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Relações entre o uso de agrotóxicos, educação ambiental e as possibilidades de

No documento Educação ambiental e o uso de agrotóxicos (páginas 138-143)

5. EDUCAÇÃO DO LUGAR E O MUNDO DO TRABALHO

5.3 Relações entre o uso de agrotóxicos, educação ambiental e as possibilidades de

Buscamos, nesse segundo momento de nossa análise, construir sentidos, a partir de

depoimentos de diferentes atores sociais do município de Guapiara, sobre as relações entre o

uso intensivo de agrotóxicos nessa comunidade, e a educação ambiental como possibilidade

de formação política e construção da cidadania.

No decorrer de nossas análises, pudemos perceber que muitas ideias acerca do

problema relacionado ao uso intensivo de agrotóxicos na lavoura é consenso entre os quatro

sujeitos de pesquisa. As justificativas de utilização, aumento do uso desses produtos e

perspectivas de melhora caminharam sempre na mesma direção.

Um fato que não deve deixar de ser aqui esclarecido diz respeito à proximidade e

amizade dos sujeitos entrevistados, sendo essa proximidade ainda maior entre os sujeitos A, C

e D, que compartilham de ideais políticos muito parecidos. Esse fato deve ser considerado em

todo o nosso processo de análise, pois os sentidos aqui construídos baseiam-se nos

depoimentos de sujeitos que possuem uma posição político-partidária diferente daqueles que

atualmente encontram-se no poder, atuando no governo da prefeitura de Guapiara.

Quando questionados em relação aos argumentos existentes sobre a questão do uso de

produtos químicos na comunidade e suas considerações sobre tais práticas, em todos os

depoimentos esteve presente a perspectiva que aponta para o sistema de mercado com base no

lucro de capital que força o agricultor a buscar o máximo de produção e rentabilidade

possíveis.

Como depende da produção, qualquer evento que diminua o ganho do produtor deve

ser eliminado, na perspectiva dos sujeitos da pesquisa. Sendo as pragas agrícolas responsáveis

por grande parte das perdas de produtos na lavoura, tudo o que resta ao agricultor é acabar

esse problema a qualquer custo para que possa ser competitivo dentro do modelo de produção

agrícola em que ele se encontra.

Esse aspecto também é discutido por Loureiro (2012), que salienta a promessa de

desenvolvimento baseada no industrialismo voltado para o consumo, com bases no

capitalismo urbano-industrial dos EUA. Segundo o autor, esse modelo de desenvolvimento

rapidamente esgotaria as fontes de energia e recursos materiais, evidenciando a

insustentabilidade de uma sociedade desigual que arcará com o desrespeito à natureza.

Mesmo essa relação estando presente nos relatos de todos os entrevistados, o destaque

com críticas ao sistema capitalista é maior no depoimento do Sujeito B, talvez por sua

formação política que já o envolveu de maneira muito específica em grandes movimentos de

militância, citando até mesmo seu envolvimento com o MST.

Outro ponto em comum apontado pelos entrevistados relaciona-se à falta de

conhecimento da população em geral, e principalmente dos produtores rurais, das formas

corretas e adequadas no processo de manejo e cultivo agrícola. Em todos os depoimentos

notamos a presença de mais essa justificativa para as práticas agrícolas hoje encontradas,

fazendo dessa realidade um processo de duplo sentido. Na medida em que o produtor depara

com um problema em sua lavoura e não tem conhecimento de como pode amenizar seus

prejuízos, deve ir em busca de algum tipo de recurso que o ajude porém dificilmente

encontrará apoio fora das lojas especializadas na venda de produtos químicos, as quais

garantem a ele eliminar de forma rápida e sem dificuldades, a praga ou doença que prejudica

suas plantações.

O conhecimento é constantemente valorizado pelos sujeitos. Os quatro sujeitos

consideram que a falta de conhecimento do agricultor faz dele uma vítima que intoxica a si

próprio, ao meio em que vive e a outras pessoas.

Da mesma maneira que o Sujeito B, o Sujeito A demonstra se preocupar com a relação

entre as práticas agrícolas e o sistema de mercado. Isso pode demonstrar a importância da

trajetória pessoal e profissional de um sujeito no momento de expressar suas opiniões e

desejos.

Sendo o Sujeito A supervisora de ensino e tendo seu trabalho sempre direcionado à

instrução de pessoas, o seu senso de educadora desponta todas as vezes em que ela demonstra

o quão importante considera o processo de ensino e compartilhamento de conhecimentos para

o desenvolvimento de uma escola, de uma comunidade e das pessoas em geral.

Para a transformação desse quadro social descrito para as comunidades agrícolas, os

processos educativos, principalmente aqui os relacionados às práticas de educação ambiental,

foram citados como uma grande possibilidade. Os diferentes sujeitos, ao depositarem suas

crenças no processo educativo, visando mudanças e melhorias na comunidade em que vivem,

principalmente no que diz respeito ao trabalho agrícola, esquecem-se muitas vezes que

projetos de desenvolvimento econômico também podem apresentar grande importância nesse

processo.

No momento em que todos mencionam ter esperança de que a educação possa gerar

mudanças, remetem à impressão, em alguns momentos, de uma crença de certo modo ilusória

da educação como única fonte de cura de todos os males sociais.

O Sujeito A mostra-se por vezes contraditório na medida em que demonstra sua

percepção quanto à importância de um olhar mais cuidadoso para o lugar em que vive e sua

cultura, revelando assim sua criticidade enquanto sujeito; porém, parece esquecer da

importância relacionada ao desenvolvimento econômico, também capaz de possibilitar

melhorias ao trabalho na zona rural e aos seus trabalhadores. Tanto o Sujeito B quanto o

Sujeito C compartilham da mesma perspectiva que a supervisora de ensino, onde o primeiro,

ao falar acerca dos agravos enfrentados na comunidade, afirma que apenas a educação pode

mudar isso, e a estudante, ao sinalizar que não acredita que a instalação de algumas indústrias

na região possa ser visto como algo bom, deixa de vislumbrar alguns aspectos positivos que

esse fator pode trazer – entre eles a possibilidade de agregar valor aos produtos advindos da

lavoura, como, por exemplo, o tomate.

No que diz respeito a melhorias nos processos de desenvolvimento da comunidade,

não é observado um avanço relacionado ao setor educacional, mesmo sendo os meios

educacionais os mais citados como alternativas de mudança. No setor econômico, apesar de

não parecer ainda suficiente perante os relatos observados, o crescimento apresenta-se maior

quando comparado ao educativo, tendo como um dos exemplos o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), um programa do governo federal, que

tem como objetivo fortalecer as atividades dos produtores familiares, integrando-o assim à

cadeia de agronegócios, de modo que ele possa aumentar sua renda e agregar valor à sua

produção e propriedade através da modernização do sistema produtivo, da profissionalização

desses trabalhadores e de sua própria valorização (SILVA FILHO, s. d.).

Sendo assim, o que se apresenta de forma explícita é a crença que os sujeitos de

pesquisa depositam no processo educativo como grande possibilidade de transformação da

realidade em questão, principalmente quando questionados acerca do trabalho agrícola, e o

quanto se observa através dos relatos dos sujeitos, a inoperância da escola nesse processo.

Quanto às práticas educacionais, notamos que, no que diz respeito à educação, os

sujeitos demonstram ver uma estreita relação entre a educação e o mundo do trabalho, em

depoimentos que demonstram, muitas vezes, um preparo dos alunos no sentido de garantir um

emprego fora da zona rural, de preferência em algum setor urbano-industrial. Relatos que

exemplificam a ação da educação em suas próprias vidas também estiveram presentes,

modificando em alguns momentos o modo de se relacionar com o mundo e as atividades do

sujeito.

O que aparece com maior força nesse aspecto são as impressões dos sujeitos quanto à

desvalorização da agricultura, principalmente no ambiente escolar. De acordo com as

entrevistas, os sujeitos acreditam ser quase que senso comum na comunidade que um

indivíduo que deseje dedicar seu trabalho à prática agrícola, não tem necessidade de instrução,

interessando ao mercado, muitas vezes, apenas a quantidade de produtos que o produtor tenha

capacidade de ofertar.

Em relação a isso, Trein (2012) diz que:

O trabalho como atividade humana transformadora se exerce sobre a matéria e usa instrumentos para executar essa transformação. Resulta dessa ação a produção de um bem que tem um valor de uso social. Por isso o trabalho tem o potencial de, agindo no mundo da necessidade, nos levar ao mundo da liberdade, onde podemos exercitar nossas capacidades para além da produção de bens necessários apenas à nossa sobrevivência física, para satisfazer outras necessidades próprias da sociabilidade humana como a arte e a cultura em geral. Ora, quando o trabalho é reduzido a um bem de troca, a uma mercadoria, bem privado, ele perde seu caráter autônomo e tudo e todos a que ele se refere são contaminados pela mercantilização e pela alienação. As relações sociais que os homens estabelecem entre si e a que estabelecem com a natureza mediada pelo trabalho assumem essa face heterônoma, com grande poder destrutivo do ambiente e da vida humana (p. 306).

No entanto, nas tentativas de “resgate” que percebemos dos sujeitos de pesquisa, em

relação a valorizarem a comunidade em que vivem (questão do pertencimento) e buscarem

compartilhar essa questão com aqueles com quem desenvolvem seus trabalhos em Guapiara, a

pedagogia crítica do lugar/ambiente ganha destaque, com finalidade de diminuir a alienação

daqueles que ali vivem. Dowbor (2007) nos esclarece que “a educação não deve servir apenas

como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos

necessários para ajudar a transformá-la” (p. 76), afirmando ainda que “a democratização do

conhecimento do território, das suas dinâmicas mais variadas é uma condição central do

desenvolvimento” (p. 81).

Para Compiani (no prelo), precisamos, no campo da educação, testar “novas

compreensões sobre lugar e ambiente para a formação de cidadãos participativos nos rumos

desse desafio que é olhar, compreender, participar com e para o planeta como um todo em seu

movimento histórico” (p. 8).

Finalmente, concordamos com Trein (2012) que a leitura crítica da realidade nos ajuda

a esclarecer as relações sociais mercantilizadas e alienantes que atravessam a organização

hegemônica da sociedade. Com isso, entendemos que “incorporar a dimensão ambiental na

educação é expressar o caráter político, social e histórico que configura a relação que os seres

humanos estabelecem com a natureza mediada pelo trabalho” (p. 316).

No documento Educação ambiental e o uso de agrotóxicos (páginas 138-143)