• Nenhum resultado encontrado

A relevância dos fatores organizacionais para os acidentes

À medida que os estudos das causas dos acidentes afasta-se da centralidade da culpa dos operadores, os fatores organizacionais emergem, de forma mais acentuada e, passam a ser analisados dentro do contexto social em que eles ocorrem.

Perrow (1999) tenta mostrar que a falha dos operadores, no caso do acidente de TMI, em reconhecer que um acidente estava ocorrendo pela perda de resfriamento do reator e pela decisão prematura dos operadores de parar a injeção de água em alta pressão para compensar a perda de resfriamento, não poderia ser creditada ao ‘erro do operador’, mas sim ao resultado de interações fortes e complexas. Os estudiosos da teoria da confiabilidade chamam a atenção para o fato de que o desenho da estrutura organizacional pode conduzir a uma organização livre de erros.

Outro autor que faz uma análise dos fatores organizacionais é Erickson (2000) que apresenta os sete fatores organizacionais que julga influenciar o desempenho em segurança por estarem inter-relacionados e serem interativos: a estrutura organizacional, a importância da segurança para a organização, responsabilidade e comprometimento com a segurança, comunicação, comportamento gerencial, envolvimento dos empregados, comportamento e respostas dos empregados.

A relevância dos fatores organizacionais tem sido revelada através dos estudos dos grandes acidentes ocorridos a partir da década de 80, como por exemplo, Chernobyl, Three Miles

Island, Piper Alpha, Herald of Free Enterprise e outros. As análises desses acidentes revelaram deficiências organizacionais que estavam escondidas em diversos setores da organização. Esses fatores foram vistos como precursores das operações ou dos atos inadequados (BECKER,1998).

Becker (1998) adverte que a intenção de incluir as possíveis contribuições de todos os subsistemas dos sistemas sociotécnico nas análises e reportagens dos eventos tem sido uma aventura difícil. Ressalta que existem vários problemas que se somam a essas dificuldades:

a) fatores organizacionais com influência na segurança são difíceis de capturar e eles são pobremente definidos e categorizados;

b) o recente desenvolvimento do conceito de “cultura de segurança” ilustra a complexidade de contexto entre fatores organizacionais e segurança;

c) as tarefas e ações nos níveis mais altos da hierarquia gerencial raramente são processos padronizados. Um desempenho inadequado pode ser difícil de descobrir já que se tem tido uma abordagem tradicionalmente de análise de evento como análise de desvio;

d) erros que podem ser atribuídos para uma unidade definida da organização não podem ser facilmente separados da questão da responsabilidade. É como nos casos de erros individuais em que eles tornam-se motivos de acusações, ou no mínimo sentimentos de culpa ou de acusação;

e) o comportamento dos órgãos e instituições no ambiente organizacional tem uma considerável influência nas possibilidades de aprendizagem organizacional, usando os sistemas de reportagem de eventos ou análise de eventos.

2.16 Conclusões

É importante observar que as teorias sobre os acidentes encontraram mais aceitação entre os gerentes e proprietários das empresas quando a explicação das causas dos acidentes de trabalho era baseada, fundamentalmente, em modelos de culpabilidade ou falhas dos trabalhadores durante a execução de suas tarefas. Tais modelos têm suas raízes na abordagem clássica da Administração decorrente dos trabalhos pioneiros de dois engenheiros: Frederick Winslow Taylor (1856-1915) e Henri Fayol (1841-1925). Não é de se admirar, portanto, que essa explicação esteja baseada numa visão microscópica do homem de acordo com a qual, os engenheiros individualizam cada operário ao considerarem suas relações com os instrumentos de trabalho, com seus companheiros e seus superiores. Dessa visão microscópica, enfatizando a relação homem-instrumento de trabalho, nasce um modelo de culpabilidade que não tem levado em conta o ambiente organizacional no qual essa interação acontece.

Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como preditora importante da ocorrência dos acidentes negando estar a origem dos mesmos em fatores organizacionais. Desse modo, a busca da explicação das causas dos acidentes tem sido sempre centrada na relação do trabalhador com seu instrumento de trabalho.

Os novos modelos para explicação das causas dos acidentes do trabalho têm sido basicamente desenvolvidos a partir de uma visão mais abrangente da interação entre o trabalhador e a cultura organizacional. Essa nova abordagem tem seus fundamentos na Teoria Geral de Sistemas desenvolvida a partir dos trabalhos do biólogo alemão Ludwig Von Bertalanfy publicados entre 1950 e 1968. Os conceitos extraídos da Teoria Geral dos Sistemas possibilitaram a evolução de uma visão microscópica e estática para uma abordagem mais

abrangente e dinâmica da explicação das causas dos acidentes. Isto significou um deslocamento da ênfase do subsistema homem-instrumento de trabalho para a interação desse subsistema com o ambiente organizacional.

Nos estudos considerados vê-se então um deslocamento do eixo de estudos: da culpabilidade dos operadores para as falhas organizacionais.

Expostos os fundamentos dessas teorias é preciso entender como os elementos constituintes dos sistemas sociotécnicos se relacionam: os trabalhadores, os sistemas técnicos e a Organização. Essas relações serão discutidas no capítulo seguinte.

CAPITULO 3

A INTERFACE DOS FATORES ORGANIZACIONAIS NO SISTEMA

SOCIOTÉCNICO:

o trabalhador, os sistemas técnicos e a organização.

3.1 Introdução

Nesse capítulo, apresentam-se as relações entre o trabalhador, os sistemas técnicos com os quais ele interage e os fatores organizacionais que afetam seu comportamento no trabalho. Discutem-se alguns fatores considerados contributivos para as falhas do trabalhador: os conflitos organizacionais, os processos de tomada de decisão inadequados, a deficiência dos treinamentos, a deficiência físico-mental do trabalhador para execução das atividades, os sistemas técnicos cujas proteções são inadequadas, dentre outros. Ao final, discute-se a importância da cultura de segurança para a gestão da segurança e saúde ocupacional das organizações.