liberalismo político é a liberdade frente ao Estado

(VILANOVA; BANNELL, 2011). Neste sentido, segundo os autores, os cidadãos “são livres

e responsáveis pelo exercício de seus direitos e pelo cumprimento de seus deveres” (p. 126).

ii)

Republicanismo-cívico (comunitarismo)

Para Vilanova e Bannell (2011)

,

comunitarismo é a forma como o republicanismo tem

sido chamado por alguns na contemporaneidade. No republicanismo

cívico, as pessoas

possuem objetivos pré-políticos comuns – “como uma fé comum ou um modo tradicional de

vida, ou seja, uma determinada concepção do bem” (p. 127) - assumindo ainda que a própria

participação política pode representar e promover esse fim comum. A política é concebida

como parte do processo de coletivização social; nessa perspectiva, o processo político serve

ao controle da ação estatal por cidadãos por meio da participação no seu autogoverno. Assim,

a política representa um meio no qual as pessoas realizam sua liberdade (no sentido positivo).

Essa concepção compreende que a comunidade política compartilha de mesma tradição

cultural, linguística, histórica e econômica. O papel do cidadão gira em torno de uma

concepção ético-comunitarista.

A cidadania é concebida por meio do pertencimento a uma comunidade ético-cultural

autodeterminada (VILANOVA; BANNELL, p. 129). Em relação à educação, a cidadania

requer um comprometimento com os objetivos da comunidade política, adquiridos através do

processo educativo e do engajamento ativo no processo democrático. As aptidões necessárias

são: “capacidade de dialogar de maneira produtiva sobre as questões públicas; habilidade de

construir consensos; participação no trabalho cooperativo” (VILANOVA; BANNELL, p.

130).

iii)

Procedimentalismo

Este modelo proposto por Habermas critica os modelos já apresentados: liberal e

comunitarismo. Neste modelo, todos os grupos que compõem a sociedade devem estar

envolvidos nos processos de deliberação política, o que pressupõe uma cultura compartilhada.

Tal cultura é de natureza política, não baseada em diferentes culturas e identidades de cada

grupo (VILANOVA; BANNELL, 2011). A ênfase do procedimentalismo é no processo de

formação de uma vontade política e de uma opinião pública. Logo, na concepção deliberativa

de democracia, há uma forte ênfase na fala e não no voto (VILANOVA; BANNELL, p. 131).

Vilanova e Bannell (2011, p. 132) ainda nos trazem que aqui, a educação para a

cidadania articula-se “à promoção dos direitos democráticos e da disposição para a

cooperação, deliberação, construção de consenso e tomada de decisão, considerados

essenciais às sociedades democráticas”, sendo assim, o respeito às diferentes culturas e a

capacidade em abrir diálogo com diferentes culturas sobre assuntos públicos são aptidões que

devem ser desenvolvidas na educação para a cidadania.

Enfim, o discurso procedimentalista,

Tenta guiar-se entre os excessos do liberalismo e do comunitarismo, incorporando a ênfase nos direitos individuais básicos do primeiro, bem como o sentimento de pertencer a uma comunidade do segundo, buscando um mecanismo para a integração a solidariedade de grupos diferenciados na mesma comunidade política. Assim, o indivíduo é considerado em três dimensões: como um indivíduo insubstituível; como um membro de uma cultura e grupo social qualquer; e como um cidadão, ou seja, membro de uma comunidade maior (VILANONA; BANNELL, p. 132).

iv)

Multiculturalismo

O modelo de democracia multicultural, baseada no liberalismo político, aponta que

devemos atentar para a pluralidade cultural, preservando, porém, o individualismo, a

autonomia, a autocrítica e a liberdade, características centrais do liberalismo (VILANOVA;

BANNELL, 2011).

A educação para a cidadania no modelo multiculturalista, segundo os autores, busca

fortalecer e valorizar a diversidade cultural, desenvolvendo possibilidades de aprendizagem

que preservem sua identidade. Busca ainda uma maior igualdade em relação à justiça e ao

poder, fornecendo meios para a escolha ou convivência com modos alternativos de viver e

aprender.

os defensores de uma epistemologia multicultural defendem um ensino pautado num currículo diferenciado, baseado na cosmovisão dos diferentes grupos, por exemplo, grupos indígenas, como ato de resistência ao “colonialismo epistemológico” da cultura hegemônica (VILANOVA; BANNELL, 2011, p. 133).

v)

Marxismo

O modelo do marxismo possui duas vertentes, sendo uma delas chamada de esquerda

democrática, em que a cidadania permanece como categoria central, e outra que não aceita a

cidadania como instrumento revolucionário, relacionando-a à burguesia e ao liberalismo

(VILANOVA; BANNELL, 2011).

As opiniões dos autores divergem quanto a isso. Coutinho (2005), que é defensor da

primeira vertente, aponta a cidadania como a capacidade conquistada por alguns indivíduos

ou por todos eles “de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as

potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto

historicamente determinado” (p. 2).

Tonet (2005, p. 76) é defensor da segunda vertente e, segundo ele,

Se utilizarmos o termo cidadania para designar o objetivo maior, entendendo que ela significa uma comunidade real e efetivamente emancipada, estaremos confundindo emancipação política e emancipação humana; estaremos ignorando que cidadão não é o homem em sua integralidade, mas apenas como membro da comunidade política.

Com isso, a cidadania não deveria ser o principal objetivo de uma educação voltada à

emancipação do homem, mas uma possível mediação para esse processo emancipatório, o que

só é possível quando toda a integralidade do indivíduo for considerada (VILANOVA;

BANNELL, 2011).

Neste capítulo

,

buscamos trazer as ideias de alguns autores sobre a relação existente

entre a educação ambiental, a educação em geral, e a dimensão política envolvida nesses

processos, apontando nesse momento um pouco sobre a ideia de participação, a qual faz parte

dessa mesma dimensão, na tentativa de relacionar por fim o conceito de cidadania com o

processo educativo.

Relacionando esse conceito de cidadania às questões ambientais, Jacobi (2003) nos

esclarece que a relação entre meio ambiente e educação para a cidadania é cada vez mais

desafiadora, sendo necessário a construção de novos saberes que possibilitem a aprendizagem

de processos sociais complexos e riscos ambientais cada dia mais intensos.

Atualmente, o desafio está em proporcionar uma prática educativa em educação

ambiental que articule de maneira incisiva a necessidade de juntamente se enfrentar a

degradação ambiental e os problemas sociais. Com isso, “o entendimento sobre os problemas

ambientais se dá por uma visão do meio ambiente como um campo de conhecimento e

significados socialmente construído, que é perpassado pela diversidade cultural e ideológica e

pelos conflitos de interesse” (JACOBI, 2003, p. 199).

Ainda segundo o autor, nas práticas educativas de educação ambiental,

A ênfase deve ser a capacitação para perceber as relações entre as áreas e como um todo, enfatizando uma formação local/global, buscando marcar a necessidade de enfrentar a lógica da exclusão e das desigualdades [...] À medida que se observa cada vez mais dificuldade de manter-se a qualidade de vida nas cidades e regiões, é preciso fortalecer a importância de garantir padrões ambientais adequados e estimular uma crescente consciência ambiental, centrada no exercício da cidadania e na reformulação de valores éticos e morais, individuais e coletivos [...] A educação ambiental, como componente de uma cidadania abrangente, está ligada a uma nova forma de relação ser humano/natureza, e a sua dimensão cotidiana leva a pensá-la como somatório de práticas e, consequentemente, entendê-la na dimensão de sua potencialidade de generalização para o conjunto da sociedade (JACOBI, 2003, p. 200).

Para ele, quando a problemática socioambiental questiona ideologias de caráter prático

“propõe a participação democrática da sociedade na gestão dos seus recursos atuais e

potenciais, assim como no processo de tomada de decisões para a escolha de novos estilos de

vida e a construção de futuros possíveis” (JACOBI, 2003, p. 200).

Ao tratarmos neste capítulo a temática ambiental, educação e cidadania, e voltarmos

nosso olhar para sujeitos envolvidos com a prática em educação ambiental em uma

comunidade agrícola que faz extenso uso de agrotóxicos em suas plantações, pretendendo, a

partir de depoimentos dos atores sociais selecionados, construir possíveis sentidos sobre essa

problemática ambiental ali encontrada – abusivo uso de agrotóxicos – e as possibilidades de

formação política e construção da cidadania pela educação ambiental com vistas à mudança

da realidade vigente, encontramos em Vilanova e Bannell (2011) que a educação para a

cidadania é uma possível mediação para esse processo emancipatório.

Essa perspectiva nos impulsiona a buscar, por esses meios, um entendimento maior

sobre essas relaçõesque apontam para algumas alternativas de transformação da atual

situação.