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Garibaldi, numa ação violenta de jagunços, na Fazenda são Francisco, em

2.2. CARACTERIZAÇÃO DO COLÉGIO IMPERATRIZ DONA LEOPOLDINA

3.1.1. A relação entre teoria e prática e a concepção de trabalho

Ao tratar da relação teoria-prática, o Movimento considera vários elementos: a necessidade de estabelecer relações entre a vida cotidiana e as questões que aparecem no trabalho, na militância e nas relações em geral com as questões estudadas na escola; o entendimento de que a realidade é ponto de partida e chegada e que precisamos partir do que está próximo para ampliar o conhecimento sobre a mesma; e que devemos perceber a potencialidade pedagógica dos conteúdos para formar pessoas para a transformação social (MST, 2005 a).

Ao anunciar os primeiros princípios pedagógicos, no Dossiê MST Escola165 (2005) há indicativos de uma compreensão dicotômica entre teoria e prática, especialmente no texto que apresenta o segundo princípio que diz respeito à combinação entre processos de ensino e de capacitação, no qual se associa ensino com teoria e capacitação com prática. Mesmo fazendo essa afirmação, não podemos deixar de registrar o alerta feito no mesmo documento, no sentido de esclarecer que como era uma discussão nova, talvez os termos criados não fossem os mais adequados para traduzir o que se pretendia166. Mesmo com esse indicativo de dicotomia, os elementos apresentados também revelam uma compreensão de práxis, que é uma atividade teórico-prática.

Vásquez (1977) nos ajuda a compreender essa questão, pois, ao discutir a relação teoria-prática, indica os limites dos hegelianos e neo- hegelianos e afirma que Marx avançou nesse entendimento, criando uma filosofia da práxis, entendida como atividade real, transformadora do

165

Os textos que compõem o Dossiê foram produzidos entre 1990 e 2001. 166

Percebemos durante todo processo de análise dos documentos que o Movimento está em movimento na questão da proposta curricular e que vai construindo-a com sujeitos dispostos a fazê-lo, mas que nem sempre tem domínio teórico para definir claramente o que se pretende. Há uma mistura de coisas, mas também elementos importantes que expressam, significativamente, onde se pretende chegar em termos de formação humana.

mundo. Assevera ele que Marx, pela primeira vez em 1843, expôs seu pensamento sobre o papel da teoria ao afirmar que “a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas...a teoria se converte em poder material tão logo se apodera das massas...quando se torna radical” (Marx apud VÁSQUEZ, 1977, p. 127). Para o autor, a teoria por si só é inoperante, mas pode se transformar em poder material.

Ao analisar a obra Miséria da Filosofia, percebemos claramente a discussão de Marx sobre a relação teoria-prática ao criticar os hegelianos e também Proudhon, analisando o método que utilizaram. Para rebater a suposta primazia da teoria sobre a prática defendida pelos autores por ele criticados, Marx afirma que “os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com sua produtividade material produzem também os princípios, as ideias, as categorias de acordo com suas relações sociais” (MARX, 2001, p. 98).

Esse entendimento de Marx dá sustentação à discussão feita por Vásquez, que propõe a compreensão da teoria como resultado da ação prática, a superação da dicotomia entre teoria e prática e o entendimento sobre uma unidade entre as duas, compreendendo suas diferenças. Afirma ele que “a atividade prática pressupõe uma ação efetiva sobre o mundo, que tem por resultado uma transformação real deste; a atividade teórica apenas transforma nossa consciência sobre as coisas, mas não as próprias coisas” (VÁSQUEZ, 1977, p. 210). Se há unidade entre teoria e prática, uma depende da outra. A prática é o fundamento da teoria, ou seja, tem papel determinante sobre ela.

Vásquez (1977) afirma que o avanço das forças produtivas e o aperfeiçoamento dos instrumentos de produção criam tarefas teóricas cada vez mais complexas, portanto, o progresso do conhecimento teórico está vinculado às necessidades práticas do homem, mas não se limita a elas. Há uma relação entre a teoria e a prática que existe, mas também entre a teoria e a prática que ainda não existe ou que existe de forma embrionária.

A atividade prática que hoje é fonte da teoria exige, a seu turno, uma prática que ainda não existe e, desse modo, a teoria (projeto de uma prática inexistente) determina a prática real e efetiva. Por outro lado, a teoria que ainda não está posta em relação com a prática, porque de certa maneira se adianta a ela, pode ter essa vinculação posterior. (VÁSQUEZ, 1977, p. 233)

A teoria pode, portanto, segundo Vásquez (1977) se antecipar à prática e influir sobre ela porque tem uma autonomia relativa em relação a ela e também tem uma função prática.

Trouxemos esses elementos discutidos por Vásquez porque percebemos na proposta do Movimento que eles estão, de alguma forma, indicados. Há um entendimento do Movimento sobre a complexidade da tarefa teórico-prática que a luta exige. Por exemplo, ao considerar a prática como ponto de partida e de chegada e a necessidade de se ampliar o conhecimento sobre ela, indicam entender que a prática é o fundamento e que precisamos de uma ação teórica para compreendê- la. Ao afirmar que os princípios são resultado das práticas realizadas ratificam o entendimento de que a prática é o fundamento da teoria. Ao reconhecer a potencialidade pedagógica dos conteúdos para formar pessoas para a transformação social, afirmam de alguma forma o poder material da teoria no processo de construção da consciência para ação na perspectiva da transformação social, indicando também a relação da teoria com uma prática que ainda não existe, pois a proposta de educação defendida pelo Movimento é marcada por uma perspectiva de futuro. Vásquez (1977) salienta nesse sentido que a teoria mais revolucionária ainda é teoria e que só se torna prática ao materializar-se. Como afirmamos no início do capítulo, apesar de perceber que na proposta há a valorização dos dois aspectos (teoria e prática), percebemos que, por causa da necessidade de resolver no imediato as questões postas pela prática, acaba-se dando supremacia à prática em relação à teoria.

A segunda questão, que dá sustentação aos princípios adotados na proposta e está relacionada com a primeira, ou seja, com a relação entre teoria e prática, refere-se à concepção de trabalho adotada pelo Movimento, que tem sido apresentada, no decorrer dos anos, em vários documentos como um dos elementos centrais da proposta. Iniciemos essa análise, lembrando que o quinto princípio pedagógico do Movimento é “educação para e pelo trabalho”. No Dossiê MST Escola (MST, 2005 a, p. 169) afirma-se que é “o trabalho que gera riqueza; que nos identifica como classe; que é capaz de construir novas relações sociais e também novas consciências, tanto coletivas como pessoais”. A seguir, indica-se que a vinculação entre educação e trabalho deve ser entendida em duas dimensões básicas e complementares: a primeira, no sentido de perceber que os processos pedagógicos devem ser organizados também para atender as exigências dos processos produtivos, especialmente no meio rural, explicitando as relações de exploração, buscando superar a dicotomia entre trabalho manual e

intelectual, a segunda no sentido de considerar o trabalho como método pedagógico, ou seja, o trabalho como espaço de aprendizagem de conhecimento, de valores e de relações com vistas à participação nas lutas da classe trabalhadora e à formação da consciência de classe. Nesse sentido, o trabalho precisa ser exercitado concomitantemente e fazendo parte da escola, por exemplo, no cultivo de uma horta, em vivências de cooperativismo, na limpeza e embelezamento da escola.

Também lembremos o sétimo princípio pedagógico que é “vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos”, entendendo-se como processos econômicos “aqueles ligados à produção, distribuição e consumo de bens e serviços” (MST, 2005 a, p. 171). Esse princípio fortalece o quinto, apresentado anteriormente, pois objetiva aproximar os educandos dos processos produtivos. Outro aspecto observado é que, em muitas partes de diferentes documentos, o trabalho está associado à organização coletiva.

Dos documentos que analisamos, o que mais explicita a concepção de trabalho adotada pelo Movimento, foi escrito em 1994 e compõe o Dossiê MST Escola. Entre outros aspectos, o documento traz a polêmica questão do trabalho como princípio educativo e apresenta as razões pelas quais se justifica associar a proposta educacional com o trabalho: primeiro, pela potencialidade pedagógica do trabalho; segundo, porque a escola pode ajudar a tornar o trabalho mais plenamente educativo. A primeira razão está relacionada ao que dissemos anteriormente, ao indicarmos o trabalho como método pedagógico e a segunda com a adoção do trabalho como princípio educativo e vários aspectos são apresentados para explicar tal questão. Considera-se na proposta que o trabalho, em geral, educa porque forma a consciência das pessoas, porque provoca necessidades humanas superiores. Além desses apontamentos, em outras partes do Dossiê há elementos sobre a concepção do trabalho. Na página 24, por exemplo, quando se discute sobre escola e cooperação agrícola, explicita-se uma preocupação no que se refere ao papel da escola no sentido de estabelecer relação entre o ensino e o trabalho coletivo, a tecnologia usada na produção, portanto, da participação da escola na construção do trabalho cooperativo. Na página 29 do Dossiê, isso é retomado e há uma indicação nas linhas políticas de se “ter o trabalho e a organização coletiva como valores educativos fundamentais” (MST, 2005 a, p. 29). Na página 58 do Dossiê, ao se discutir a relação entre o estudo e o trabalho das crianças, novamente se evidencia que o trabalho tem a potencialidade para o estudo e se enfatiza o trabalho realizado no campo.

No PPP também há várias indicações sobre a concepção de trabalho. Na página 24 retoma-se a menção feita no Dossiê sobre o trabalho como princípio educativo. Na página 28, o trabalho é apresentado como atividade que provoca a transformação da natureza e do ser humano e mostra que para refletir sobre isso é preciso ter como ponto de partida a reflexão sobre “as atividades humanas produtivas desenvolvidas pelos povos do campo e da cidade [...], estudar quais atividades os povos do campo desenvolvem e quais atividades agrícolas industriais e de serviços marcam determinadas conjunturas dos países” (RIO BONITO DO IGUAÇU, 2009, p. 28). Na página 29 do PPP, a compreensão do trabalho é ampliada, considerando-o como fator de humanização e desumanização, como determinante para definir a pertença à classe social e indica novamente, como no Dossiê, sua potencialidade pedagógica.

Surge do valor fundamental do trabalho que gera a produção necessária para garantir a qualidade de vida social, identificando os sujeitos como pertencentes à classe trabalhadora. As pessoas se humanizam ou se desumanizam,educam-se ou se deseducam, através do trabalho e das relações sociais que estabelecem entre si no processo de produção material de sua existência. É talvez a dimensão da vida que mais profundamente marca o jeito de ser de cada pessoa.

Pelo trabalho, o educando produz conhecimento cria habilidades e forma sua consciência. O trabalho tem uma potencialidade pedagógica e a escola pode torná-lo educativo, ajudando os sujeitos a perceberem o seu vínculo com as demais dimensões da vida: sua cultura, seus valores, suas posições políticas. Por isso nos desafiamos a estar vinculados ao mundo do trabalho e a educar-se para e pelo trabalho (RIO BONITO DO IGUAÇU, 2009, p. 29).

Nas páginas 31 e 32 do PPP, ao iniciar a explicação sobre o que Vygotsky entende por desenvolvimento e aprendizagem, apresenta-se o entendimento do ser humano como produto do trabalho e o trabalho como a relação de um ser humano com outros seres humanos, com a natureza externa a ele e como processo que modifica o outro, a natureza e a si mesmo.

Podemos perceber nessas indicações, vários elementos sobre a concepção de trabalho que fundamenta a proposta e que destacam pelo menos três aspectos sobre o trabalho: o trabalho como atividade ligada à produção, distribuição e consumo de bens e serviços no interior da sociedade capitalista, mais especificamente ligados às atividades realizadas no campo; como dimensão ontocriativa do ser humano e como possibilidade para o trabalho pedagógico.

Identificamos nos elementos apresentados, a contradição do ser social, no que se refere ao trabalho, entre o reino da liberdade e da necessidade. Como dissemos, nos documentos, há indicação de uma preocupação em preparar pelo trabalho para o trabalho ligado à produção da riqueza, à sobrevivência necessária para se fazer história, ao atendimento das exigências do atual processo produtivo, portanto, indicando o trabalho na esfera da necessidade e, consequentemente, nas atuais relações de produção, de realização do trabalho alienado, de submissão aos processos de exploração da classe que detém os meios de produção. Por outro lado, há elementos que indicam a preocupação num processo de superação dessa condição, no reino da liberdade e o reconhecimento do trabalho e como determinante para definir a pertença à classe social.

Lukács (2009), para explicar tal questão, recorre a Marx e nos lembra que os homens se autocriam como homens por meio do trabalho, “mas que sua história até hoje foi apenas a pré-história da humanidade” (p. 11), e que os homens fazem sua história em circunstâncias não escolhidas por eles. Em relação ao trabalho significa dizer que o ser humano o realiza pautado na necessidade. Tanto o reino da necessidade quanto o da liberdade não são, segundo o autor, dados por natureza, mas produtos da atividade humana. Só atingiremos o reino da liberdade quando o trabalho tiver em si possibilidade de não ser só meio de vida, quando se superar o caráter coercitivo da autoprodução humana. Considera ele que o ser humano pode adquirir sua própria liberdade por sua atuação porque toda sua atividade já contém momento de liberdade. Mészáros (2006) contribui para essa reflexão e entende que o atual modo de produção apresenta três aspectos relevantes: a reificação, o trabalho abstrato e os apetites imaginários, ou seja, “o trabalhador converte-se em mercadoria, realiza um trabalho unilateral, maquinal, satisfazendo suas necessidades até o limite em que contribuem para a acumulação de riqueza” (p. 134-135), portanto, não se realiza a satisfação da necessidade humana, a não ser as necessidades desumanizadoras produzidas no capitalismo. O autor entende que as necessidades parciais da propriedade privada (necessidade de expansão