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CAPÍTULO IV OLHARES PARA AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

4.2 PROJETOS RELACIONADOS À CULTURA E À LÍNGUA POLONESA

4.3.2 A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E LÍNGUA POLONESA

Não há como tratar do projeto de ensino de polonês oferecido pela igreja sem falar do vínculo entre a língua polonesa e a religião católica. Como já vimos, P3 afirmou que, entre os motivos que o levam a estudar a língua polonesa, está a Igreja Santo Estanislau. Mas como se dá essa relação?

Primeiramente, é necessário que voltemos ao modo como o curso foi concebido. Perguntamos a P1: De que modo se começou a pensar na necessidade de um curso de língua polonesa oferecido pela igreja?”. A resposta dessa participante já começa a nos dar indícios de como as ações de agentes de políticas linguísticas que nascem da própria comunidade, ou seja, in vivo, são responsáveis em grande parte pela manutenção do uso da língua polonesa.

Ainda na Polônia, em 2004, meu marido e eu conhecemos o padre [P2]. Fizemos uma promessa de que, se fôssemos morar no Brasil, passaríamos, ou seja, divulgaríamos nossa língua e cultura polonesa no Brasil. Agora estamos cumprindo essa promessa em Itaiópolis. (P1. Entrevista realizada em maio de 2014).

É importante frisar que, diferentemente dos demais participantes, P1 é nativa da Polônia, afirmando que valoriza muito seu idioma – uma variedade de polonês falado na Polônia - e, justamente por isso, decidiu lecionar em Itaiópolis, local onde “mora grande comunidade polonesa”. Percebemos, com isso, que esse projeto é, em muito, movido por concepções individuais e de um pequeno grupo que, por motivações até afetivas, busca desempenhar um papel importante na manutenção do uso da língua. É importante que destaquemos que a participante diz valorizar o seu idioma, porém, como veremos, o polonês falado por ela, que é nativa da Polônia, em muitos aspectos se difere do português da comunidade. Além disso, não podemos deixar de olhar para os dados da entrevista dessa participante tendo em vista que essa não pertence à comunidade polonesa de Itaiópolis.

Também a essa participante, perguntamos: “A instituição religiosa se vê responsável pela manutenção do uso da língua polonesa? Se sim, de que forma? Qual a relação dessa língua com a religião católica nesse contexto?.” Para P1,

A Polônia é um país muito católico e nas paróquias polonesas no exterior a igreja cuida dessa parte. Em Itaiópolis, apesar de funcionar lá a associação que promove a cultura polonesa, haver escolas públicas frequentadas por descendentes, ter a casa da cultura etc, ninguém se preocupa com a língua, o que representa um problema geral no Brasil a respeito do idioma polonês, e que obviamente me deixa muito triste. Estou grata que pelo menos a igreja católica fornece ao povo um pouco da língua. (P1. Entrevista realizada em maio de 2014).

Como pode ser visto no fragmento acima, a participante afirma algo que vai ao encontro do que já discutimos na fundamentação teórica, que diz respeito ao mito do monolinguismo, criado por ações violentas do Estado, como por meio da nacionalização do ensino. Assim, o simples fato de estarmos no Brasil bastaria para justificar um currículo monolíngue que não atende ao contexto a que se destina. Dessa forma, mesmo que haja descendentes de

poloneses em um número expressivo, não há preocupação por parte das escolas em relação ao ensino de língua polonesa50.

Assim, nesse contexto específico, a igreja assumiu a tarefa de não fechar os olhos ao uso das línguas de imigração que é negligenciado por outras instâncias, o que pode ter como motivo o fato de a igreja buscar, por meio dessas ações, manter um vínculo com os descendentes de poloneses, tendo em vista o público que frequenta a igreja. Contudo, como veremos mais adiante, o número de pessoas atingidas pelo projeto acaba por ser muito pequeno haja vista o grande número de descendentes de poloneses, os quais formam um grupo que não é homogêneo.

Sobre essa mesma questão - do vínculo entre religião e língua – por considerarmos a questão da religião como uma das marcas da identidade de nossos participantes, perguntamos a P3: “Qual a relação que você estabelece entre a língua polonesa e a religião católica nesse contexto específico?”. Segundo ela,

A relação da língua polonesa e da religião vem da religiosidade, vem da crença, do povo polonês e até mesmo do papa João Paulo II que mostrou e levou ao mundo a fé e o amor dos poloneses. (P3. Entrevista realizada em junho de 2014).

Apesar de a resposta não ser muito clara, nela temos a vinculação da relação entre língua polonesa e religião a um importante nome polonês, o papa João Paulo II, que, na opinião do participante, é responsável também por uma visão positiva sobre os poloneses, até mesmo internacionalmente, pois é um dos grandes nomes da Polônia e da Igreja Católica. Essa questão da visão positiva sobre os poloneses será abordada na sequência, mas, neste momento, já é importante que vejamos que, para P3, a religião está associada a essa visão mais positiva sobre os poloneses.

50

Tal fato também foi demonstrado em pesquisas anteriores, como no trabalho de conclusão de curso citado na introdução desta dissertação, por meio do qual se percebeu que, nas escolas onde desenvolvemos o trabalho e onde há muitos descendentes de poloneses, não havia nenhum trabalho em relação à cultura polonesa, ucraniana e alemã, bem como em relação a suas respectivas línguas. Esclarecemos que, como veremos neste trabalho, a própria noção de língua de imigração precisa sempre ser repensada quando se propõe um projeto relacionado ao ensino dela.

A questão da religiosidade é bastante presente em toda a história da imigração polonesa e das colônias polonesas, tanto que, como mostramos, umas das prioridades dos imigrantes era a construção de uma igreja. Isso fica evidente, nas memórias de Wachowicz (2002b), o qual afirma que, “embora a prática dos costumes [danças, cantos, pratos típicos, entre outros] trazidos pelos imigrantes tenha-se tornado cada vez mais rara, os descendentes conservaram e procuraram transmitir aos filhos a religiosidade que herdaram dos antepassados”. (WACHOWICZ, 2002b, p. 442).

Essa religiosidade fica bastante evidente durante as aulas de polonês, pois a maioria dos alunos é católica, bem como a professora. Assim, por a igreja disponibilizar a estrutura para que sejam realizadas as aulas e por participar ativamente no processo de ensino da língua polonesa, os alunos também buscam participar de forma mais efetiva dos festejos e das missas da Paróquia. Durante vários momentos, pude presenciar os alunos se esforçando para não errar a pronúncia na leitura dos Salmos que realizam na missa, além de estarem sempre treinando outros hinos em polonês para cantarem na igreja. Um trecho do diário de campo que evidencia isso é: “Decidiram que vão participar da missa do dia das Mães, vão cantar e fazer leitura. Uma das alunas disse: ‘Vamos tentar, vamos mostrar’”. (Diário de campo, 4 de abril de 2014).

Com isso, vemos que, para eles, é muito importante fazer uso dessa língua e mostrar para os demais o que têm aprendido no curso também em função da religião. É imprescindível frisar esse engajamento deles, sempre discutindo o modo como vão se apresentar, cantar etc.

Um momento bastante emblemático que mostrou essa relação entre igreja e manutenção do uso da língua polonesa foi quando houve a Jornada Mundial da Juventude, sobre a qual já falamos anteriormente. Os jovens poloneses participaram da missa junto com os alunos do curso de polonês e, conforme registros do diário de campo, “durante essa missa, houve um momento em que esses jovens foram até o altar levando suas doações para a comunidade: eram livros escritos em polonês para facilitar o aprendizado dos alunos”. (Diário de campo, 13 de julho de 2013).

Essa imagem nos remete a uma das hegemonias de que fala Pinto (2014), pois, além de tratar da questão da unidade linguística, essa nos mostra que, no discurso hegemônico, há uma hierarquia na qual a escrita ocupa um

lugar privilegiado em detrimento da fala. Assim, vemos que a língua polonesa que os alunos deveriam aprender seria aquela que está registrada nos livros poloneses, não a língua polonesa da comunidade, por exemplo. Além disso, a escrita permite uma fixidez que demonstra o que é a língua e o que deve ser, quando é tomada como sinônimo de língua, ou seja, quando não se considera que a língua é formada por diferentes variedades nas quais a modalidade oral também é bastante relevante. Não podemos deixar de considerar o contexto em que isso ocorreu, pois eram poloneses nativos levando a sua língua escrita/fixa, desconsiderando a língua falada pela comunidade, até ao altar, de forma que aqueles livros fossem abençoados e auxiliassem na busca por um domínio de língua que se assemelhe ao dos falantes nativos.

Esses livros, juntamente com outros conseguidos pela professora, formam uma pequena biblioteca organizada pela professora. Segundo P1, “os alunos têm acesso à pequena biblioteca que organizei junto com o padre na paróquia Alto Paraguaçu, podem emprestar e ler os livros poloneses infantis, leituras escolares polonesas e até grandes obras”. (P1, entrevista realizada em maio de 2014).

Esse fato nos remete imediatamente a outro que trouxemos anteriormente, quando tratamos da história da Colônia Lucena, o fato de o Pe. Kominek ter montado, logo no início da fundação da Colônia, uma biblioteca com livros poloneses para que os colonos pudessem tomar emprestado. Vemos, com isso, que, anos depois, a situação, nesse sentido, não mudou muito. A igreja continua como a principal responsável pela manutenção do uso da língua polonesa e pela circulação de materiais que dela façam uso. Somando-se a isso vemos que esse ideal de língua como língua escrita é algo que sempre esteve presente nas tentativas de manutenção do uso da língua polonesa na cidade.

Uma questão a ser ressaltada é a grande receptividade que a pesquisa teve por parte da igreja. Em relação a P2, conforme registrado no diário de campo,

Ele prontamente me atendeu e me solicitou explicações em relação ao projeto. Iniciei falando da missa de que eu havia participado, falando da importância que percebi ser dada às aulas de língua polonesa oferecidas pela Igreja. Falei um pouco do projeto, mais especificamente de políticas linguísticas. Me surpreendi pela atenção

que [P2] deu ao tema e também pelo conhecimento que ele demonstrou ter sobre o tema, discutindo as consequências de políticas linguísticas como as aplicadas por Getúlio Vargas. (Diário de campo, 20 de julho de 2013).

Esse relato referente a uma das conversas que tivemos com P2, padre da comunidade, reforça o papel da igreja nas políticas linguísticas nesse contexto específico, considerando que P2 demonstrou ter conhecimento das consequências das políticas linguísticas repressoras relacionadas às línguas de imigração. Assim, tendo em vista que o curso é fruto das concepções de agentes de políticas linguísticas como P2, podemos ter clareza da relação que pode ser estabelecida entre identidade, língua e religião. Isso porque, como vimos, o curso é realizado nas dependências da igreja, ou seja, a igreja se mobiliza por meio de políticas linguísticas que buscam, nem sempre com êxito, a manutenção da língua polonesa. Por outro lado, há alunos que veem, na igreja e na religiosidade, a motivação para buscarem um maior contato com a língua polonesa, considerando também que a igreja, em sua programação, sempre prioriza que haja momentos em que a língua polonesa seja utilizada, bem como priorizando a vinda de padres que falem polonês à comunidade de Paraguaçu.