• Nenhum resultado encontrado

3.4 Porque os erros acontecem?

3.4.2 O erro devido ao processo de tomada de decisão

As pressões organizacionais específicas e as características da personalidade individual são responsáveis pelas decisões tomadas, cujas conseqüências só podem ser avaliadas pós-fato. A ação pode proporcionar a quem tomou a decisão um alívio momentâneo como resposta a uma demanda. O processo de avaliação para alcançar uma decisão sobre um problema organizacional não é prontamente reduzido à racionalidade total e simplista do homem econômico.

Para Simon (1965, p.4), “todo comportamento envolve seleção consciente ou inconsciente de determinadas ações entre aquelas que são fisicamente possíveis para o agente e para aquelas pessoas sobre as quais ele exerce influência e autoridade”. Anteriormente, acreditava-se que uma ação era o resultado de uma análise pormenorizada de todos os cursos possíveis para uma ação.

March e Simon (1972) empregaram o conceito de racionalidade confinada, ou os limites cognitivos de racionalidade, e escreveram, convincentemente, acerca das realidades da tomada de decisão organizacional em tais termos. Para os autores sempre existem limitações relativamente ao conhecimento de cursos alternativos de ação, da relativa utilidade de tais alternativas e das conseqüências destes cursos de ação.

Assim, um trabalhador, ao tomar uma decisão na execução da tarefa pode não considerar todas as possibilidades de solução do problema. Isto porque é parte da própria natureza individual e, na mesma dimensão das organizações, estabelecer limites além dos quais as alternativas racionais podem em determinado momento não serem satisfatórias e nem ser possível fazer uma análise de todas as variáveis envolvidas. Muitas vezes, a postura do trabalhador frente aos riscos da tarefa revela um comportamento adequado aos valores ditados pela organização ou por crenças pessoais baseado em sua história de vida e profissional. Nem sempre os valores ditados pela organização são claramente entendidos e aceitos por todos. As normas que a organização adota tornam explícitas as formas de comportamento apropriadas para seus empregados. Os valores de sistema, ou ideologia representativos da cultura organizacional, proporcionam uma justificativa mais elaborada e generalizada, tanto para o comportamento apropriado como para as atividades e funções do sistema.

Clark (1981) considera que os valores sociais podem ser definidos como concepções desejáveis, que se salientam dentro de determinado agrupamento humano, mas nem sempre esses valores são identificáveis em ampla variedade de situações tornando-os valores sociais precários. Ressalta que, quando os valores não são identificáveis eles não são incorporados em objetivos e padrões de comportamento. Falta-lhes referência normativa específica e ninguém sabe quais os diferentes símbolos que realmente representam. “Os valores firmes são, pois, os claramente definidos no comportamento e fortemente estabelecidos e firmados na imaginação de muitos. (CLARK, 1981, p.162)”.

Guérin et al. (2001) ponderam que nem todos os saberes potencialmente disponíveis na memória do operador estão ativos num determinado momento quando ele toma uma decisão. À medida que ocorrem o encadeamento das ações do operador e a evolução das configurações

da realidade o funcionamento desses saberes é ativado. Para os autores, de maneira geral, o fato de um acontecimento ou de um sinal provocar ou não, no operador, a ativação imediata de uma representação eficaz depende da conjunção de três fatores: a) da natureza do acontecimento ou do sinal; b) dos saberes que o operador possui por experiência e formação e, c) da orientação do operador no instante em questão e, portanto, da representação da situação que ele tem antes de aparecer esse acontecimento. Se um determinado sinal não constitui um aviso para o operador significa que este não aprendeu a reconhecê-lo ou pode ser que esteja envolvido numa ação na qual esse sinal não é pertinente. “É essa propriedade particular da ação humana que está no centro das discussões sobre a ‘confiabilidade humana’(GUÉRIN et al., 2001, p.59)”.

A questão dos sinais e símbolos utilizados durante o processo de tomada de decisão pelo trabalhador na execução de uma tarefa, possui grande importância no entendimento de Rasmussen (1983). Essa representação é fundamental mesmo considerando, que nos tempos modernos, vários sistemas técnicos sejam automatizados e não requerem a intervenção humana para o controle de funções. Para o autor, no processo de tomada de decisão pelo operador, deve-se considerar que “as pessoas não são simplesmente dispositivos determinísticos de entrada-saída, mas criaturas orientadas para objetivos que ativamente selecionam e procuram as informações relevantes (RASMUSSEN, 1983, p.2)”.

Ressalta Rasmussen (1983) que o desempenho na tomada de decisão pode ocorrer de forma consciente ou automática em três níveis: no comportamento baseado nas habilidades, no comportamento baseado nas regras e no comportamento baseado no conhecimento.

O comportamento baseado nas habilidades representa o desempenho sensoreo-motor durante atos ou atividades rotineiras que, seguindo uma relação de intenção, toma lugar sem controle consciente regular, sendo automático e com altos padrões integrados de comportamento, por exemplo, andar de bicicleta.

O comportamento baseado nas regras ocorre quando percebemos uma necessidade de modificar nosso comportamento já largamente pré-programado devido a uma mudança na situação. Esse comportamento é baseado nas regras e procedimentos que aprendemos em treinamentos ou por experiências. Recebe tal denominação porque aplica regras memorizadas ou escritas, do tipo se ocorrer essa situação então eu procedo assim. Tal comportamento ocorre no nível consciente, como por exemplo, se eu for dirigir na cidade então é melhor que eu coloque o cinto de segurança para não ser multado.

Já o comportamento baseado no conhecimento retrata uma situação com um objetivo previamente planejado, baseado na análise do ambiente e em todos os objetivos individuais. Nesse nível, a estrutura interna do sistema é explicitamente representada por um ‘modelo mental’ que pode tomar diferentes formas. Ressalta o autor que esses comportamentos não são levados em conta na interface homem-máquina pelos projetistas e terminam por ser causas de muitos erros.

A automação permitiu que diversas tarefas e processos fossem, em sua grande maioria, controlados por sistemas lógico-programáveis ou por painéis dotados de esquemas e fluxogramas dos processos. Qualquer desvio ocorrido no processo passa a ser indicado por luzes de diferentes cores que apagam ou acendem sinalizando ao operador que uma ação é necessária. À medida que os processos tornaram-se mais complexos, luzes, sinais e alarmes

foram sendo agregados aos painéis, acreditando-se que os operadores poderiam ter estrito controle das ocorrências e pudessem atuar sobre elas. A automação tinha como objetivo melhorar a produtividade, melhorar os controles, permitir ações mais proativas sobre os sistemas e reduzir os acidentes. O trabalhador foi afastado da execução de muitas atividades, mas passou, no entanto, a controlá-las. Se os erros diminuíram, em compensação, nos sistemas complexos as conseqüências tornaram-se catastróficas. Os alarmes, que tinham como objetivo alertar o operador, passaram a se constituir em mais um fator de sobrecarga no trabalho.

Hopkins (2000, cap.4, p.39-53), ao analisar a sobrecarga dos alarmes sobre os operadores da planta de gás da Esso em Longford, Austrália, explica que um operador tinha que lidar em média com um número de 3 a 4.000 sinais, disparando de diferentes modos, durante uma jornada de trabalho. Destaca o autor, que durante a análise de um incidente conduzido por uma equipe da Esso envolvendo problemas de alarme, os investigadores chegaram a contar que durante um turno de 12 horas um operador recebeu 8.500 sinais, ou seja, 12 alarmes sinalizando a cada 60 segundos!

Como esperar uma tomada de decisão sempre correta pelo operador que não conduza a erro em circunstâncias similares como essa apresentada por Hopkins?

Durante a execução de suas tarefas o trabalhador vai desenvolvendo comportamentos úteis que se tornam hábitos, os quais o ajudam na conservação do esforço mental pela eliminação da área do pensamento consciente daqueles aspectos da situação que são, por natureza, repetitivos. O hábito desempenha para Simon (1965) uma função imprescindível no comportamento planejado. É ele que permite que se tenha frente a estímulos ou situações similares, a resposta ou reação, sem que se necessite voltar a pensar de maneira consciente na

decisão capaz de produzir a resposta adequada. Destaca ainda o autor que o hábito não deve ser encarado como um elemento puramente passivo do comportamento (tanto do individuo, como da organização), pois uma vez formado, a simples presença do estímulo tende a ativar o comportamento habitual, sem outro pensamento consciente.

Assim, é na habitualidade que o trabalhador pratica a maioria de suas tarefas sendo a tomada de decisão um processo rotineiro e automático alinhado às suas habilidades pessoais e às demandas organizacionais. Se, em determinado momento, é necessária a atenção consciente, a fim de impedir que uma reação ocorra pela mudança nas condições ambientais, o conflito pode surgir instantaneamente e retardar a decisão pelos envolvidos conduzindo a erros que acabam em acidentes. Quando a análise dos erros centra-se apenas no comportamento do trabalhador torna-se freqüentemente equivocada pela culpabilidade de um raciocínio linear, o qual conduz a uma via de direção única na seqüência de causa e efeito, ao passo que na realidade estamos lidando com um ciclo de causa e efeito que está interagindo mutuamente dentro dos diversos estratos organizacionais. Razão que leva Katz e Kahn (1970, p.329) a afirmar que “tendemos a ser animistas e atribuir causas a agentes pessoais. Tendemos a aceitar o evento excitante como causa principal”.