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PELA TERRA NO PARANÁ

É no terreno da luta social em que aquela oposição (entre grandes proprietários e massa trabalhadora) se manifesta, que a Reforma Agrária deve ser colocada. (PRADO JUNIOR, 1979)

Por entendermos que não há neutralidade no processo educativo, pois ele é definido a partir de interesses sociais, econômicos, étnicos, religiosos, políticos e que, estando inserido na sociedade capitalista, inevitavelmente tem a marca de ‘classe’, construímos esse capítulo com o objetivo de apresentar o processo histórico de ocupação do campo no Paraná, explicitando as forças que estão em luta, do qual emergiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a imigração suábia no distrito de Entre Rios (Guarapuava/PR), processos que deram origem às propostas educacionais/escolares que estão sendo analisadas nessa pesquisa. Esse capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, apresentamos uma contextualização do Paraná, a partir dos anos 1950, pois, os tomamos como ponto de partida para analisar tanto a trajetória do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Paraná, quanto a dos imigrantes suábios do distrito de Entre Rios (Guarapuava/PR). A escolha dos anos 1950 como ponto de partida se deu por dois motivos: a vinda dos suábios para o distrito de Entre Rios ocorreu em 1951 e a criação das Ligas Camponesas (antecessoras do MST no processo de luta pela terra), também nos anos 1950, ainda que os antecedentes do MST estejam presentes também nas anteriores lutas históricas dos trabalhadores do campo. Na segunda parte, fazemos a contextualização histórica dos diferentes movimentos que definiram os fundamentos e os objetivos da proposta do MST para as escolas itinerantes do Paraná e do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina. De um lado, a classe trabalhadora que tenta resistir a esse movimento, mas apesar disso, tem avançado lenta e limitadamente e, por vezes, também absorvendo os imperativos do mercado, porém, sem modificar sua condição de classe, e do outro lado, a classe trabalhadora que incorporou esses imperativos tornando- se, em parte, burguesia agrária. Explicitamos a luta de classes presente no campo, onde as escolas em questão estão inseridas, na intenção de compreender as questões do campo e da educação no/do campo. Esses

movimentos da classe trabalhadora implicam na defesa de um projeto de sociedade que define o projeto de educação proposto por um ou outro sujeito coletivo.

As escolas em questão estão localizadas no estado do Paraná, que tem sido palco de muitas lutas e que, nas últimas décadas, apesar disso, tem apresentado mudanças muito pequenas na estrutura fundiária e as alterações quantitativas indicam o caminho da concentração da propriedade da terra. Segundo o censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2006, o número de estabelecimentos no estado passou, de 1970 a 2006, de 554.488 para 373.238, e a área ocupada pelos mesmos, passou de, 14.625.530 para 17.568.089 hectares, ou seja, houve um aumento na área, mas uma diminuição no número de propriedades. O Paraná foi o estado brasileiro em que mais se diminuiu o número de pessoas ocupadas no campo. Em 1970 eram 1.981.471, passando em 2006 para 1.097.438 de pessoas (dessas, 868.774 com laços de parentesco com o produtor e 228.664, sem laços de parentesco). Quanto à ocupação das áreas, em 2006, 8.090.963 de hectares estavam ocupadas pelas lavouras; 5.735.095 hectares por pastagens e 3.172.889 hectares por matas e florestas.

Esses dados chamam nossa atenção e nos provocam a buscar as raízes desse atual estado de coisas em relação ao campo do Paraná, pois expressam o movimento feito atualmente para reproduzir o capital, provocando uma correlação de forças que expressa o confronto de classes, principalmente, pelo processo de concentração de terras, portanto, de apropriação do principal meio de produção no campo, por uma minoria.

1.1.CORRELAÇÃO DE FORÇAS NA OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO PARANÁ

A ocupação das terras do Paraná expressa o movimento da classe dominante, na busca da expansão das suas propriedades, da produção da riqueza e do seu poder e da classe trabalhadora, na busca da sua reprodução e das condições para tal, em diferentes momentos históricos, que revelam o embate de classes em todos eles. O processo inicial de colonização do Paraná é resultado de um projeto colonizador articulado, principalmente, pelos espanhóis e pela coroa de Portugal, objetivando a expansão dos seus domínios. Isso ocorreu num processo de tensão com os nativos que aqui já estavam instalados e produziam sua vida, que

foram expropriados de suas terras e estas doadas como sesmarias10 aos invasores portugueses. Isso indica que o processo de colonização tem na sua base a constituição do latifúndio. Várias expedições foram organizadas para ocupação das terras do estado. Esse movimento foi lento nos séculos XVI e XVII, mas se intensificou nos séculos XVIII e XIX. Nesse processo, os nativos foram dizimados e escravizados.

No século XIX, também foi intenso no Paraná o processo de escravização dos negros. Num primeiro momento, o que atraiu os invasores foi a descoberta de ouro e a partir dela foram criados os primeiros povoados. A necessidade de transporte levou a outras atividades, especialmente da pecuária e produção de alimentos. A pecuária foi forte, naquele momento, pois exigia menor força-de- trabalho. A partir do século XIX, também ganhou importância a produção de erva-mate, a exploração da madeira, do café e de outros produtos agrícolas (trigo, milho, algodão, soja e outros), bem como o processo de imigração, especialmente de europeus. Nesse período, em 1853, o estado passou a ser Província do Paraná, desvinculando-se de São Paulo. Todo esse processo não foi feito sem conflitos. A apropriação das terras pela classe dominante provocou reação dos nativos, dos escravos negros, dos posseiros, de parte dos imigrantes e outros, portanto, muitos foram os conflitos desencadeados, que não permaneceram nos séculos passados, tiveram sequência no século XX e se prorrogam aos dias atuais (WACHOVICZ, 2001; GOMES, 2009; MARTINS, 1995; BALHANA, MACHADO E WESTPHALEN, 1969).

O processo indicado adentra o período dos fatos e questões que nos propusemos a discutir. Entre os anos 1950 e 196011 os acontecimentos que se desenrolavam no Paraná12 acompanhavam, de

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O tamanho de uma sesmaria era de cinco mil e quatrocentos alqueires (alqueire paulista equivale a 24.200 m²) (GOMES, 2009).

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Entre os anos 1950 e 1960 foram presidentes do Brasil: Getúlio Vargas (1951-1954); Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos terminaram o mandato de Getúlio; Juscelino Kubitscheck de Oliveira (1956-1961), Jânio da Silva Quadros (1961), sucedido por João Goulart (1961-1964); seguidos pelos governos militares de Castelo Branco (1964-1967), Costa e Silva (1967-1969) e Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) (COTRIM,1999).

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Entre 1950 e 1960 tivemos no governo do Paraná: Bento Munhoz da Rocha Netto (1951-1955); Antônio Aníbelle (1955); Adolpho de Oliveira Franco (1955-1956); Moysés Lupion de Troya (1956-1961); Guataçara Borba Carneiro (1961-1961); Ney Aminthas de Barros Braga (1961-1965); Algacyr Guimarães (1965-1966); Paulo Cruz Pimentel (1966-1971) (Relação disponível em http://www.potyguar.com.br/parana/index_arquivos/governadores.htm.).

certa forma, os desencadeados em âmbito nacional. Nesse período, o Estado passou a assumir um papel de destaque na promoção do desenvolvimento econômico e social (PARANÁ, 2002).

Segundo Fonseca (2009), quando Getúlio Dornelles Vargas retornou ao governo brasileiro, para o seu segundo mandato, deparou-se com um novo contexto: de valorização real do cruzeiro e escassez de moedas conversíveis; crescimento da inflação (medida pelo Índice de Preços ao Consumidor do Rio de Janeiro, praticamente triplicara em dois anos: de 3,4% em 1948 para 9,4% em 1950); congelamento do salário mínimo durante todo o governo Dutra; retração do comércio mundial devido à Guerra da Coréia e crise internacional na indústria têxtil de algodão (segundo item da pauta de exportações) e outros. Segundo o autor, na Campanha eleitoral, Vargas defendia a necessidade de crescimento acelerado para o país que deveria estar voltado para a modernização do setor primário e à industrialização, o que exigia investimentos públicos e privados. Esse projeto foi chamado, mais tarde, de Nacional-Desenvolvimentismo. Como Getúlio Vargas morreu antes de terminar o mandato, concluíram o seu período de governo: João Fernandes Campos Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos13. Após esse governo, assumiu Juscelino Kubitscheck, que entrou para a história com o famoso lema “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo”. Segundo Linhares (1990), nesse governo foi feito um plano de metas cujo foco era energia, transporte, indústria pesada e alimentação. Tanto no Governo Vargas (1951-1954) como no governo Juscelino Kubitscheck (1956-1961), havia uma preocupação com o desenvolvimento do país, e, consequentemente, sua modernização, mas sob diferentes perspectivas.

No início dos anos 1960, o debate sobre o desenvolvimento14 do país estava acirrado, mas já vinha dos anos 1950, e havia várias posições sobre o seu encaminhamento. Bielschowski (2004) destaca como elementos importantes dos debates e que provocavam as maiores tensões: intervenção ou não do Estado; submissão às regras do mercado; ênfase na industrialização; modernização da agricultura; absorção de capital estrangeiro e reforma agrária15. Quanto à última questão, o autor, afirma que as diferentes correntes do pensamento econômico

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Governaram o país de agosto de 1954 a janeiro de 1956. 14

Ver Bielschowski (2004) e Fonseca (2004). 15

Para analisar essas questões no que se refere ao Brasil, ver Silva (1971), na obra A Reforma Agrária no Brasil, na qual o autor apresenta elementos sobre o papel da RA no desenvolvimento brasileiro.

posicionavam-se da seguinte forma: a corrente neoliberal era contrária; a desenvolvimentista do setor público (não nacionalista) se omitia; a desenvolvimentista do setor privado defendia uma reforma limitada; a desenvolvimentista do setor público (nacionalista) era favorável e Ignácio Rangel (pensamento independente) defendia a tese da dualidade, considerava que aquele não era o momento, pois o enfrentamento ao imperialismo era mais urgente. A corrente socialista, representada, principalmente, pelos intelectuais do PCB (Partido Comunista Brasileiro), teve papel importante junto às Ligas Camponesas e defendia a Reforma Agrária.

O Paraná se articulava ao projeto de desenvolvimento, proposto pelo governo federal, já nos períodos anteriores, principalmente a partir dos anos 1940, especialmente por meio de vários processos de colonização. Enquanto em âmbito nacional o foco do projeto desenvolvimentista era a industrialização, no Paraná, ao menos num primeiro momento, era a ocupação do território. Nos anos 1950, a “tônica do progresso e do crescimento estava fortemente relacionada ao incentivo da ocupação das terras férteis do norte [...], oeste e sudoeste do estado” (PARANÁ, 2002, p. 18).

É importante percebermos, nesse contexto, que o processo que provocou o movimento da classe trabalhadora em diferentes direções, aparentemente, no Paraná, vai na contramão do que estava acontecendo no Brasil. Porém, uma análise mais atenta permite reconhecer que cada estado, ao encaminhar-se na sua especificidade, contribuiu para um processo mais amplo de reestruturação do capital, que teve consequências humanas desastrosas. É interessante perceber que nesse período, tanto no Brasil, quanto no Paraná, houve uma reorganização da produção também no campo, que se caracterizou, segundo Sorj (1980) pela modernização da produção agrícola; pela concentração das terras nas mãos de poucos; pela integração entre indústria e agricultura, mas num processo de submissão da última à primeira, comandado pelo complexo agroindustrial (liderado pelo capital estrangeiro16); pela ação de um Estado (também controlado pelo capital estrangeiro) que expressa seu caráter de classe, vinculado à classe dominante. Isso gerou uma correlação de forças entre as classes que estavam envolvidas nesse

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Sorj (1980) indica que os maiores empreendimentos agroindustriais que vieram para o Brasil, especialmente nos anos 1970 foram VERAGRO (50% capital estrangeiro); CAMPBELL SOUP (capital estrangeiro); MONTE BELO S.A (40% capital estrangeiro), AGRIVALE (40% capital estrangeiro), CIA DE CIGARROS SOUZA CRUZ S.A (capital estrangeiro).

processo e, conforme o autor (1980, p. 12), “um novo campo de valorização do capital”. Esse processo que expulsou o trabalhador do campo também gerou um exército de reserva na cidade que se submeteu a salários muito baixos, favorecendo a indústria no sentido de produzir mais-valia. Para o autor, também houve a valorização da terra que estava aliada às dificuldades de sustento com a renda no campo, o que provocou a venda dos estabelecimentos menores para os maiores.

De acordo com Magalhães Filho (2006), dos anos 1950 para os 1960 houve um aumento enorme da população do Paraná, que saltou de 2,1 milhões para 4,3 milhões e um dos fatores responsáveis foi justamente o processo migratório, estimulado, principalmente, pelo governo Munhoz da Rocha, apoiado pelo governo Vargas. Gregory (2008) avalia esse aumento, também a partir do entendimento que os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, principalmente a partir dos anos 1940, expulsavam os imigrantes, pois não disponibilizavam terras para os mesmos, obrigando-os a dividir lotes ou trabalhar nas fábricas17. Nesse processo, o Paraná agia como estado receptor, acolhendo os imigrantes e incentivando a colonização. Para cuidar dessas questões, em 1947, foi criada a Fundação Paranaense de Imigração e Colonização, por meio do Decreto-Lei nº 646 de 20/06/47 (GREGORY, 2008) e a Fundação de Assistência ao Trabalhador Rural (1951) (PARANÁ, 2002). Entre os anos 1950 e 1960 outras ações foram desencadeadas no sentido de viabilizar o projeto de desenvolvimento do Paraná: execução de um plano rodoviário estratégico (com a construção de várias Rodovias: do Café, dos Cereais, do Mate, do Trigo, da Madeira e dos Minérios), criação da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL), fortalecimento do Banestado, criação do Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE), administrado pela Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná (CODEPAR, transformada mais tarde em BADEP) (PARANÁ, 2002).

Vários foram os processos de colonização organizados por diferentes colonizadoras18, que pagavam valores simbólicos pelas terras,

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Aued e Fiod (2002), ao estudar as origens dos movimentos sociais em Santa Catarina e relacioná-las ao processo migratório, afirmam que “os imigrantes transformados em colonos, impossibilitados de viverem do trabalho realizado para si mesmos em suas terras, buscam o assalariamento nas empresas fundadas pelos seus conterrâneos” (p. 29).

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Esses processos, realizados entre 1930 e 1960, contribuíram para a expansão das fronteiras agrícolas do estado: no norte, a Companhia de Terras Norte do Paraná e a Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná; no oeste, Industrial

pois o interesse do governo era o povoamento e a expansão das fronteiras agrícolas. Havia nesse processo de colonização um casamento entre interesses das colonizadoras, dos empresários, do governo no projeto de desenvolvimentismo já presente nos anos 1950 e dos imigrantes (GREGORY, 2008). O governo precisou se organizar para poder exercer uma ação direta, segundo Gregory (2008), para planejar “obras públicas que absorvessem mão-de-obra, investindo na infra- estrutura viária, energética, auxiliando na proteção com sementes, máquinas, investigação técnico-científica” (Idem, p. 74). O governo Bento Munhoz da Rocha Netto, por meio da Divisão de Imigração da Secretaria da Agricultura fazia uma seleção dos imigrantes. Nesse mesmo governo foi criado um serviço de Publicidade agrícola que envolveu a criação de “23 emissoras de rádio e 15 jornais para divulgar notícias da agricultura e da pecuária a fim de tornar o Estado conhecido em outras unidades da federação” (id, ibidem). Os imigrantes representavam para a economia paranaense a chegada de força-de- trabalho mais qualificada.

Eles seriam portadores das aptidões necessárias para desenvolver as fronteiras agrícolas. Eles seriam os braços para a lavoura e eram vistos como os produtores apropriados para o projeto de desenvolvimento do Paraná que implicava na inserção da economia do Estado na economia brasileira. Eles trariam o domínio técnico, os equipamentos e o capital inicial necessários. Teriam iniciativas aliadas à experiência colonial (GREGORY, 2008, p. 75).

Nesse período, o incentivo maior não era para a indústria. O Paraná era responsável, em 1949, por 6,75% da renda agropecuária brasileira, que em 1959 passou para 11,64 e, em 1975, para 16,90%. Nesse mesmo período, o estado era responsável por apenas 2,75% da renda do setor industrial brasileiro que passou, em 1959, para 3,04 e, em 1975 para 3,98% . O estado também viveu uma super safra de café (entre 1959 e 1960 chegou a produzir 20,6 milhões de sacas), sob a