• Nenhum resultado encontrado

Apresentação da primeira entrevista: Sujeito C

4. EDUCADORES DE GUAPIARA: O USO INTENSIVO DE AGROTÓXICOS E A

4.3 Apresentação da primeira entrevista: Sujeito C

No início da entrevista com o Sujeito C

,

pedimos que ela fale um pouco a respeito de

sua origem e trajetória, com relação aos pais, irmãos, local de nascimento e ambiente familiar,

descrevendo esse ambiente, fatos marcantes, costume e seu grau de instrução. Ela começa seu

relato:

Quando eu nasci, meu pai morava numa propriedade. Ele plantava com outras pessoas, e ai quando eu nasci... de fato, quando eu nasci, ele mudou lá pra onde a gente mora agora. Eu já fui... eu fui direto pra lá e de lá eu não saí. Faz vinte e cinco anos que eu moro naquela propriedade. Quando meu pai foi morar lá, o sítio era do meu avô [...] meu pai trabalhava na agricultura mesmo. Plantava muito tomate... foi aonde ele ganhou muito dinheiro

na época [...] ele sempre trabalhou muito na roça, lavoura, e sempre foi convencional, e como é. Orgânico é algo novo. Não deveria, mas é.

Seu dia-a-dia na zona rural é relembrado no trecho que segue.

Eu cresci nesse meio. Meu pai tinha pêssego, e plantava muitas coisas... tomate, pimentão, couve-flor, repolho, vagem, ervilha, acelga, de tudo, sabe? E chegava na safra do pêssego, era pauleira, né... até uma hora da manhã, pra no outro dia acordar cedo e vir pra escola. Eu estudava aqui, nessa escola, de manhã. Eu sei que a gente cresceu trabalhando na roça.

Em suas lembranças está presente o quanto ela, por diversas vezes, sentia-se confusa

em relação ao futuro, quando diz:

Eu era revoltada com aquilo lá, sabe? Porque eu não entendia... eu não entendia o sentido de nada, sabe? Eu via as coisas e falavam ‘tem que carpir’. Eu falava ‘ah, aquele serviço? Ai não acredito... mas tá bom’, e eu ia. Quando eu cheguei no terceiro colegial [...] eu já tava muito preocupada com o que que eu ia ser, porque sempre quando você tá finalizando o ensino médio vem aquilo na sua cabeça... o que que você vai fazer da vida, né? Vai continuar nessa vida dura? O que que cê vai fazer? Eu já imaginava na minha cabeça... gente, tem que ter uma solução, não pode ser desse jeito as coisas, tem que ter outras alternativas. Só que também não conhecia muito de nada, né? Conhecia aquele mundinho fechado ali, não tinha nem coragem de ir sozinha na cidade, era assim.

Depois de um tempo realizando alguns cursos técnicos e um curso preparatório para

vestibular, ingressou na universidade no curso de Engenharia Agronômica, estando entre os

vinte primeiro colocados de seu curso, garantiu a ela uma grande satisfação e alegria, como

pode ser observado quando a entrevistada comenta:

Eu passei em vigésimo quarto lugar [...] Ele é um curso diferenciado. Ele tem ênfase em Agroecologia e Sistemas Rurais Sustentáveis, então a gente tem algumas disciplinas diferenciadas da grade normal de Agronomia, né, o que pra nós é muito rico. A gente aprende aquilo da agricultura convencional, mais as técnicas.

A entrevistada relata o papel da família, especialmente de seu pai na sua formação e

tomadas de decisão e ainda sua própria influência nas decisões tomadas pela família em

relação ao manejo da propriedade. Vejamos:

Eu falo pra você... meu pai, quando ele viu o nosso desinteresse pelo serviço da roça, ele falou o seguinte: ‘você e o Rogério [irmão do sujeito] plantam uma lavoura pra vocês. [...] Ele deu muito apoio e muita educação. Ele sempre falou ‘estude’. Quando a gente falava assim ‘ai pai, tô querendo fazer um curso técnico’, ele falava ‘vá’. Quando eu falava ‘ai pai, não sei se vou fazer uma faculdade assim tão longe’, ele falava ‘vá’. Quando eu tava lá em Haras [local onde ela realizou o curso preparatório para vestibular], passando por apuros, eu falei assim pra ele ‘pai, eu não agüento mais ficar aqui’. Ele me falou assim ‘você vai ficar aí ou vai voltar aqui? A enxada sua tá encostadinha ali’. Ou seja, fique ai, é o seu futuro, então, ele deu muita força. Ele deu muita força pra mim.

Perguntamos quais são os fatos e influências marcantes na atividade que a entrevistada

desenvolve atualmente. Pedimos que ela nos aponte as dificuldades e os limites encontrados

assim como seus objetivos, metas, sonhos e frustrações. Sua resposta está transcrita no trecho

que segue.

Como eu cresci na agricultura [...], eu pude perceber a dificuldade que era dos produtores, muitas vezes, não de produzir, mas de vender seu produto. Eu comecei a me preocupar com isso, né? E aí como meu foco também era o leite, que eu sempre gostei muito de animais, inclusive me afeiçoei muito com a produção leiteira... achei que era uma coisa que se encaixava muito bem pra nossa região, né? Tinha um movimento aí pra uma associação de leite, e eu comecei participar desde o começo. Aí deu certo, a associação aconteceu, veio muita verba parlamentar e institucional [...] Surgiu aí a necessidade de se criar uma cooperativa, pensando em

comercialização, que foi aonde o pessoal pediu que se incluísse agricultura, porque era uma necessidade maior. Então, eu ajudei a fundar a cooperativa, que é a Cooperativa Agroleite... agricultura e leite, né?

Só que agora, a cooperativa já tá andando, né, e começou a aparecer alguns interesses [...] Então, eu acho que a pessoa que acredita nas coisas, ela tem que ser muito firme, pra poder expulsar essas pessoas, entendeu? Eu, hoje, eu tô meio frágil, porque... eu saí da assistência porque meu estágio venceu e mudou a gestão, mudou o apoio, mudou muita coisa no município, né?

Quando questionada sobre o envolvimento dos produtores e uma possível falta de

estímulo entre eles, a entrevistada comenta:

Aqui no município mesmo, tem uma Cooperativa que sempre teve a mesma liderança... sempre teve... nunca mudou. E você fala ‘é desinteresse dos produtores?’. Eu tive uma experiência aqui que não é. O pessoal, quandose tem alguma coisa, eles participam, sim. Eles participam [...] a maioria dos agricultores, realmente, eles tem as fraquezas deles, só que o maior sentimento deles é a desestimulação. Eles são desestimulados. Porque tudo o que eles fazem é muito bem feito. Eles usam muito esforço físico. Eles têm muito custo. Se você vêo tanto de gasto... o dinheiro que passa pela mão do agricultor, e só passa, é bastante. Agora, o que fica com ele... esse, muitas vezes, não fica nada... e muitas vezes fica em débito. Então, essa que era a questão. Essa que era a minha vontade... de trabalhar isso, pra ver como que isso seria mudado, como que dá pra mudar.

Na sequência, perguntamos à entrevistada se ela tem como objetivo desenvolver

trabalhos relacionados a cooperativas, ou de outra natureza, em sua comunidade. Em sua

resposta, a entrevistada relata seus sonhos e expectativas:

O meu sonho hoje é poder melhorar a vida das pessoas. E o meu sonho maior é poder melhorar o município nosso aqui. Eu sei que o nosso município, ele é noventa por cento zona rural. A zona rural que movimenta a cidade. Não adianta trazer para cá fábricas. Isso aqui não resolve o problema aqui. O que resolve o problema do nosso município é melhorar a agricultura, melhorar a pecuária... é isso que resolve, e é isso o meu sonho! É na minha carreira aí de agrônoma, que eu possa trazer pelo menos um pouquinho de mudança pra vida das pessoas, pra vida dos agricultores. Sabe, a minha alegria é quando o agricultor compra ai alguma coisa e leva pra sua casa, porque aí você vê que a vida tá melhorando.

A entrevistada considera que um processo contínuo de mudanças possivelmente

melhore o quadro atual em que se encontra a agricultura. Essa percepção fica clara no trecho a

seguir:

Você vê que tem muita coisa errada... a maneira de trabalhar, quanto dinheiro eles jogam fora com produto, com manejo errado... e não é por maldade, é por falta de conhecimento, entendeu? Então... eu sei que a mudança, ela é lenta. Ela é aos poucos. E você só consegue mudar alguma coisa quando você ganha a confiança, quando essa mudança é contínua. Uma assistência técnica um ano não resolve o problema, dois anos não resolve o problema, mas por quê? Porque a mudança é lenta.

Pode-se observar, portanto, que a entrevistada considera que informações e exemplos

podem ajudar na mudança das práticas agrícolas do local, como pode ser ainda observado no

trecho a seguir:

Você vai conseguir fazer ele mudar pro orgânico se você chegar e falar assim, ‘viu, tem um produto assim, assim, assado, se o senhor fizer desse jeito... ele é natural, ele funciona’. O cara, no desespero vai e passa, e vê que soluciona. Você vai mudando [...] Eu acredito no orgânico, nessa transição, eu acredito muito. Só que eu sei que o processo é muito lento, é passo de formiga, e se não começar, não chega lá. E eu acho assim, o agricultor não tem que ser burro. Ele tem que ser um cara instruído. Ele tem que saber das coisas. Não tem porque os técnicos esconderem a verdade do agricultor. Ele não é funcionário, ele é patrão. Ele é patrão dele mesmo.

Perguntamos à entrevistada que motivos a levaram aos envolvimentos políticos e lutas

pela melhoria de sua comunidade. O relato de suas experiências e crenças relacionadas a essa

questão pode ser acompanhado:

Quando você começa a passar pelos lugares, vê a situação das pessoas, as pessoas reclamando... ninguém reclama quando tá feliz, isso eu falo... ninguém reclama quando tá feliz... então você vê aquelas pessoas desestimuladas, e eu penso ‘caramba, é a região que eu amo, é o município que eu... Eu não troco esse município por nada, eu já falo pra todo mundo, isso aqui é minha terra, é minha raiz isso aqui.

A minha vontade é que isso aqui melhore. Aí, quando você passa pelas casas das pessoas, que você vê aquela situação... muitas vezes as pessoas jogando lixo, né? [...] então você vê a falta de conhecimento, a falta de cultura [...] eu falo assim que o acadêmico mostrou pra mim o porquê das coisas. De que adianta eu saber o porquê das coisas pra mim? [...] A pessoa pode não me ouvir, mas eu tentei falar, então eu acho que isso... eu acho que não é nem... quando você começa a ligar o profissional, com o moral, com o ético, com sentimento, com real... até, falar bem a verdade, com o Deus que a gente tem dentro da gente... você começa a juntar as coisas, a ver pra que você tá aqui. Porque que eu tô aqui? Eu não tô aqui pra nada. Eu tenho uma missão, senão eu tava em outro lugar, né?

Voltando a discutir os problemas relacionados à agricultura na região a entrevistada

identifica que os atravessadores são hoje um dos grandes problemas da agricultura. Além

deles, os produtores e vendedores de agrotóxicos. Em relação a isso, ela diz que:

Hoje você tem os atravessadores, que são o pessoal que compra. O maior problema da agricultura hoje tá sendo isso. Eles estão ficando com o maior lucro. Esse é o segundo maior problema, porque o primeiro são as lojas. As lojas de produto agroquímico são as piores. Eles, os caras que vão na roça vender produto, eles não querem saber se o cara tem uma vida, eles querem saber se o cara tem dinheiro [...] Isso pra mim não serve! Se eu não puder ajudar, eu não quero atrapalhar. Agora, você pegar ali uma receita de bolo? A agricultura não é assim. A vida não é assim, e você tá trabalhando com vida. Como que você vai passar uma receita de bolo? Como que você vai passar... prescrever o receituário, se você nem conhece o paciente. Você não sabe solo, você não sabe o que o cara fez. Não, mas eu tenho que vender [...] Isso pra mim não serve. Não é a profissão que eu quero exercer, sabe?

Quando indagada a respeito do uso de agrotóxicos nas lavouras da região, a

entrevistada inicialmente aborda o “pacote agroquímico” usualmente comercializado

:

Então, pra mim, é o pacote, É o pacote tecnológico que veio... e como é algo mais fácil, ele foi tomando espaço. Eu acho que foi... eu vejo esse uso, não só de agrotóxico, como da maquinização da mão de obra, que foi enganação do agricultor [...] Na época que aquilo foi inserido, pode até ter dado resultado, porque você trabalhava ali... se você pegar o milho crioulo e o milho híbrido, você vai ver a diferença no tamanho, a diferença na polinização... mas o que que isso causa? Qual que é essa consequência? E aí que foi acontecendo a desilusão das pessoas, o êxodo rural... e é o pacote que tá aqui agora. É um pacote que você compra. Você vai na loja e compra. Você tá com algum problema, você vai lá e compra, Não precisa você ir lá na loja, o cara vai lá na sua casa e enfia “guela abaixo” um monte de coisa pra você.

Quanto indagada se, em sua opinião, as condições em relação ao uso de agrotóxico

tem melhorado, a entrevistada é enfática ao dizer que

Tá piorando [...] tá piorando a resistência de pragas. Não tem produto que pegue determinada praga, determinada doença. O que tá surgindo pra controlar? Controle biológico [...] A realidade é isso que a gente falou... é o capitalismo que toma conta e que avança e assim vai. Então, hoje a agricultura tá capitalizada, você pode dizer, tá capitalizada. A terra é uma fabrica de produzir... não é alimento... é produto... porque quando você vende o alimento e você sabe que uma pessoa vai comer, ele não tinha que ter colocado o veneno lá. É veneno! Tem uma caveira lá! É veneno! E aí, o cara que passa, tem veneno no sangue. O cara que come tem veneno no sangue. Essa é a realidade, né? Então... é um abuso assim, sabe? [...] O agrotóxico tá aumentando, porque não funciona mais. Aquelas pragas já estão com resistência, aí vem o pacotão, e daí porque que o cara vai vender um negócio eficiente? Vai resolver o problema, aí não vai precisar comprar mais.

Em seguida perguntamos se a entrevistada conhece algum programa de Educação

Ambiental no município que aborde a questão do uso de agrotóxicos na lavoura e solicitamos

que ela, caso não conheça nenhuma iniciativa dessa natureza, nos diga se vê possibilidade de

que venha a ser implantado. A entrevistada não responde diretamente nesse primeiro

momento, mas explicita sua crença de que a Educação tem um importante papel a cumprir,

como pode ser acompanhado no texto que segue:

Olha, eu acho assim... seja qual linha você quer seguir de conhecimento, a educação é a fonte, né? Seja reciclagem, seja meio ambiente, seja uso de produtos, a fonte é a educação. Seja educação de agricultor, seja educação na escola. Eu acho que projetos na escola tem muito mais rendimento [...] Agora, se você não tiver um trabalho nas escolas, se não tiver um projeto com os agricultores... eu acho assim, uma coisa que eu acredito muito... área experimental! Acho que se você fizer um treinamento, com propriedades modelo, pra ver o negócio andar, as coisas funcionam mais.

Eu acredito que o uso de agrotóxicos... como eu falei pra você, eu não falo assim pro cara ‘vai produzir orgânico’, porque tem também umas controvérsias do mundo dos orgânicos, você entendeu? Mas eu acho assim [...] se ele começar a pensar, começar a entender [...] Então, eu acredito que se tiver um treinamento, sei lá, alguma coisa voltada, direcionada, é o caminho.

Insistimos perguntando se a entrevistada acredita que a Educação Ambiental possa ser

um caminho para a formação política e construção da cidadania, ao que ela responde:

Olha, eu só não acho que é possível, como eu tenho certeza, porque na nossa associação eu pude participar de um encontro cultural aqui no centro cultural do bairro dos Motas [...] Tem que dar palestra e uma trilha. E você identifica ali, através de umas pessoas que participam [...] o envolvimento dessas pessoas [...] Eu acho que o caminho tem que ser na escola, né? Tem que ser com as crianças, os adolescentes, os jovens, adultos de EJA. A pessoa vai na escola pra buscar o conhecimento, não é verdade? Ele confia... você confia no professor que tá ali, você confia no palestrante, você confia no diretor, então, aí a hora que o jovem, que é quem vai assumir um negócio, começa a tomar gosto pela coisa, começam a surgir as mudanças. Ele começa a incentivar, aí o pai também vê o filho participando dessas coisas e fala ‘não é que esse tal de meio ambiente é um negócio legal?’, não é verdade?

Quando novamente indagada sobre a existência de projetos relacionados ao uso de

agrotóxicos, na região, a entrevistada diz

:

Não tem nada. Olha, pra você ter uma noção, aqui quem faz palestras de EPI’s, que é o equipamento de proteção, é a loja. A intenção é vender o produto, não é que o cara se proteja. Quem deveria fazer essa palestra é a Saúde! É a Secretaria de Saúde do município! Tinha que ir lá, fazer uma palestra, orientar... tinha que fazer um acompanhamento, tinha que ter fiscalização, se o cara tá usando ou não tá.

Finalizamos a entrevista perguntando se teria mais alguma coisa que ela gostaria de

questionar ou destacar. As considerações finais, da entrevistada podem ser acompanhadas no

texto que segue:

Eu não sei quanto ao seu trabalho mesmo, com relação ao uso de agrotóxicos, se eu pude contribuir, porque é uma preocupação. Eu tô me formando em Agronomia, né? Faltam mais três módulos pra eu terminar o meu curso, e eu tenho essa preocupação. Eu sempre tô lendo os produtos que o meu pai tá usando. Às vezes ele não me escuta, mas eu quero saber. Eu sei que eles só vão parar de usar agrotóxico, de usar produto químico, no momento em que eles olharem a base. E o que é a base? O solo e a água. É fato isso. Então, quando eles começarem a fazer análise de solo... é caro quarenta reais? Fica muito mais caro você comprar um vidro de veneno... duzentos e cinquenta (reais), que tem 50 ml... isso é fato. Tem um tomate, o tomate-cereja que é o sweetgrape, é impossível você comprar semente. Um pouquinho de semente sai mais de mil reais. Parece que é um real por semente, é caso sério. Por que isso, né? O que tá acontecendo com essa agricultura? O que tá acontecendo com a agricultura, que é o que mata a fome? [...] Mas quanto aos agrotóxicos, eu vejo assim... pra

acontecer as mudanças, tem que vir da base. A orientação, a educação ambiental, ela é o veículo. Um veículo de orientação. A base do negócio se chama planejamento, e ninguém planeja nada.