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A religião no Grande ABC

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Rio Grande da Serra e o Regionalismo

1.3 A religião no Grande ABC

Vimos até agora que os municípios da região do Grande ABC apresentam, entre si, consideráveis diferenças em termos socioeconômicos. Revelam “desigualdades”, não pouco importantes, em seus indicadores sociais como renda ou escolaridade, e no conjunto de situações que configuram diferentes níveis de vulnerabilidade social. Qual a relação, das mencionadas desigualdades, com o pertencimento aos diversos grupos religiosos, e as redes ao seu redor, na região? Pode-se estabelecer alguma conexão entre as condições socioeconômicas que uma cidade, em determinadas condições, produz, e a escolha religiosa de seus habitantes? É possível afirmar que um grupo religioso atende melhor a determinadas demandas (religiosas ou não) do que outros?

Para produzir o debate necessário para responder tais indagações, apresentaremos (tabela 6) dados do IBGE (Censo de 2010) relativos ao pertencimento religioso na região

do Grande ABC. Para que possamos dimensioná-los em um contexto mais amplo, alocamos na tabela o percentual, nacional, de cada religião.

Tabela 6 – Distribuição dos grupos religiosos na região do Grande ABC – (%)

MUNICÍPIO Católicos Evangélicos Kardecistas Religiões afro-brasileiras Rel. Orientais

Brasil 64,60 22,20 2,00 0,30 0,21

Santo André 59,10 26,24 4,00 0,45 0,52

São B. do Campo 59,57 24,52 4,45 0,48 0,79

São Caetano do Sul 66,41 18,30 7,06 0,59 0,67

Diadema 56,90 28,35 1,88 0,46 0,60

Mauá 51,59 33,87 1,59 0,39 0,37

Ribeirão Pires 55,96 28,62 2,98 0,36 0,62

Rio Grande da Serra 46,05 36,70 1,30 0,23 0,33

Embora o pertencimento à religião católica venha diminuindo a cada período – em 2000 representavam 73,6% da população (CENSO, 2000) –, continua sendo o grupo religioso mais representativo do país (64,6%). Contudo, na região do Grande ABC, os números referentes ao catolicismo mostram variação de cidade para cidade. Em São Caetano do Sul, que apresenta os melhores índices socioeconômicos da região, o menor percentual de negros (12, 87%) e também o maior percentual da população na faixa etária acima dos 40 anos (47,6%), o catolicismo se apresenta mais representativo (66,41%) do que a média nacional.

É interessante que o percentual de católicos diminui, consideravelmente, à medida que nos dirigimos aos municípios menos desenvolvidos, como Diadema, Mauá e Rio Grande da Serra. Este último apresenta, particularmente, o menor índice de católicos da região (46,05%). Como vimos anteriormente, Rio Grande da Serra exibe, com respeito aos demais municípios, os maiores percentuais de jovens (43,1%) e negros (52,14%). Com respeito à faixa etária acima dos 40 anos, representa 30,50% da população, o menor da região. Nota-se que o catolicismo tem menor penetração nas cidades com maiores problemas sociais.

Com respeito aos evangélicos, os dados também revelam diferenças que merecem reflexão. Cidades como Santo André e São Bernardo do Campo possuem um percentual de evangélicos próximo à média nacional. Seguidos por Diadema e Ribeirão Pires, os municípios que apresentam os maiores percentuais de evangélicos são Mauá e Rio Grande Fonte: IBGE (Censo, 2010).

da Serra, este, mais uma vez, se destacando (36,70%). Na outra ponta, São Caetano do Sul tem a menor população evangélica (18,30%) da região, média menor, inclusive, do que a média nacional. Com exceção de São Caetano do Sul, todas as demais cidades do Grande ABC têm percentual de evangélicos acima da média no Brasil. Observa-se que quanto mais “frágeis” são os indicadores socioeconômicos, maior é o percentual de pessoas que, dentro do município, se declaram “evangélicos”.

A complexidade do campo religioso se revela, ainda, maior quando são destacados os dados do pertencimento religioso pentecostal e comparados ao percentual dos que se declaram “sem religião”. Para que melhor possamos visualizar tal situação, na tabela 7, a seguir, são apresentados os dados acerca desses dois grupos.

Tabela 7 – Dados do “pentecostalismo” e dos “sem religião” no Grande ABC – (%)

MUNICIPIO Evangélicos Pentecostais Sem religião

Santo André 13,57 7,57

São Bernardo do Campo 12,43 7,51

São Caetano do Sul 5,45 5,03

Diadema 14,90 9,71

Mauá 20,09 10,05

Ribeirão Pires 15,06 9,30

Rio Grande da Serra 24,18 14,24

Que tipo de associação poderíamos fazer entre a população que se declara “pentecostal” e a que se declara “sem religião”? Em princípio nenhuma. Porém, não é o que mostram os números. Observando a tabela, acima, se verifica que, quanto maior é, em cada município, o percentual de evangélicos pentecostais, o mesmo ocorre em relação aos “sem religião”, e vice-versa. São Caetano do Sul é a cidade em que os pentecostais têm a menor representação (5,45%) na região. O mesmo ocorre com os “sem religião” (5,03%). Por outro lado, Rio Grande da Serra, local que os evangélicos pentecostais estão mais representados (24,18%),45 os “sem religião” também estão mais presentes (14,24%).

Embora o universo englobado pelos “sem religião” seja amplo e não signifique que representem pessoas afastadas de toda e qualquer “religiosidade” – dizem respeito mais

45 O IBGE, ao apresentar os dados sobre os “evangélicos”, o faz, primeiramente, alocando a quantidade total

e, posteriormente, separando por grupos específicos. Nessa separação, há uma indicação para “evangélicos não determinados”. É possível que o grupo contenha pessoas que participem de igrejas pentecostais, entretanto, não estão incluídos na tabela 7.

aos que não simpatizam com a religião “institucionalizada” – os números apresentados suscitam a necessidade de repensar paradigmas, entre eles, a ideia de que quanto mais pobre e sem escolaridade for uma pessoa, mais religiosa ela será. Os dados, ao contrário, mostram que as cidades com indicadores sociais menos favoráveis, como Rio Grande da Serra, são as que possuem maior número de pessoas que se declaram sem religião. O inverso também é verdadeiro. A noção de que quanto melhor a situação econômica, ou maior o nível de escolaridade, menos a religião terá importância, “cai por terra” quando examinamos, por exemplo, o percentual (5,03%) dos sem religião em São Caetano do Sul.

Por outro lado, se a condição socioeconômica não é suficiente para que se analise a importância da religião na vida das pessoas, talvez possa indicar maior ou menor afinidade a determinados grupos religiosos. Isso é o que mostra, por exemplo, o pertencimento ao “espiritismo kardecista”. Se São Caetano do Sul é a cidade mais “católica” da região, é, com 7,06% da população, a mais kardecista. Percentual, inclusive, muito acima da média nacional (2,0%). O kardecismo também mostra percentuais elevados em Santo André (4%) e São Bernardo do Campo (4,45%). Está um pouco acima da média em Ribeirão Pires (2,98%), e apresenta percentuais diminutos nas demais cidades, tendo em Rio Grande da Serra, a menor presença (1,30%).

No caso das “religiões afro-brasileiras” (candomblé e umbanda), embora em proporções percentuais muito menores, seguem, em termos de representação nos municípios, a mesma lógica do kardecismo. No caso das religiões orientais, a cidade que se destaca é São Bernardo do Campo (0,79%) em oposição a Rio Grande da Serra com 0,33%. Aliás, em São Bernardo do Campo se destaca também o islamismo. Não que apresente um percentual expressivo, mas, com 0,17%, é praticamente o único município da região, à exceção de São Caetano do Sul (0,05%), em que o grupo religioso aparece. No caso dos grupos religiosos que aparecem com percentuais pouco representativos – o que é uma realidade nacional – sofrem com a dificuldade do IBGE em captar a dupla ou tripla pertença. Muitos de seus adeptos pertencem, concomitantemente, a outros grupos, mas, no momento de responder ao Censo preferem se assumir, por exemplo, como “católicos”, mesmo não sendo praticante.

Indagou-se, acima, que tipo de relação haveria entre a pertença religiosa e a situação, em termos de vulnerabilidade social, em que o indivíduo se encontra. Os dados apresentados demonstram que não há uma relação direta entre determinadas condições sociais e o fato de ser ou não religioso. Entretanto, indicam que pode existir afinidade

entre grupos religiosos (seus elementos doutrinários e litúrgicos) com a forma como se caracteriza a população de uma cidade.

Assim, de tudo o que foi dito, é possível dizer que há grupos religiosos que se afinam melhor com a população das regiões mais “desenvolvidas”, que no Grande ABC se referem a Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e, em certa medida, Ribeirão Pires. Aqui se encontram bairros com melhores níveis de renda e escolaridade, e população com níveis de vulnerabilidade social mais baixos, ou mesmo pouca incidência de vulnerabilidade específica, que atingem jovens e negros. O catolicismo, o kardecismo e os evangélicos não pentecostais estão mais presentes nessa região. São grupos religiosos com maior centralidade na tradição escrita e com cerimônias litúrgicas com menor conteúdo emocional e extático.

Por outro lado, os evangélicos pentecostais, grupos religiosos marcados por uma liturgia emocional (extática) e menos “intelectualizada”, estão mais presentes nas cidades (de Diadema, Mauá e Rio Grande da Serra) em que se encontram situações de maior vulnerabilidade social, como também estão mais presentes os jovens e os negros. Não se trata aqui de relacionar uma liturgia intelectualizada com maior ou menor capacidade intelectual das pessoas de compreenderem a doutrina. Refere-se, tão somente, a exemplo do que acontece com os evangélicos pentecostais, de uma menor centralidade no texto bíblico, no momento do culto. Para os pentecostais, a Bíblia é explicada através da presença do Espírito Santo, cabendo pouco espaço para interpretações “intelectuais”.

O conjunto de informações apresentadas, que situam e relacionam os municípios do Grande ABC num contexto socioeconômico e de pertencimento religioso, nos remete ao tema do campo religioso (BOURDIEU, 1987) – que discutiremos mais detidamente no

quarto capítulo – que nos coloca uma questão: embora haja relativa “autonomia” desse campo no sentido de produzir capital religioso, este não está alheio à conjuntura (econômica, política e social) à sua volta. Há, na realidade social, uma relação de “heteronomia” do campo religioso com outros campos, como o campo econômico ou o

campo político. As condições a que estão submetidas a população de uma cidade ou região

podem influenciar no tipo de “bens simbólicos” que procuram.

Dessa forma, os elementos doutrinários ou litúrgicos, mencionados acima, que caracterizam os grupos religiosos, atendem de maneiras diferentes as também diversificadas “necessidades” que vão se configurando cotidianamente na vida das pessoas (SCHÄFER, 2009). É possível dizer, então, que o campo econômico, ou político,

impactam no campo religioso. Isso ocorre na medida em que certas condições de vulnerabilidade – social ou geográfica – a que estão expostas um determinado grupo de pessoas, contribuem para o tipo de religião que procuram no variado leque de ofertas religiosas.

Os pentecostalismos seriam um exemplo. Pela característica das redes que constroem, seja contribuindo na reestruturação social de pessoas em situação de migração (CAMARGO, 1973 e 1961) ou mesmo atuando em aspectos, como a questão da Saúde, em que o poder público, em muitos casos, não opera, atendem melhor, referente a outros grupos religiosos, as necessidades da população que habita as periferias urbanas (SCHÄFER, 2009), o que explica porque Rio Grande da Serra tenha um percentual expressivo de pessoas adeptas a Igrejas desse campo religioso.

O objetivo desse capítulo foi colocar em relevo a importância, para a região do Grande ABC, de estar situada, territorialmente falando, próximo ao município de São Paulo. Partimos do pressuposto que a metropolização da capital paulista contribuiu para a industrialização e urbanização da região. O desenvolvimento e diversificação dos elementos técnicos científicos (tanto na produção como na informação) e de transporte, como estradas de ferro, autoestradas ou mesmo o Porto de Santos, foram fundamentais para seu crescimento econômico. Contudo, esse não ocorreu de forma equânime, e um conjunto de disparidades (em termos de estrutura urbana) demarcam diferenças entre os municípios. Até então, mesmo as “articulações regionais” não foram suficientes para diminuir, pelo menos de forma sensível, tais desigualdades.

Atualmente, há grande expectativa por parte de lideranças políticas, o que inclui Rio Grande da Serra, acerca dos fóruns regionais, como o Consórcio Intermunicipal, naquilo que podem significar em termos de contribuição política e econômica para seus municípios. Vale ressaltar que, em termos de regionalidade, abordamos a questão da economia solidária que para o município, possuidor de importante capital ambiental, configura uma alternativa sustentável de geração de emprego e renda. Por fim, analisamos o contexto religioso na região do Grande ABC. Há evidências que as desigualdades socioeconômicas marcam diferentes maneiras de vivenciar a pertença religiosa e, cada uma das redes religiosas atende, ao seu modo, as diversificadas demandas existentes na região do Grande ABC.

Capítulo 2

Produção social do espaço nas periferias urbanas: redes

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