• Nenhum resultado encontrado

ruralistas foi imediata, decidiram então fundar a União Democrática Ruralista - UDR. Foi a maior mobilização do setor já visto neste país. Com isso, conseguiu-se colocar na Constituição de 1988 a Lei que preserva os direitos de propriedade rural em terras produtivas. De 1994 a 1996 a UDR ficou desativada devido a desmobilização da classe, que sentiu-se mais segura após as conquistas na Constituinte e o afastamento dos riscos sobre o direito de propriedade. Atualmente, a União Democrática Ruralista - Nacional, também foi reativada e tem sua sede em Brasília-DF”. Percebemos nesses anúncios, claramente, o caráter de classe da UDR. (http://www.udr.org.br/objetivos.htm#)

1964, no Estatuto da Terra (Lei 4504/64), no seu artigo 2º., o entendimento sobre a função da terra assim se explicitava:

Art. 2º - É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. 1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

Mais tarde, na Constituição Brasileira de 1988, depois das pressões feitas na Assembleia Constituinte, a questão foi recolocada, praticamente nos mesmos termos:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Além do Estatuto, da Constituição e outros documentos legais, a questão sobre a função social da terra ganhou destaque em documentos religiosos, como é o caso do Documento de Itaici/SP, 1980, resultado da 18ª. Assembleia Anual da CNBB que, conforme Serra (1991, p. 304), “condena a terra de exploração, da qual ‘o capital se apropria para crescer continuamente, para ganhar novos lucros’ e exulta a terra de trabalho, que é aquela ‘possuída por quem nela trabalha’”. O que vemos nos fatos que se seguem é que a defesa da propriedade privada está acima da defesa da vida, portanto, a função social da terra se realiza no primeiro sentido.

Apesar desse movimento todo do MST, no Paraná, os governos Richa (1983 a 1986) e Álvaro Dias (1987 a 1990), ambos do PMDB, usaram de várias estratégias para acabar com a organização do MST: despejos, repressão policial, descumprimento de acordos, agressão verbal (MST, 1986 a; MST, 1987). Em 1987, por exemplo, no governo Álvaro Dias, 750 famílias foram violentamente despejadas da Fazenda Corumbatã, por mais de mil soldados, fortemente armados com metralhadoras e gás lacrimogênio (MST, 1987 a). Apesar da pressão, o Movimento não retrocedeu. Muitas ocupações foram feitas no período. Em 1987 e 1988 o processo de ocupação foi intenso (Anexo 34).

Em 1989, houve várias ocupações. Entre elas, as seguintes áreas: Fazenda Água Quente, em Palmital; Aracaí, em Guarapuava; Zattar, em Pinhão; Fazenda Pinhão III, em Bituruna, por 150 famílias (MST, 1989 c) e a ocupação de mais seis latifúndios improdutivos, por 1500 famílias: Fazenda Guanabara, em Telêmaco Borba; Rincão do Bicho, em Cantagalo; Caldalto, em Catanduvas; Lagoa, em Mangueirinha; Geosul, em Castro; Boaventura, em Pitanga (MST, 1989 d).

Nesse contexto, em 1989, por ocasião das eleições presidenciais, o MST depositou uma expectativa no então candidato, Luís Inácio Lula da Silva. Acreditava-se que ele vincularia o INCRA à presidência, executaria uma nova política fundiária, faria desapropriação acelerada das áreas de conflito, assentaria na própria região de luta, apuraria e puniria os crimes do latifúndio (MST, 1989 e). Mas ele acabou não vencendo as eleições.

Quanto aos processos de Reforma Agrária, realizados até os anos 1980, Sabourin (2008) nos diz que os mesmos são marcados por desencontros: o primeiro foi no período das Ligas Camponesas, nos anos 1940 e 1950 quando não se desenvolvem políticas minimamente favoráveis à Reforma Agrária; o segundo, quando, no governo de João Goulart foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural e os direitos explicitados no mesmo não foram aplicados e deram lugar a expulsões massivas e à constituição dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais locais; o terceiro quando no Regime Militar foi aprovado o Estatuto da Terra que previa indenização aos proprietários em caso de desapropriação, mas o governo limitou-se a um programa de colonização para regiões restritas do país; outro desencontro foi em 1985 quando foi definido o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, combatido, segundo o autor, pela União Democrática Ruralista e que não chegou a ter relevância na Constituição de 1988.

Ao identificar esses desencontros, o autor reconhece a importância dos movimentos organizados nessa luta, mas indica os limites da mesma.

Em primeiro lugar, a pressão social para o acesso à terra é tão forte que termina levando à alocação de lotes com áreas inferiores ao módulo rural (superfície mínima para cada região) e assim insuficientes para assegurar a sobrevivência de uma família. Apenas raramente as melhores terras são redistribuídas, sendo os lotes muitas vezes pastagens degradadas. Esse tipo de reforma agrária minimalista conta até com o assentimento dos beneficiários e das suas organizações por falta de outras opções (SABOURIN, 2008, p. 156).

Mesmo dentro desse processo limitado, o MST tem construído e aprofundado a concepção de Reforma Agrária que está apresentada em vários documentos, mas especialmente em quatro: Programa de Reforma Agrária (1984); Programa de Reforma Agrária do MST (1995), definido no III Encontro do MST; Programa Agrário Unitário dos Movimentos Campesinos e entidades de apoio (2003) e a proposta: Reforma Agrária necessária: por um projeto popular para a agricultura brasileira, aprovada no V Congresso Nacional do MST: uma obra coletiva da militância, em 2007.

No documento de 2007, foram indicados como objetivos gerais: eliminar a pobreza no meio rural; combater a desigualdade social e a degradação da natureza que tem suas raízes na estrutura de propriedade e de produção no campo; garantir trabalho para todas as pessoas, combinando com distribuição de renda; garantir a soberania alimentar de toda população brasileira; garantir condições de participação igualitária das mulheres que vivem no campo,em todas as atividades; preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural; garantir condições de melhoria de vida para todas as pessoas e acesso a todas oportunidades de trabalho, renda, educação e lazer, estimulando a permanência no meio rural.

Podemos constatar que há um amadurecimento e uma ampliação na proposta de Reforma Agrária que apresenta vários aspectos: o uso da terra; a organização da produção no meio rural com planejamento e modelo tecnológico com enfoque ecológico e participativo, o uso da água, as políticas do Estado, a industrialização, a educação no campo e o desenvolvimento de um amplo programa social que envolva ações relativas à moradia, aos meios de comunicação de massa, à cultura e à

saúde, porém, podemos perceber que, mesmo indicando a perspectiva de ruptura com o atual modo de produção, a maioria das questões estão colocadas no limite do mesmo - da garantia de direitos, na dependência das políticas públicas definidas pelo Estado, portanto, ainda um programa de ‘reforma’ agrária. Mesmo com essa percepção, queremos destacar alguns elementos que indicam a preocupação com mudanças significativas e necessárias no campo brasileiro, especialmente no que diz respeito aos trabalhadores que vivem da venda da sua força-de- trabalho, mas também o caráter contraditório no processo de consolidação da Reforma Agrária. Toda discussão sobre a terra indica a preocupação central com a realização da sua função social, ou seja, entendendo que ela não pode ser aprisionada pela propriedade absoluta. Outro aspecto que consideramos importante é a preocupação com o desenvolvimento de pesquisas e técnicas e capacitação técnica no sentido de harmonizá-las com a preservação ambiental, portanto, uma produção que vise não apenas lucro. Nos acampamentos visitados ainda há muito o que se fazer nesse sentido, pois encontramos práticas bem tradicionais de plantio, com uso de agrotóxicos e até destruição do meio ambiente. Porém, nos processos de formação dos integrantes do Movimento, há muita discussão e muito estudo para buscar alternativas de superação.

Há indicada também uma preocupação com a formação de associações e cooperativas que tenham a gestão dos próprios trabalhadores, com investimentos na área agrícola, industrial e comercial, buscando crédito rural, com programas de armazenagem e agroindustrialização. O Movimento já tem algumas experiências nesse sentido, mas a maioria dos assentamentos ainda está submetido às relações com cooperativas que não atuam nessa perspectiva. Exemplos de cooperativas organizadas pelo MST30 no Paraná são: Copavi (Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda), localizada no assentamento Santa Maria, município de Paranacity e Coagri (Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do Centro- Oeste do Paraná Ltda).

No documento há uma preocupação com outras questões, que são agregadas à do acesso à terra: educação, saúde e cultura. Isso indica que o Programa de Reforma Agrária está sim, vinculado a uma proposta de mudança da produção da vida em vários sentidos, indo para além do econômico e, entendendo que o acesso à terra enquanto meio de produção não é suficiente. Na questão da educação, por exemplo,

30

indica-se preocupação com escolarização não só das crianças, mas dos jovens e adultos; com a escola pública e gratuita; com o acesso a todos os níveis de escolarização e com a formação dos educadores. Isso indica que a educação tem um papel importante nesse processo, principalmente no que se refere ao acesso ao conhecimento.

Apesar da ampliação da proposta, as soluções estão postas no limite do existente, portanto, não podemos considerar que esta seja uma proposta revolucionária, mas a entendemos como necessária e possível. Os avanços não se apresentam apenas nos documentos. Para consolidar os objetivos da Reforma Agrária, muitos foram os processos de ocupação de terras no Paraná, organizados pelo MST. Apresentamos alguns desses processos, enfatizando os de maior repercussão e aqueles que envolvem os espaços nos quais se situam as escolas-base e as escolas itinerantes, objetos dessa pesquisa. Se nos anos 1980 aconteceu um movimento intenso de luta pela terra, nos anos 1990 não foi diferente. Em 1990 já eram 60 assentamentos conquistados pelos sem- terra. Esse foi o ano de muitos conflitos no campo do Paraná: em Inácio Martins, Telêmaco Borba, Castro e Prudentópolis os acampados foram atacados por pistoleiros, que feriram diversos trabalhadores. Em Quedas do Iguaçu, centenas de policiais militares despejaram as 50 famílias que ocupavam a Fazenda Solidor. Mais de mil assentados ocuparam as prefeituras de Laranjeiras do Sul, Cantagalo e Teixeira Soares, reivindicando estradas e postos de saúde (MORISSAWA, 2001).

Em 1991, havia 2500 famílias acampadas, em 14 áreas. Logo no início de 1992, foram feitas 7 ocupações no estado, envolvendo 1295 famílias, nos municípios de Cantagalo, Ribeirão, Ibati, Tamarana, Bituruna e Mangueirinha (MORISSAWA, 2001). Segundo Marques (2008), entre 1991 e 1992 houve ocupações em Cascavel, sul e nordeste do estado. Em 1991 foi feita a primeira ocupação da Fazenda Guairacá, em Londrina31. Em 1992, o MST fundou a CONCRAB (Confederação Nacional das Cooperativas da Reforma Agrária no Brasil) para se opor às cooperativas vinculadas ao agronegócio32 e organizações patronais.

31

Onde está situada a Escola Itinerante Maria Aparecida Rosignol Franciosi. 32

“O termo agronegócio, de uso relativamente recente em nosso país, guarda correspondência com a noção de agribusiness, cunhada pelos professores norte- americanos John Davis e Ray Goldberg nos anos 1950, no âmbito da área de administração e marketing (Davis e Goldberg, 1957). O termo foi criado para expressar as relações econômicas (mercantis, financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e aqueles situados na esfera industrial (tanto de produtos destinados à agricultura quanto de processamento daqueles com origem no

Entre 1993 e 1995 aconteceram ocupações em Ibaiti, Cascavel, Pitanga, União da Vitória e algumas regiões do norte do estado.

Em 17 de abril de 1996, segundo Janata (2011 e 2012), em torno de 10.000 famílias ocuparam a Fazenda Pinhal Ralo da empresa Giacomet-Marodin, que tinha 83 mil hectares. Durante um ano, 13.276 famílias ficaram acampadas na fazenda em condições insalubres e, por causa disso, duas crianças morreram (uma subnutrida e outra de pneumonia). Muitos passaram fome. Foi considerado o maior acampamento da América Latina. Segundo a autora, em 1997, foram assassinados dois dos líderes do acampamento, Vanderlei das Neves e José Alves dos Santos. Os culpados foram julgados só em 2010. Ainda em 1997, com os acontecimentos, a empresa Giacomet-Marodin mudou seu nome para Araupel S. A. Da fazenda foram desapropriados 16.852,16 hectares, distribuídos entre 3.081 famílias (portanto, em torno de 5 hectares por família), sobrando ainda para o dono da fazenda, 66.147,84 hectares. Com isso foram conquistados quatro assentamentos: em 1997, Assentamento Ireno Alves para 934 famílias; em 1998, Assentamento Marcos Freire33 para 578 famílias; em 2004 os Assentamentos Celso Furtado para 1.500 famílias e o Assentamento 10 de Maio para 69 famílias (JANATA, 2011 e 2012). Além disso, em 1996, houve ocupações em Paranavaí, Londrina, Cornélio Procópio, Telêmaco Borba, Pitanga, Cascavel, Francisco Beltrão e Guarapuava (MARQUES, 2008).