• Nenhum resultado encontrado

Considerações finais

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 140-146)

Este trabalho teve por objetivo investigar a construção axiológica do riso no gênero discursivo charge. Por meio da análise e interpretação de elementos verbo- visuais e do cronotopo de cada charge em particular, buscamos fazer um estudo axiológico da charge. Observamos nas análises que o axiológico é elemento primordial no texto chargístico, auxiliando em todos os seus aspectos – seu projeto de dizer, o riso que emerge do gênero, a crítica que se constrói. O riso, em especial, está imbricado com a crítica, reforçando-a e a singularizando em razão da maioria dos gêneros argumentativos coabitarem na esfera do sério. É o posicionamento que leva o leitor ao riso, à emissão do ponto de vista. E para que o riso surja é necessário que o leitor entre no jogo construído pela charge, alie-se com o ponto de vista defendido, caso contrário, haverá um estranhamento axiológico e, por conseguinte, o riso não ocorrerá. A relação riso e axiologia na charge, portanto, é imprescindível.

Os argumentos são construídos por meio de elementos visuais e verbais que servem ao acento de valor que se quer emitir, sob uma base risível, tendo em vista que o riso aparece na charge como resultado do axiológico, isto é, dos valores que por ela são repassados. Assim, o posicionamento e o riso andam de mãos dadas no enunciado chargístico de modo a um auxiliar o outro e alcançarem o projeto de dizer. Tanto o posicionamento se constitui por um aspecto risível quanto este ganha contornos pelos valores. Há, então, uma relação cíclica entre ambos em que um reforça e delineia o outro. É sob o signo do risível que a crítica aparece e ganha contornos. É por meio da crítica que o riso ganha contornos axiológicos. Assim, juntos eles formam uma unidade no texto chárgico e o singularizam enquanto humor axiológico.

Um aspecto que se revelou nas charges analisadas foi o uso de elementos da cosmovisão carnavalesca, principalmente, o princípio do rebaixamento de figuras importantes e intocáveis em um contexto sério. O rebaixamento fez com que fosse possível a crítica a personalidades ilustres do cenário nacional e as recobre, enquanto enunciado a mais a ser produzido, tendo-os como heróis, com acento valorativo, podendo ele ser negativo ou positivo. Na maioria das charges, essa característica se apresenta e pode ser considerada como elemento importante para a emissão do acento de valor ao lado da alegre relatividade do mundo, uma vez que ambos propiciam a efetivação da crítica. Não se poderia explicitar a opinião da maneira como é feita caso

não houvesse a alegre relatividade, por ela propiciar que o ponto de vista seja expresso em um contexto não sério e, assim, não seja encarado como ofensa nos moldes oficias. Esse elemento permite que a crítica seja mais severa, porém, concomitantemente, ameniza o poder da retaliação que possa vir.

Outro aspecto que se revelou na investigação empreendida foi o de que o riso nas charges necessita de abertura para sua emergência. Ao longo da pesquisa houve grandes questionamentos em se tratando do riso na charge, se realmente ele seria uma característica do texto chárgico, se ele efetivamente aparece nas charges com constância, se ele não é um fator individual que depende mais do sujeito leitor do que do texto em si ou se o enunciado chargístico já traz em sua constituição o gérmen do risível pronto para florescer mediante um leitor colaborativo e disposto a jogar o jogo ideológico proposto pela charge. A conclusão a que chegamos é que há uma predisposição do texto para levar o leitor ao riso, no entanto, como tudo em linguagem é dialógico, o seu surgimento brota da interação entre charge, sujeito e sociedade: à primeira caberia fornecer os traços que serviriam de dispositivos para o aparecimento do fenômeno, indicando caminhos, por meio do verbal e do imagético, que sirvam de preâmbulo para a gênese do risível; o segundo teria de abrir mão parcialmente de seu arcabouço valorativo para entrar na dinâmica chargística e, então, compreender as estratégias utilizadas e seguir as pistas dadas, alcançando o riso; o terceiro seria o gerador dos índices de valor que entrarão em embate e despontarão nas diversas manifestações linguísticas, também na charge, servindo de palco para a explicitação dos diferentes pontos de vista que retornam seus olhares à própria sociedade, julgando-a, refletindo-a, repensando-a.

Por fim, retomemos as questões de pesquisa apresentadas no início desta pesquisa para discuti-las. A questão principal indaga sobre a contribuição do axiológico na construção do riso na charge, que pode ser percebida pelo reconhecimento de que o riso tem sua gênese no embate axiológico existente em cada enunciado chargístico analisado, porém não apenas nele, mas em qualquer enunciado que se origine. Nesse caso, especificamente, verificamos que é o trabalho com os valores que se realiza nas charges o motivador do riso e, como já foi comentado, para que ele apareça é necessário um “acordo axiológico” entre charge e sujeito leitor. As outras três questões versam, respectivamente, acerca da relação entre riso e acento de valor, os acentos do valor na constituição da charge e as relações dialógicas entre charge e enunciados outros. Dessa

forma, riso e acento de valor andam de mãos dadas na charge em razão de um auxiliar o outro, pois o acento de valor impresso sobre a figura presidencial e outras de importância no contexto político nacional jamais poderia ser colocado sem o plano de fundo do riso e este não apareceria caso os acentos não fossem trabalhados sob o signo do risível. Assim, temos uma relação de interdependência entre os dois. Os acentos de valor entram na construção da charge por duas vias: do objetivo do texto chargístico (tendo em vista pretender lançar ponto de vista sobre uma temática que está na mídia) e pela natureza axiológica que todo enunciado produzido traz consigo (uma vez que é pelo enunciado que se moldam e explicitam os acentos de valor). Sendo assim, o axiológico é fundamental para a articulação dos elementos que no enunciado chargístico se apresentam. Quanto às relações dialógicas, estas são de fundamental importância para a construção de sentidos por sua gênese estar no diálogo intencional com outros enunciados circulantes na mídia e, portanto, no social. É sendo mais um a recobrir um objeto que está sendo o assunto do momento que a charge entra na corrente dialógica e trava embate com diversos outros enunciados.

Portanto, charge, relações dialógicas, axiologia e riso caminham juntos para constituir o projeto de dizer nesse gênero que visa mais do que ser mais um entre tantos a expressar ponto de vista sobre algo, mas servir de reflexo daquilo que se concebe, gesta, nasce e desenvolve no seio da sociedade, exteriorizando os acentos de valor e delineando os pontos de vista emitidos pela diversidade de indivíduos socialmente organizados.

Referências bibliográficas

ALVES, M. P. C. O cronotopo da sala de aula e os gêneros discursivos. In: Signótica, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 305-322, jul./dez. 2012. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/sig/index. Acesso em 15/01/2013.

AMORIM, M. a contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemologia. In: FREITAS, M. T.; JOBIM e SOUZA; KRAMER, S. (Orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. ______. Cronotopo e Exotopia. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.

ARAGÃO JÚNIOR, O. C. A reconstrução gráfica de um candidato: como os chargistas perceberam a mudança de imagem de Luis Inácio Lula da Silva. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

_______. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

_______. Marxismo e filosofia da linguagem. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. _______. Problemas da poética de Dostoiévski. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

_______. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

_______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998.

______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.

BERNARDI, R. M. Rabelais e a sensação carnavalesca do mundo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009.

BOHN, H. I. As exigências da pós-modernidade sobre a pesquisa em linguística no Brasil. In: FREIRE, M. M.; ABRAHÃO, M. H. V.; BARCELOS, A. M. F. (Orgs.). Linguística aplicada e contemporaneidade. São Paulo: Pontes, 2005.

BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009. ______ (Org.). Bakhtin e o círculo. São Paulo: Contexto, 2009.

______ (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.

CAVALCANTI, M. C. Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008a.

CAVALCANTI, M. C. C. Multimodalidade e argumentação na charge. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, 2008b.

COELHO, N. N. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Moderna, 2000.

D’ATHAYDE, E. M. Entre o dizer e o não-dizer: a charge política e a relação com o silêncio. Dissertação de mestrado. Universidade Católica de Pelotas, 2010.

EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. 4. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (Org.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

FERREIRA, E. G. Charge: uma abordagem parodística da realidade. Dissertação de mestrado. Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, 2006.

FREITAS, M. T. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, M. T.; JOBIM e SOUZA; KRAMER, S. (Orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. GEGE (Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso). Palavras e contrapalavras: glossariando conceitos, categorias e noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro e João Editores, 2009.

HALL, S. Para Allon White: metáforas de transformação. In: _______. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

JOBIM e SOUZA. Dialogismo e alteridade na utilização da imagem técnica em pesquisa acadêmica: questões éticas e metodológicas. In: FREITAS, M. T.; JOBIM e SOUZA; KRAMER, S. (Orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

MAGALHÃES, H. M. G. Aprendendo com humor. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2010.

MAZZOTI, A. J. A.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira, 1998.

MINOIS, G. História do riso e do escárnio. São Paulo: Editora da UNESP, 2003. MIRANDA, H. S. C. Entre a crítica e o humor: a influência dialógica, polifônica e carnavalizada das charges jornalísticas de Angeli na Folha de São Paulo. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, 2010.

MIRANDA, V. C. O grotesco midiático: estratégias de imagem nas charges de imprensa. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Maria, 2009.

MOITA LOPES, L. P. Pesquisa interpretativista em Linguística Aplicada: a linguagem como condição de solução. DELTA, Vol. 10, Nº 2, 1994.

______. Uma linguística aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. Por uma linguística aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008.

______. Linguística aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008.

NEIVA JÚNIOR, E. A imagem. São Paulo: Ática, 1986. Série Princípios.

OLIVEIRA, M. B. F. Considerações em torno da linguística aplicada e do ensino de

língua materna. Disponível em:

www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero3/arquivos/Maria_Bernadete_CONSIDERAÇÕES_ EM_TORNO_DA_RELAÇÃO_DA_LINGUISTICA_APLICADA_E_O_ENSINO_DE _LINGUA_MATERNA.pdf. Acesso em 13/04/2010.

PÁDUA, E. M. M. Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática. 6. ed. ___: Papirus, ___.

PONZIO, A. A revolução bakhtiniana. São Paulo: Contexto, 2009. POSSENTI. S. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2010. RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2010.

_____. Faces do humor: uma aproximação entre piadas e tiras. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2011.

_____. Humor nos quadrinhos. In: RAMOS, P.; VERGUEIRO, W. (Orgs.). Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009.

______; VERGUEIRO, W. Os quadrinhos (oficialmente) na escola: dos PCN ao PNBE. In: RAMOS, P.; VERGUEIRO, W. (Orgs.). Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009.

ROJO, R. H. R. Fazer linguística aplicada em perspectiva sócio-histórica: privação sofrida e leveza de pensamento. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008.

SILVA. A intencionalidade discursiva: estratégias de humor crítico usadas na produção de charges políticas. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Minas, 2008.

SKINNER, Q. Hobbes e a teoria clássica do riso. RS: Unisinos, 2002.

VERGUEIRO, W. Uso das HQs no ensino. In: VERGUEIRO, W.; Rama, A. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

______. A linguagem dos quadrinhos: uma “alfabetização” necessária. In: VERGUEIRO, W.; RAMA, A. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

VIEIRA, J. Novas perspectivas para o texto: uma visão multissemiótica. In: ____; et al. Reflexões sobre a Língua Portuguesa: uma abordagem multimodal. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

ZENI, L. Literatura em quadrinhos. In: RAMOS, P.; VERGUEIRO, W. (Orgs.). Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009.

No documento Uma visão axiológica do riso na charge (páginas 140-146)