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O conceito histórico e jurídico dos acidentes do trabalho

Anterior à organização industrial, os membros de uma família produziam os produtos que julgavam necessários para seu consumo utilizando-se de suas próprias ferramentas e utensílios. Era o que se denominava de sistema familiar. Esse sistema evoluiu para o sistema

de corporações durante todo o período da Idade Média, cuja principal característica era a

produção realizada por mestres artesãos independentes que, possuindo poucos trabalhadores, eram proprietários das matérias-primas vendendo o produto do trabalho para um mercado pequeno e estável. A próxima fase do trabalho foi caracterizada pelo sistema doméstico, em que o trabalho era realizado em casa, visando atender a demanda de um mercado em crescimento, com o artesão sendo auxiliado por ajudantes. A diferença fundamental para o

sistema de corporações é que no sistema doméstico, o artesão não é mais dono da matéria-

prima, surgindo então a figura de um empreendedor entre ele e o consumidor (HUBERMAN, 1976).

Esse período seria caracterizado por Braverman (1981, p.18) como o período em que “para o trabalhador, a satisfação do ofício, originada do domínio consciente e proposital do processo de trabalho” constituir-se-ia como principal característica a ser esfacelada pelo período seguinte. Após o período anteriormente citado, compreendido entre os séculos XVI e XVIII, surge o período denominado sistema fabril. Esse sistema remodelaria toda a organização do trabalho, deslocando o artesão de sua casa para dentro da fábrica, agora controlada pelo proprietário da matéria-prima e das máquinas produtivas, cujo processo de trabalho marcaria todo o sistema produtivo do século XIX até os dias atuais (HUBERMAN,1976).

Observa-se que em nenhum dos “três primeiros sistemas, familiar, corporações e doméstico, sequer se cogitava de medidas preventivas ou mesmo indenizatórias em relação ao trabalhador que tivesse tal capacidade de trabalho diminuída quer por acidente-tipo, quer por doença profissional” (CAMPOS, 1991, p.18)

Os acidentes e a saúde dos trabalhadores não seriam considerados no período denominado de Revolução Industrial. Dejours (1987, p.14, grifo nosso) pontua que “no que concerne às condições de trabalho da época, e sobretudo, aos acidentes, dramáticos por sua gravidade e número em que, em vista de tal quadro, não se cabe falar de saúde em relação à classe operária do século XIX”. Ao continuar traçando o perfil da evolução da classe operária, nesse período, Dejours (1987) mostra o aparecimento dos conflitos entre trabalhadores e empregadores, cujas conquistas operárias seriam com freqüência questionadas por lei e com intermináveis discussões governamentais. Ressalta o autor que as lutas operárias marcaram todo o século XIX com tal intensidade e dificuldade, que as leis sociais demoravam entre quinze e vinte anos para serem aprovadas. A lei sobre higiene e segurança demorou onze anos para aprovação e a lei sobre acidentes do trabalho, quinze anos para ser aprovada (1883- 1898), enquanto que a lei para a jornada de 8 horas nas minas levaria vinte e três anos para sua aprovação (1890-1913).

O período compreendido entre a Primeira Guerra Mundial e 1968 é marcado como referência para a solidificação do movimento operário e no qual ele atinge sua dimensão de força política. Esse marco é devido à intensificação da produção industrial no período de 1914-18 para suprimento das necessidades da guerra e à introdução do taylorismo. Esses fatores viriam modificar a organização do trabalho cuja repercussão sobre a saúde do corpo e do aparelho

psíquico dos trabalhadores teria nos acidentes do trabalho o reflexo de uma disfunção (BRAVERMAN, 1981; DEJOURS, 1987).

No Brasil, a primeira norma jurídica a tratar do acidente do trabalho foi o Decreto Lei nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, no governo do Presidente da República Delfim Moreira, cujo fundamento jurídico era a teoria do risco profissional. É interessante que a lei abrangia, além de outros setores, o da agricultura, porém só a motorizada! Mais curioso ainda é o texto contido no art. 19 que trata da declaração do acidente:

Todo acidente de trabalho que obrigue o operário a suspender o serviço ou se ausentar, deverá ser imediatamente comunicado à autoridade policial (grifo nosso) do lugar, pelo patrão, pelo próprio operário, ou qualquer outro. A autoridade policial comparecerá sem demora ao lugar do acidente e ao em que se encontrar a vítima, tomando as declarações desta, do patrão e das testemunhas, para lavrar o respectivo, indicando nome, a qualidade, a residência e o salário da vitima, o lugar preciso, a hora, e a natureza do acidente, as circunstâncias em que se deu, e a natureza dos ferimentos, os nomes e as residências das testemunhas e dos beneficiários da vitima.

Poder-se-ia questionar se não seria desta data e desse artigo a origem do estigma que acompanharia os profissionais de segurança em todos os anos seguintes: serem considerados dentro das empresas como ‘policiais’. Os acidentes são, então, um caso de polícia!

Outro aspecto interessante dessa lei é o texto a seguir do parágrafo 1, do artigo 19, que exige das empresas apresentar às autoridades policiais as medidas adotadas e o resultado da investigação do acidente:

§ 1 - No quinto dia, a contar do acidente, deve o patrão enviar à autoridade policial que tomou conhecimento do fato, prova de que fez à vitima o fornecimento de socorros médicos e farmacêuticos ou hospitalares, um atestado médico sobre o estado da vítima, as conseqüências verificadas ou prováveis do acidente, e a época em que será possível conhecer-lhe o resultado definitivos.

Diversas leis iriam, a partir dessa data, buscar refletir os anseios sociais gerados pelo crescente aumento dos acidentes de trabalho e precariedade das condições de trabalho provocadas pelo avanço da industrialização do país.

No Brasil a década de 70 foi marcada por projetar o país como campeão em número de acidentes. Esse fato provocou uma reformulação nas normas jurídicas e regulamentares fazendo valer a Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que deu nova redação ao Capítulo V: Da Segurança e Medicina do Trabalho (arts. 154 a 201 da CLT). Editou-se a Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho de 1978 constituída de vinte e oito normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho urbano (28 NRs). Essas normas regulamentadoras trouxeram de forma organizada um guia de procedimentos a serem adotados pelas empresas com o objetivo de minimizar o elevado número de acidentes do trabalho que grassavam o país. Ressalta-se aqui, a importância dessas normas e a riqueza técnica de seus diversos conteúdos para início da estruturação da área preventiva da segurança e saúde no trabalho. Atualmente, essas normas têm passado por revisões e adequações visando refletir os anseios da classe trabalhadora e da mudança nos perfis de risco das empresas.

Especificamente, a NR 4 – Norma regulamentadora nº 4 – especificou os critérios para a constituição do órgão técnico das empresas composto por profissionais especializados com formação em segurança ou medicina do trabalho, tendo como finalidade principal diligenciar que fossem tomadas, no âmbito da empresa, as medidas técnicas preventivas de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais de modo a proteger eficazmente os trabalhadores em relação aos riscos profissionais porventura existentes no ambiente do trabalho.