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A concepção de enunciado concreto

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 65-74)

Bakhtin (1998) reflete sobre a linguagem como dialógica ao dizer que que

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar com ele, de uma interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico, isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que pode dela se afastar. (BAKHTIN, 1998, p. 88)

Vemos já no trecho supracitado que o dialogismo não é algo criado para explicar a linguagem, mas uma propriedade inerente à própria língua, a sua direção natural. Essa dinâmica de um dizer encontrar o dizer do outro e não estar isento de se chocar com este faz com que a linguagem esteja em constante inter- relação e contínuo embate entre os diversos dizeres, movimentando a língua em direção a uma dinamicidade que se apresenta na obra do Círculo de Bakhtin por meio do diálogo. Entenda-se o discurso como “a língua em sua integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 2010, p 207). O conceito de diálogo aparece na obra de Volochinov/Bakhtin intitulada “Marxismo e filosofia da linguagem” no capítulo seis, “A interação verbal”, de Mikhail Bakhtin. Na primeira obra, os autores pontuam que

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação

verbal. Mas pode-se compreende ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (2010, p. 127)

Faraco (2009) afirma que os membros do Círculo não são estudiosos do diálogo no sentido estrito, não interessa o estudo da forma do diálogo, mas, a exemplo da dinâmica do diálogo estrito, pensar a linguagem em sentido amplo, uma vez que, em sentido estrito, o diálogo sempre se volta para um outro, para a possível resposta desse outro, nosso dizer entra em contato direto com o dizer de outrem com quem se interage. O diálogo pode se estabelecer entre pessoas, entre períodos históricos díspares, entre seres que nunca se viram, entre ser e obra literária, enfim, numa dimensão macro. Assim,

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é o objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores, etc.). [...] assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2010, p. 128)

Desta forma, o diálogo é visto, segundo Stafuzza (2010, p. 236) como uma compreensão da linguagem verbal, um princípio inerente, sendo não apenas um conceito adotado pelo Círculo, mas um traço característico que perpassa todo seu pensamento, sua produção, sua arquitetônica, [...] sua postura e sua visão de mundo.

Como a linguagem nasce e vive no seio da sociedade por meio do fenômeno da interação, nessa concepção afirma-se que a enunciação, o todo do momento comunicativo que engloba participantes, razão da comunicação, lugar e tempo, entre outros aspectos, é fruto dessa interação entre subjetividades, entre consciências individuais que entram em confronto a todo momento. Essa interação entre consciências é que faz com que a linguagem aconteça

efetivamente, porém para entrar nessa interação o falante sempre projeta seu público, que pode ser substituído por um representante médio do grupo social ao qual pertence o outro. A palavra sempre se dirige a alguém. Volochinov/Bakhtin indicam que

Na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito. (2010, p. 116)

Deste modo, ao fazermos uso da linguagem verbal, além de estarmos respondendo a diversos enunciados que circulam no social, ainda damos resposta à época na qual estamos inseridos, aqui entramos na questão temporal da linguagem. Como já foi dito, toda palavra tem seu tempo e passa por um certo “exame” de legitimidade dado pelas esferas de criação ideológica, por sua autorização. Estamos presos ao tempo, às crenças em que ele nos mergulha, à forma de enxergar a vida que ele nos oferece, no entanto, obviamente, não estamos amarrados a ele de maneira a não podermos nos libertar, a prova são os grandes gênios da humanidade que conseguiram libertar-se de seu tempo para vislumbrar um futuro. Contudo, até mesmo para romper com o tempo tem de se estar ligado a ele de alguma forma. Os rompimentos, as confirmações, as objeções mesmo não intencionais são respostas que damos ao horizonte social. Portanto, esse direcionamento eterno da minha palavra para um outro é apresentado da seguinte maneira:

Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas fazes. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia- se sobre o meu interlocutor. A palavra é território comum do locutor e do interlocutor. (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2010, p. 117)

Por isso, a língua é um fator extremamente social, porque nasce da necessidade de relacionamento entre os homens, a natureza social destes é o motor para a linguagem.

A linguagem penetra nas atividades humanas e ela se torna tão múltipla quanto essas atividades. E para que a vida entre na linguagem e faça com que ela esteja presente em diversas atividades humanas, é necessário que o produto linguístico torne-se enunciado, pois “a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente por meio de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2011, p. 285). Diferentemente da oração, o enunciado é uma propriedade não reiterável da língua pelo fato de ser um evento único, pois ele abrange muito mais que as propriedades formais da língua, abarca o momento imediato de produção linguística, o momento amplo, os participantes, o objetivo, a intencionalidade, entre outros não exigidos pela oração, que se limita a aspectos formais. Por todos esses aspectos é que o enunciado é irrepetível. Mesmo que se deseje repetir um enunciado, usando-se a mesma sequência linguística, no mesmo local, com os mesmos participantes, em uma simulação perfeita, ainda assim não conseguiremos repetir um enunciado pelo fato de ser um outro momento, um segundo momento, com intenção diversa do enunciado original, não se pode voltar no tempo e se repetir acontecimentos. Desta maneira, o enunciado basta apenas à língua

Como sua encarnação discursiva individualizada, mas também ao plurilinguismo, tornando-se seu participante ativo. Esta participação ativa de cada enunciado define para o plurilinguismo vivo o seu aspecto linguístico e o estilo da enunciação. (BAKHTIN, 1998, p. 82) Como se pode observar no fragmento acima, a relação entre enunciação e plurilinguismo é estreita por ser no meio do plurilinguismo em diálogo que floresce o enunciado. Ela nasce no seio do diálogo para responder a outros enunciados e surge já prenhe de resposta, apontando para os futuros enunciados. Por isso, cada enunciado constitui um pedaço da infinita corrente da comunicação verbal. Então,

Qualquer enunciação, por mais significativa e complexa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, á literatura, ao

conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua em todas as direções, de um grupo social determinado. (VOLOCHINOV/ BAKHTIN, 2010, p. 128) [Grifos do autor]

Assim, é que as respostas podem romper a barreira do tempo e do espaço, entrando em diálogo com enunciados que até mesmo nem sabemos que foram produzidos e nem conhecemos seu produtores. É essa cadeia da comunicação verbal que une todos os enunciados em um imenso elo de relações entre enunciados, entrando em embate entre si de diversas maneiras: discordando, refutando, confirmando, reforçando, questionando, etc. Portanto,

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. Ele também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua réplica, e não sabe de que lado ele se aproxima desse objeto. (BAKHTIN, 1998, p. 86)

As relações dialógicas é que dão dinamicidade à linguagem, como Bakhtin nos explica

Assim, as relações dialógicas são extralinguísticas. Ao mesmo tempo, porém, não podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da língua como fenômeno integral concreto. A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.), está impregnada de relações dialógicas. (2010, p. 209)

Do trecho supracitado podemos observar algumas propriedades do enunciado de natureza geral. Ao longo de toda a obra bakhtiniana, deparamo-nos com o entrelaçamento conceitual devido a um conceito estar intimamente ligado a outro para então o funcionamento linguístico ser efetivo. Entre tudo o que falamos até agora – língua, ideologia, signo, forças centrípetas e centrífugas, dialogismo, plurilinguismo, enunciado, relações dialógicas – e do que ainda

vamos falar – axiologia, vozes, carnaval, carnavalização e cosmovisão carnavalesca – há uma interconexão que é o todo da linguagem.

Sabendo que o emprego da língua se dá por meio de enunciados concretos, vivos e irrepetíveis, ocorre que eles refletem as condições e objetivos de um dado campo por meio de seu estilo, conteúdo e composição, as três propriedades básicas de qualquer enunciado, e que por sua produção e finalidade alguns enunciados acabam se estabilizando e fazendo surgir os gêneros do discurso, que são tipos relativamente estáveis de enunciados. Os gêneros discursivos, então, dividem-se em primários e secundários, sendo os primeiros criados nas situações de interação mais imediata e de pouca complexidade e os segundos são frutos de interações de maior elaboração e formalidade em situações mais complexas. A respeito disso, Bakhtin aponta que

Os gêneros discursivos secundários [...] surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado [...]. No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. (2011, p. 263)

Desta forma, vemos que a divisão estabelecida por Bakhtin (2011) entre gêneros primários e secundários é apenas parcial, pois há um elo entre eles de maneira a um ser, muitas vezes, a complexificação do outro, a gênese do outro e até mesmo “engolido” por outro, como se dá o exemplo da carta que entra no romance, perdendo seu vínculo com a vida e passando a participar organicamente do romance. Sobre o aparecimento de um gênero, o filósofo russo nos explica que

Uma determinada função [...] e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. (2011, p. 266)

Em razão dos gêneros surgirem a partir das necessidades comunicativas presentes em dadas esferas da comunicação verbal, a todo momento gêneros nascem e morrem constantemente, novas necessidades comunicativas surgem e outras desaparecem e aqui reside a incontabilidade de gêneros. E, assim como a

linguagem, os gêneros modificam-se ao longo do tempo a fim de atender às necessidades de comunicação e interação, porém ele guarda resquícios de sua origem. Bakhtin (2010), sobre isso, observa que

O gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica. É verdade que nele essa archaica só se conserva graças à sua permanente renovação, vale dizer, graças à sua atualização. O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é o novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento [...] e em cada obra individual de um dado gênero. Nisso consiste a vida do gênero. Por isso, não é morta nem a archaica que se conserva no gênero: ela é eternamente viva, ou seja, é uma archaica com capacidade de renovar-se. O gênero vive do presente, mas sempre recorda o seu passado, o seu começo. (p. 121)

É necessário saber que oração e enunciado são diferentes. Enquanto o primeiro está ligado a aspectos formais da língua como sistema, o segundo está ligado à vida da linguagem. Oração não tem sujeitos que interagem, momento histórico especificado, objetivo real, é uma unidade puramente abstrata e mensurável, ao contrário do enunciado que não é passível de mensuração e altamente pautado em uma situação concreta de linguagem.

Um aspecto do enunciado é ele sempre ser finito, ter limites precisos, ter um início e um fim plenamente identificáveis. Isso não quer dizer que ele termine em um ponto e fim. O enunciado é finito, porém o diálogo dele com outros é infinito. Assim, “Os limites de cada enunciado concreto como unidade da comunicação discursiva são definidos pela alternância dos sujeitos do discurso, ou seja, pela alternância dos falantes” (BAKHTIN, 2011, p. 275) e a finitude do enunciado possibilita a réplica e a progressão dialógica da linguagem, levando em consideração que a dinamicidade está na resposta de um enunciado a outro. E para que o ouvinte/leitor possa responder a qualquer enunciado, é necessário que ele o compreenda para, então, formular sua resposta, pois

[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. (BAKHTIN, 2011, p. 261)

Nessa perspectiva, compreender é responder, colocar-se perante um enunciado, toda compreensão, portanto, é ativa, exige uma resposta mesmo que esta não seja imediata ou no momento desejado, que possa vir em um momento totalmente inesperado e muito posterior à produção do enunciado solicitante. A capacidade de resposta, de se tomar uma postura responsiva frente ao dito é um dos critérios de conclusibilidade do enunciado. A completude do enunciado também está ligada à exauribilidade do objeto. É um tipo de exauribilidade temporária, ao passo que

O objeto é objetivamente inexaurível, mas ao se tornar tema do enunciado (por exemplo, um trabalho científico) ele ganha uma relativa conclusibilidade em determinadas condições, em certa situação do problema, em um dado material, em determinados objetivos colocados pelo autor, isto é, já no âmbito de uma idéia definida pelo autor. (BAKHTIN, 2011, p. 281)

Outra peculiaridade do enunciado é o elemento expressivo, o que revela o sujeito discursivo. Tal elemento é definido por Bakhtin (2011) como “a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e o sentido do seu enunciado” (p. 289) e diz-nos ainda que

Nos diferentes campos da comunicação discursiva, o elemento expressivo tem significado vário e grau vário de força, mas ele existe em toda parte: um enunciado absolutamente neutro é impossível. A relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. (p. 289)

A entonação expressiva é explicitada pelo estilo do enunciado, como lemos na citação acima, é por causa da entonação expressiva que ocorre a escolha dos elementos lexicais e gramaticais e tal seleção está na órbita do estilo. É a subjetividade do sujeito despontando na linguagem e tratando-a no momento de produção. É por meio da entonação expressiva que floresce o acento valorativo, orientação semântico-argumentativa, nos enunciados, tendo em vista que a entonação é a parcela subjetiva que molda o acento de valor sobre o mundo expresso pela linguagem. Também há o tom que pode ser de alegria ou

mais respeitoso, mais frio ou mais caloroso, etc. Ainda quanto ao tom, Bakhtin (2011) aponta que

Em cada época, em cada círculo social, em cada micromundo familiar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive, sempre existem enunciados investidos de autoridade que dão o tom, como as obras de arte, ciência, jornalismo político, nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citam, imitam, seguem. (p. 294)

Em razão de o enunciado ter todos esses elementos e a oração não, há ainda outro diferencial entre ambos. Dada a singularidade do enunciado e seu apoio na situação, o sentido é concreto, ou seja, um sentido criado dentro das condições enunciativas que não se reitera, diferentemente da oração que tem significado. Notifiquemos brevemente a questão do sentido e do significado para o Círculo de Bakhtin.

Volochinov/Bakhtin (2010) destinam um capítulo para a investigação da questão entre sentido e significado, o capítulo sete, intitulado “Tema e significação na língua”. Teóricos divulgadores da obra bakhtiniana têm compreendido “tema” como sentido.

O capítulo se inicia com a ressalva de que o problema do sentido é um dos mais difíceis da Linguística e que apenas uma teoria da compreensão ativa pode dar meios para investigar o sentido linguístico. Os autores afirmam que uma das propriedades do enunciado é seu sentido único e definido, sendo único e irreiterável e apresentando-se como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem ao enunciado (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2010, p. 133). Sobre isso, os autores dão o seguinte exemplo:

A enunciação: “que horas são?” tem um sentido diferente cada vez que é usada e também, consequentemente, na nossa terminologia, um outro tema, que depende da situação histórica concreta (histórica, numa escala microscópica) em que é pronunciada e da qual constitui na verdade um elemento.

A enunciação, portanto, é o constituidor do tema (sentido), pois, como o próprio exemplo mostra, a cada situação de interação verbal um novo sentido é criado e por isso é tão concreto como o instante histórico ao qual pertence, sendo

apenas possível pela enunciação em sua completude, como fenômeno histórico. Além do tema, a enunciação também apresenta significação, entendida como os elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos. A diferença básica entre significado e sentido é que o primeiro é o aparato técnico para a realização do tema e o segundo é a reação da consciência em devir ao ser em devir (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2010, p. 134). Não há como traçar os limites definidos entre significado e sentido

Bem entendido, é impossível traçar uma fronteira mecânica absoluta entre a significação e o tema. Não há tema sem significação, e vice- versa. Além disso, é impossível designar a significação de uma palavra isolada (por exemplo, no processo de ensinar uma língua estrangeira) sem fazer dela o elemento de um tema, isto é, sem construir uma enunciação, um “exemplo”. Por outro lado, o tema deve apoiar-se sobre uma certa estabilidade da significação; caso contrário, ele poderia perder seu elo com que precede e o que segue, ou seja, ele perderia, em suma, o seu sentido.

Os estudiosos da linguagem do Círculo de Bakhtin afirmam que apenas a compreensão ativa permite apreender o sentido, devido a este ser construído entre sujeitos responsivos e que a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união dos sujeitos. Por fim,

Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido objetivo, de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há palavra. (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2010, p. 137)

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 65-74)