Entre as ocupações de maior risco para a saúde humana nos dias de hoje, podemos
identificar aquelas relacionadas ao trabalho agrícola. Vários são os riscos ocupacionais
relacionados a esse trabalho, porém as intoxicações agudas e doenças crônicas causadas por
produtos químicos têm ganhado destaque, assim como os problemas ambientais devido ao
intenso uso de agrotóxicos (FARIA et al., 2007).
O impacto ocasionado sobre a saúde humana vem sendo tratado como uma das
prioridades da comunidade científica em todo o planeta, principalmente nos países em
desenvolvimento, onde tais produtos são ainda mais utilizados na produção agrícola (PERES
et al., 2005).
A tecnologia de síntese de compostos orgânicos desenvolvida durante a Segunda Guerra
Mundial e a consolidação tecnológica da chamada agricultura moderna foram fundamentais
para o desenvolvimento da indústria mundial de agrotóxicos. O padrão agrícola que foi
estabelecido no pós-guerra resulta da estreita relação entre a agricultura moderna intensiva e a
utilização desses produtos (SPADOTTO et al., 2004).
As propriedades inseticidas do DDT (dicloro-difenil-tricloroetano), um marco de transição
nas técnicas de controle fitossanitário, foram descobertas em 1939. As primeiras amostras
desse produto chegaram ao Brasil no ano de 1943 (SPADOTTO et al., 2004).
Quando, em 1962, Rachel Carson lança o livro “Primavera Silenciosa”, sua mensagem era
diretamente dirigida para o uso sem discriminação desse organoclorado, que surgiu como
pesticida universal, tornando-se o mais amplamente utilizado dos novos pesticidas sintéticos,
sem que seus efeitos ambientais tivessem sido estudados. Com a publicação dessa obra, teve
continuidade através dos anos 60, o debate público sobre agrotóxicos, sendo proibidas ou
alteradas algumas das substâncias listadas pela autora (ALMEIDA, 2009).
Desde o início da chamada “revolução verde”, na década de 1950, foram observadas
grandes mudanças no processo do trabalho agrícola (MOREIRA et al., 2002), e após 1975, as
principais empresas fabricantes de agrotóxicos começaram a instalar-se em nosso país,
apresentando assim o mercado brasileiro de agrotóxicos, um crescimento significativo,
fazendo com que o Brasil estivesse desde meados dos anos 1970 entre os maiores
consumidores de agrotóxicos do mundo (TERRA; PELAEZ, 2009).
Novas tecnologias, baseadas principalmente no uso extensivo de agentes químicos
surgiram para o controle de doenças, aumento da produção de alimentos e proteção contra
pragas e insetos. Infelizmente, tais facilidades não vieram acompanhadas de programas de
qualificação da força de trabalho – com destaque aqui para os países em desenvolvimento –
causando às comunidades rurais um conjunto de riscos até então desconhecidos (MOREIRA
et al., 2002).
A política de modernização da agricultura, com o estímulo à indústria dos chamados
defensivos agrícolas no país, deixou de lado a capacitação e treinamento do agricultor, que se
viu diante de novos pacotes tecnológicos de difícil execução. Com isso, a utilização
inadequada desses produtos trouxe prejuízos que vão muito além do campo econômico e
alcança a dimensão social (SOARES et al., 2005).
Segundo Peres et al. (2007), diversos fatores são determinantes para o aumento do
impacto que o uso indiscriminado de agrotóxico causa, sendo eles:
a) o baixo nível de escolaridade; b) a falta de uma política de acompanhamento/aconselhamento técnico mais eficiente; c) as práticas exploratórias de propaganda e venda, por parte das indústrias produtoras e centros distribuidores de agrotóxicos; d) o desconhecimento de técnicas alternativas e eficientes de cultivo; e) a pouca atenção dada ao descarte de rejeitos e embalagens; f) a utilização/exposição continuada dos agrotóxicos; g) o teor eminentemente técnico do material informativo disponível às populações rurais; h) as dificuldades de comunicação entre técnicos e agricultores; i) ausência de iniciativas governamentais eficientes para prover assistência técnica continuada aos trabalhadores rurais; e j) a falta de estratégias governamentais eficientes para o controle da venda de agrotóxicos (PERES, et al., 2007, p. 4).
Com a pouca atenção dedicada pelos governos a esses problemas, já que seus esforços
normalmente concentram-se na resolução de problemas políticos e/ou econômicos, cada vez
mais os agricultores - a maioria sem preparo e assistência – tornam-se responsáveispor uma
elevada produção agrícola que faz uso crescente de agrotóxicos e fertilizantes.
Esse uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil, e em outros países da América Latina,
nos traz como dados níveis severos de poluição ambiental e intoxicação humana, geradas
principalmente pelo desconhecimento, por parte dos agricultores, dos riscos a que são
expostos, fazendo com que negligenciem normas básicas de saúde e segurança (PERES et al.,
2007).
Cerca de 20% do mercado mundial de agrotóxicos está relacionado às vendas aos países
emergentes. Entre eles, o Brasil aparece em destaque como o maior mercado individual –
35% do montante – equivalente a um mercado de 1,1 bilhão de dólares (PERES et al., 2001).
Dados da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF) indicam ainda que o
país é o quinto maior consumidor mundial de pesticidas e maior produtor e consumidor de
agrotóxicos do terceiro mundo.
Com o aumento no consumo de agrotóxicos no país, foi na década de 1970 que a
legislação envolvendo o uso desses produtos foi atualizada, através de diversas portarias,
entre elas as que tratam de questões como: registro de empresas prestadoras de serviços
fitossanitários (Portaria n° 429, de 14/10/1974), rotulagem dos produtos (Portaria n° 220, de
14/03/1979) e implantação do receituário agronômico (Portaria n° 007, de 13/01/1981).
Posteriormente entra em vigor a Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802, de 11 de julho de 1989) e
sua regulamentação (Decreto n° 98.816, 11 janeiro de 1990) (SOARES et al., 2005).
De acordo com essa lei, os agrotóxicos são:
os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos (Art. 2; § 1, item a).
Segundo Andrade (1995), essa lei
dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, o destino final das embalagens e dos resíduos, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (ANDRADE, 1995, p. 39).
Porém, apesar da abrangência da legislação brasileira, a intoxicação em trabalhadores
rurais é bastante frequente em nosso país (SOARES, et al., 2005).
Estudos que se dedicaram a avaliar a exposição ocupacional e ambiental a agrotóxicos no
Brasil mostraram índices de intoxicação entre 3% e 23% das populações estudadas (PERES et
al., 2007). No ano de 1997, foram notificados no país 7.506 casos de intoxicação por
agrotóxicos, equivalendo a aproximadamente 10% de todos os casos de intoxicação
registrados. Estimativas do Ministério da Saúde ainda indicam que, para cada registro de
intoxicação por agrotóxicos notificado, há outros 50 não notificados, o que aumentaria esse
número para 365.300 casos/ano (PERES et al., 2001).
Diversos fatores podem explicar o elevado número de casos de subnotificação das
intoxicações por agrotóxicos, principalmente as ocorridas em áreas rurais brasileiras. Entre
eles, a falta de hospitais, centros e postos de saúde na área rural, obriga os trabalhadores rurais
a percorrerem longas distâncias para conseguirem assistência médica, dificultando assim o
pronto-atendimento dos casos de intoxicação nas comunidades agrícolas (OLIVEIRA-
SILVA; MEYER, 2003).
De acordo com Peres et al. (2009), podem ser apontados diversos complicadores, “de
ordem metodológica, analítica e estrutural, que contribuem para a imprecisão dos dados
disponíveis sobre intoxicações em todo o mundo, acarretando na consolidação de verdadeiras
barreiras às iniciativas de intervenção e ao processo de formulação e implementação de
políticas públicas específicas” (p. 2).
Com exceção de grandes exportadores, a agricultura próxima aos grandes centros possui
características de atividade familiar de pequeno porte, em que adultos e crianças realizam o
trabalho. Com isso, crianças e jovens também estão sujeitos às contaminações, o que torna
esse problema ainda mais preocupante, pois pouco se sabe ainda dos verdadeiros riscos de
exposição continuada a esses compostos, alguns até mesmo suspeitos de apresentarem
atividade carcinogênica ou hormonal (MOREIRA et al., 2002).
Para Faria et al. (2007), apesar do crescimento da pesquisa brasileira sobre o impacto do
uso de agrotóxicos sobre a saúde humana nos últimos anos, os dados ainda não são suficientes
para conhecermos “a extensão da carga química de exposição ocupacional e a dimensão dos
danos à saúde, decorrentes do uso intensivo de agrotóxicos” (p. 26). Considera-se assim, a
importância da abordagem desse tema, uma vez que é considerada a dimensão e a diversidade
dos grupos expostos, tais como trabalhadores da agropecuária, saúde pública, empresas
desinsetizadoras, indústrias de pesticidas e do transporte e comércio de produtos
agropecuários.
1.2 Definição, Classificação e Descarte de Embalagens
No Brasil, várias controvérsias têm marcado a adoção dos termos “defensivos agrícolas”,
“produtos fitossanitários”, “pesticidas”, “biocidas” e “agrotóxicos”. Em nosso país, a
utilização do termo “agrotóxico”, em vez de “defensivo agrícola” passou a denominar os
venenos agrícolas após grande mobilização civil, evidenciando-se a toxicidade desses
produtos ao meio ambiente e à saúde humana. O termo foi adotado e definido na Legislação
Brasileira: Lei 7.802/89 e Decretos 98.816/90 e 4.074/2002 (ALMEIDA, 2009; SPADOTTO
et al., 2004).
Segundo Alves e Oliveira-Silva (2003), esses produtos podem ser classificados com base
em seu efeito, tais como desfolhantes, repelentes, dissecantes, inseticidas, herbicidas (no
organismo-alvo), ou em sua estrutura química, como piretróides, atrazinas, organofosforados,
organoclorados, ou ainda em seu mecanismo de ação tóxica, como anticolinesterásicos,
anticoagulantes etc. e na toxicidade.
A classificação baseada na toxicidade é obtida a partir da DL50 (dose necessária para
provocar a morte de 50% no número de animais submetidos ao protocolo experimental).
Conforme DL50 por via oral ou dérmica, os agrotóxicos classificam-se em quatro classes,
sendo: classe I (extremamente tóxico), classe II (muito tóxicos), classe III (moderadamente
tóxicos) e classe IV (pouco tóxicos) (FARIA et al., 2007), conforme mostra o Quadro 1.
Quadro 1 – Classificação toxicológica dos agrotóxicos
Classe toxicológica
Descrição
Faixa indicativa de cor
I
Extremamente tóxicos
Vermelho vivo
II
Muito tóxicos
Amarelo intenso
III
Moderadamente tóxicos
Azul intenso
IV
Pouco tóxicos
Verde intenso
Fonte: Adaptado de Embrapa (2003).