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O erro na execução da tarefa devido aos conflitos organizacionais

3.4 Porque os erros acontecem?

3.4.1 O erro na execução da tarefa devido aos conflitos organizacionais

Todas as organizações apresentam uma cultura organizacional que se caracteriza pelos valores que esposam, pela regularidade do comportamento de seus membros, pela filosofia que direciona suas políticas e pelo clima expresso tanto por seu layout físico quanto pela interação de seus membros entre si e com o publico externo (GIL, 2001).

Segundo Robbins (2002), apesar de existirem muitas definições de conflito, diversos temas comuns encontram-se na maioria das definições, ou seja, o conflito precisa ser percebido pelas partes envolvidas, sendo sua existência ou não uma questão de percepção. Se ninguém tiver noção de sua existência, costuma-se estabelecer que ele não existe. Outros aspectos comuns nas definições são a oposição ou incompatibilidade e alguma forma de interação dos envolvidos. O conflito sempre era visto como algo negativo, mas essa concepção evolui para

uma visão mais positiva. Até no procedimento jurídico de mediação e arbitragem essa visão positiva do conflito já é entendida. Para Sales (2003, ano II, n.23, novembro 2003, p.58)

no procedimento da mediação é estimulada a visão positiva do conflito, ou seja, o conflito como algo natural, transitório e próprio da natureza humana, necessário para o aprimoramento das relações. Desmistifica-se o conflito apenas como litígio, como disputa, passando-se a compreendê-lo como momento de transição.

São esses fatores que Robbins (2002) julga estabelecer as condições que determinam o ponto inicial do processo de conflito. Para o autor existem três tipos de conflito: de tarefa, de relacionamentos e de processo. O conflito de tarefa está relacionado com o conteúdo e os objetivos do trabalho.

Nuberg (1973) apresenta um modelo que ele denominou de ‘espectro do erro’, sugerindo que os erros acontecem de acordo com uma seqüência lógica de possíveis resultados na execução da tarefa.

QUADRO 1

O espectro do erro segundo Nuberg (1973)

Trabalho feito livre de erros e enganos Pequenos erros, enganos e pequenas máculas Erros que causam atrasos, demoras, desperdícios Danos a propriedade, materiais e perdas por atrasos Erros que causam lesões a pessoas Atos de negligencia e destruição deliberada, roubos, poluição, desastres

Nesse espectro, em primeiro plano, valoriza-se o trabalho seguro e bem feito. Existe uma gradação dos erros que terminam por conduzir aos desastres.

Um dos principais conflitos que conduzem aos acidentes é aquele gerado pelo conflito que se manifesta de forma velada ou explícita em função da cultura organizacional: a priorização da produção sobre a segurança.

Reason (2000, p.4) coloca essa questão de forma apropriada ao afirmar que, apesar dos freqüentes protestos em contrário, a relação de prioridade entre produção e segurança raramente é igual, e um desses processos irá predominar, dependendo das circunstâncias locais. É a produção que gera os recursos que tornam a segurança possível e por essa razão ela geralmente terá prioridade durante quase toda a vida da organização.

A maioria dos gerentes possui maiores habilidades produtivas industriais que de segurança e alcançar as metas organizacionais através da excelência do processo produtivo alinha-se mais efetivamente com objetivos individuais de progressão de carreira. O sucesso dos gerentes pode ser facilmente avaliado através dos resultados alcançados nos processos produtivos por medidas que, em sua totalidade são quantitativas, tais como, tonelada por homem-hora, produção média por equipamento e diversos índices financeiros. Qualquer alteração ou implementação no processo produtivo é facilmente percebida, o que não acontece com a segurança. As medidas de segurança são na maioria de longo prazo e seus resultados são medidos pela ausência de resultados negativos. Acontece que medidas de segurança implementadas em um período dão poucos resultados visíveis, não garantindo o sucesso no período seguinte devido ao grande número de variáveis envolvidas. Essa dificuldade de mensuração, aliada a pouca priorização da segurança no processo de avaliação do

desempenho gerencial, contribui para relegar a segurança a um plano secundário na estratégia organizacional. Se medidas de proteção físicas são implementadas pela organização, a justificativa para os acidentes recai então na questão do comportamento.

O trabalhador sofre as conseqüências desses conflitos que muitas vezes o agride individualmente, já que “a sociedade exige efetivamente de cada um dos seus membros, enquanto delas fazem parte, a uniformidade das crenças e das praticas (DURKHEIM, 1989, p.176)” e muitas vezes essas práticas o conduzem a se expor a riscos para que a tarefa seja executada dentro do prazo e da norma definida. “O caráter artificial das organizações significa que, por natureza, elas contém fontes intrínsecas de conflito (KATZ; KAHN, 1970, p. 131)” exigindo do trabalhador contrabalançar entre o conflito tácito e o explícito.

Hopkins (1999), ao analisar o desastre ocorrido na mina australiana Moura em que 11 trabalhadores morreram, afirma que a segurança só tem prioridade sobre a produção quando os riscos envolvidos na atividade podem comprometer os resultados da produção. Caso contrário, a produção é realizada de tal forma que as condições de falhas latentes se avolumam mesmo conhecendo-se os perigos dessa decisão.

Vaughan (1996) apresenta o conflito entre produção e segurança ao analisar o acidente que em 1986, matou os sete astronautas quando a nave espacial americana Challenger incendiou- se imediatamente após o seu lançamento. A NASA, Administração Nacional de Espaço e Aeronáutica dos Estados Unidos da América, vinha sendo objeto de restrições orçamentárias como qualquer setor privado organizacional. Ela tinha comprometido diversos elementos de segurança de forma a manter e conduzir a programação de lançamento dentro do orçamento

previsto. O trabalho de Vaughan é considerado como o mais completo estudo sobre os conflitos organizacionais que conduzem aos desastres.

Como forma de diminuir os erros busca-se criar sistemas normativos que estabelecem comportamentos aos quais o trabalhador tem que se enquadrar. Katz e Kahn (1970, p.53, grifo do autor) explicam que “as bases sociopsicológicas dos sistemas sociais compreendem os comportamentos de função dos membros, as normas que prescrevem e sancionam esses comportamentos e os valores em que as normas se acham implantadas”. São essas funções que descrevem formas específicas de comportamentos associados a determinadas tarefas que estabelecem os requisitos da tarefa. As normas são as expectativas gerais com caráter de exigência, atingindo a todos os incumbidos de desempenho de função em um sistema ou subsistema. Valores são as justificações e aspirações ideológicas mais generalizadas.

São as normas e procedimentos que estabelecem o comportamento esperado. Se o trabalhador obedece à norma entende-se que ele a aceita como valor. Caso contrário seu comportamento é caracterizado como desobediência, negligência, imprudência ou imperícia em relação aos elementos que equilibram as relações sociais. Novamente podem emergir conflitos derivados da contradição que se apresenta entre o procedimento escrito e a execução da tarefa. O trabalhador, para executar seu trabalho no prazo esperado, desenvolve mecanismos que agilizam a execução da tarefa, mas fogem dos procedimentos escritos. “Quase todos os dias, os gerentes de linha e supervisores têm de escolher se cumprem ou não todos os procedimentos de segurança para alcançar os prazos e as demandas da tarefa (REASON, 2000, p.5)”. A repetição dessas ações desenvolve o hábito de execução rotineira da tarefa através do desvio que normalmente não traz conseqüências danosas, mas que será motivo de

penalidades na ocorrência de um acidente. A violação do procedimento é aceita como normalidade de fato.

Quando o trabalhador compreende que penetrou em uma área em que as alternativas de comportamento podem ser limitadas, ele não se expõe a riscos desnecessários na execução de seu trabalho. É necessário que a organização utilize mecanismos de sujeição do trabalhador nessa fronteira, mas o que normalmente ocorre é o contrário: existe uma aceitação habitual da violação dessa fronteira pela gerência de linha para acomodação da demanda organizacional.

São esses conflitos que levam o trabalhador a níveis desconfortáveis de estresses desenvolvendo patologias que agravam sua saúde e conduzem aos acidentes. Para aliviar as pressões o trabalhador busca no grupo o apoio necessário para conviver de forma equilibrada com essas angústias. Katz e Kahn (1970) avaliam que a grande área central do comportamento do homem nas organizações e instituições é o caráter psicológico de tais grupamentos que têm sido ignorados. E, no entanto, o indivíduo, no moderno mundo ocidental, passa a maior parte do tempo em que está acordado em organizações e ambientes institucionais. O comportamento e os interesses comuns de grupos funcionais produzem uma linguagem comum, um sistema comum de crença, uma maneira comum de pensar, pois “o homem vive dentro de um contexto social. (FROM, 1978, p.145)”.

Tais conflitos e as pressões organizacionais é que conduzem o trabalhador a efetuar manutenções em equipamentos sem desligá-los; retirar dispositivos de segurança para efetuar uma determinada manutenção e autorizar sua entrada em operação sem que o dispositivo seja recolocado no lugar para não comprometer as metas de produção; trabalhar em espaços confinados sem avaliar todos os riscos envolvidos; caminhar sobre telhados já que o cabo de

fixação para o cinto de segurança não foi contemplado no projeto, dentre outros diversos trabalhos. Quando acontece o erro ele não é entendido como um fator organizacional gerado por conflitos, mas como uma falha do trabalhador.