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A relação entre o paradigma qualitativo e a área da LA

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 88-92)

5 Metodologia

5.1 A relação entre o paradigma qualitativo e a área da LA

Esta pesquisa adota uma perspectiva bakhtiniana do sujeito como histórico, responsivo, posicionado, social, criado e caracterizado por esse social, pelo processo de interação verbal o qual preenche de material semiótico (signos) a consciência individual (Bakhtin diz que a consciência se constrói através do preenchimento desta de signos por meio do processo interativo entre consciências individuais), que entra em interação com outras consciências para se constituir. E sua singularidade reside justamente em razão de cada ser humano ser único, de cada um ter experiências e vivências diferentes dos outros, opiniões diferentes, anseios diversos, histórias de vida singulares, etc.

Não seria possível executar uma pesquisa desta natureza sem ter por plano de fundo uma concepção de sujeito, portanto explicitamos a que tomamos aqui para situar o posicionamento adotado. Tal posicionamento tem implicações diretas nos modos de fazer pesquisa. É caro à Linguística Aplicada pensar o sujeito como algo que “não fica calado”, não calar as vozes dos sujeitos participantes, atentando para “a visão dos participantes do mundo social caso se pretenda investigá-lo” (Moita Lopes, 1994, p. 331). Ao se fazer pesquisa em Ciências Humanas ou sociais, pretende-se produzir conhecimento sobre o sujeito, o homem, que não é mudo nem morto e por isso o conhecimento produzido é dialógico, ou seja, há pelo menos dois sujeitos: o que analisa e o analisado. Sempre o objeto das Ciências Humanas é o texto produzido por um sujeito, texto este que apresenta uma visão de mundo, um universo de valores. Dessa forma, trabalha-se com a significação, com a compreensão, na interação.

Fazendo uma ponte com a pesquisa em LA defendida por diversos linguistas aplicados, a LA caracteriza-se como:

Uma área de produção de conhecimento que pretende assumir como objeto de estudo privilegiado a linguagem verbal em uso em práticas sociais que se realizam em contextos institucionais demarcados, nas esferas públicas e privadas, em universos discursivos, os mais diversos. (Oliveira, 2010, p. 3)

Como área do conhecimento voltada para a vida, a concepção de sujeito que subsidia seus modos de fazer pesquisa deve considerar as singularidades e as histórias de vida e contextos sociais em que tais sujeitos vivem e agem, não os reduzindos a dados estatísticos voltados para cor, raça, sexo, entre outras categorias massificantes, que apagam as peculiaridades. Isso por se entender a língua como prática social, o que faz com que se abra um leque de pontos a serem relevantes, tais como posicionamentos frente ao mundo por parte dos sujeitos organizados socialmente.

Dessa forma, os modos de fazer pesquisa da LA visam dar respostas ao mundo da vida, ao social de maneira a dar voz às minorias (maiorias) e servindo de força centrífuga para que venham à tona discursos abafados pelos discursos dominantes, questionando questões cristalizadas. Afinal, pesquisar é um ato político. Político pelo fato de a pesquisa ter consequências e carregar questões ideológicas que podem colaborar com a perpetuação de discursos dominadores ou combatê-los. Moita Lopes (2006), dessa forma, discorre sobre essa questão ao dizer que:

[...] todo conhecimento vem de algum lugar. Politizar o ato de pesquisar e pensar alternativas para a vida social são parte intrínseca dos novos modos de teorizar e fazer LA. Assim, a LA necessita da teorização que considera a centralidade das questões sociopolíticas e da linguagem na constituição da vida social e pessoal. (p. 22)

O autor afirma ainda que:

Assim, a problemática que se apresenta como desafio para a contemporaneidade, como aponta Milton Santos (2004), Kinhide Mushakoji (1999), Boaventura de Souza Santos (2004), SlabojZizek (2004), entre outros é: como podemos criar inteligibilidade sobre a vida contemporânea ao produzir conhecimento, ao mesmo tempo, colaborar para que se abram alternativas sociais com base nas e com as vozes dos que estão à margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres homoeróticos, mulheres e homens em situação de dificuldades sociais e outros, ainda que eu os entenda como amálgamas identitárias e não de forma essencializada. (p. 86)

Desta forma, pesquisar em LA não é apenas criar conhecimentos para ficarem presos nos muros das universidades e dos centros de pesquisa, mas uma maneira de agir no social ao tentar entendê-lo e mudá-lo. Assim, busca-se quebrar as barreiras impostas entre teoria e prática, tendo em vista que a LA é uma área aplicada e não de aplicação. Busca questões que digam ao social, como diz Rojo (2006) em trabalho:

A questão é: não se trata de qualquer problema definido teoricamente -, mas de problemas com relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida, num sentido ecológico. (p. 258)

Dada a complexidade do objeto de estudos da Linguística Aplicada, é necessário que haja um arcabouço teórico-metodológico por trás de cunho interdisciplinar ou transdisciplinar2. Não há como se prender a apenas um eixo teórico quando se lida com o humano, até mesmo em razão das áreas das humanidades e das ciências sociais compartilharem o mesmo objeto de investigação: o texto. Não há como pensar em LA preso a apenas uma área do conhecimento, é preciso ampliar o olhar sobre o objeto para dar conta dele. Portanto,

É assim que a LA precisa dialogar com teorias que têm levado a uma profunda reconsideração dos modos de produzir conhecimento em ciências sociais (cf. Signorini, 1998b), na tentativa de compreender nossos tempos e de abrir espaço para visões alternativas ou para ouvir outras vozes que possam revigorar nossa vida social ou vê-la compreendida por outras histórias. (MOITA LOPES, 2006, p. 23)

Sob esse viés interdisciplinar/transdisciplinar é que se pauta a pesquisa a ser aqui desenvolvida tendo em vista que não é possível realizá-la fora desses moldes. Pretende- se, então, investigar a maneira pela qual o axiológico colabora para a construção do riso, já que o riso que aparece no gênero em questão se constitui de linguagem, através do embate entre enunciações que circulam no social. Sendo assim, o objeto de investigação desta pesquisa são as relações dialógicas que carregam o axiológico, uma vez que o

2

Não nos deteremos neste trabalho a discutir sobre as definições e diferenças entre transdisciplinaridade e interdisciplinaridade.

gênero charge apresenta natureza altamente marcada pelo viés axiológico, tendo por finalidade agir no social por meio da linguagem verbal e visual com posicionamento claramente explicitado. Compreende-se o papel do axiológico como fundante para esse riso, o qual é bastante peculiar em relação a outros gêneros discursivos, como a tirinha, e o cartum, por exemplo.

Investiga-se, desta forma, a linguagem sob o ângulo do axiológico e de sua manifestação – o riso – de maneira a tentar compreender essa manifestação de linguagem que ocorre na charge e está no mundo social, agindo em larga escala nos meios de comunicação, seja através da internet, por conta dos inúmeros sites que veiculam esse texto, seja por meio do jornal, por ser um gênero genuinamente jornalístico, ou mesmo pela televisão, uma vez que alguns programas trazem-na em quadros.

Assim, a pesquisa aqui apresentada enquadra-se na área da Linguística Aplicada por investigar uma manifestação da linguagem no social para que se construa entendimento acerca de um uso linguístico em particular. Para a realização deste trabalho, é imprescindível que se faça o diálogo entre diversas áreas do conhecimento, entre elas a Sociologia, História, Linguística, Filosofia, entre outras. E a partir da própria natureza do objeto de pesquisa, adotamos uma abordagem qualitativa de investigação, recomendada para os modos de produção do conhecimento da LA. Sobre isso, Moita Lopes (1994) nos indica que há uma clara preferência em LA pela pesquisa qualitativa:

[...] subjaz uma clara preferência pela investigação de natureza interpretativista, que me parece mais adequada para tratar dos fatos com que o linguista aplicado se depara, além de ser mais enriquecedora por permitir revelar conhecimentos de natureza diferente devido ao seu enfoque inovador. (p. 332)

Essa pesquisa está voltada para os valores, para a interpretação, para os sentidos, sendo extremamente produtiva no campo das humanidades e das Ciências Sociais. Quem nos discorre um pouco sobre esse tipo de pesquisa é Pádua

Com o desenvolvimento das investigações nas ciências humanas, as chamadas pesquisas qualitativas procuraram consolidar procedimentos que pudessem superar os limites das análises meramente quantitativas. A partir dos pressupostos estabelecidos pelo método dialético e também apoiadas em bases fenomenológicas,

pode-se dizer que as pesquisas qualitativas têm se preocupado com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração as motivações, crenças, valores, representações sociais, que permeiam a rede de relações sociais. (p. 34)

Desta forma, as Ciências Humanas estão em uma escala diferente da em que estão as Ciências Naturais. Enquanto a primeira está disposta à investigação dos acontecimentos sob a perspectiva dos sentidos, dos valores, dos porquês, a segunda se propõe a produzir um conhecimento das causas.

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 88-92)