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Migração: fluxo de capital e fluxo de pessoas

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Produção social do espaço nas periferias urbanas: redes religiosas, e migratórias, no município de Rio Grande da Serra.

2.3 O processo migratório em Rio Grande da Serra

2.3.1 Migração: fluxo de capital e fluxo de pessoas

O crescimento das cidades, fortemente atrelado à industrialização, fomentou um mercado importante de bens e serviços, além de novas técnicas produtivas, associadas a uma maior divisão social do trabalho. Concomitante a isso, houve a ampliação das redes de transporte e comunicação, constituindo espaços de maior “aglomeração” (SINGER, 2002; SANTOS e SILVEIRA, 2006). Esse conjunto de coisas impôs, nas cidades que cresciam, a necessidade do aumento do contingente de pessoas. Dois processos estão fortemente relacionados a isso: a migração interna, com o êxodo do campo para a cidade aliado ao fluxo de pessoas entre os estados brasileiros, e a imigração estrangeira (DURHAN, 1973).

Crescimento urbano e industrialização ocorreram de maneira significativamente intensa no eixo Sul-Sudeste. A migração, em especial a nordestina, para esse circuito foi notável.76 Conforme mencionado anteriormente, a região Nordeste (mormente o agreste

nordestino), pela falta de investimentos em polos industriais, infraestrutura e serviços, se tornou uma região sujeito a emigração notadamente pelo fator “estagnação”. Por outro lado, entre as décadas de 1930 e 1960, determinadas regiões ou polos industriais se tornaram importantes no contexto nacional passaram a ser centros de atração de pessoas. São Miguel, na zona leste de São Paulo, e o Grande ABC, são exemplos no Estado de São Paulo.77

Cabe ressaltar que muitos dos que vieram para cá, não o fizeram de forma espontânea, mas, através de “redes” de agenciamento (FONTES, 2008). O deslocamento de pessoas nem sempre é uma decisão individual. Muitas vezes é motivada pelas necessidades de classe (SINGER, 2002). Não somente nordestinos foram para São Miguel, no entanto, é inequívoco que os migrantes, dali oriundos, contribuíram para que a região se tornasse conhecida como um “nordeste” em São Paulo (FONTES, 2008).

A partir da década de 1950, e principalmente entre os decênios 1970-80, ocorreu o auge da migração. Neste último período, migraram 1.255.890 nordestinos para o estado

76 No período de 1879-1912, houve também migração em direção à região Norte, no chamado “ciclo da

borracha” (BRAIDO, 1980).

77 Estudos sobre a migração nordestina na região de São Miguel paulista indicam o protagonismo da

indústria “Nitro Química”, fundada em 1937 (FONTES, 2008). Durante décadas considerável contingente de migrantes nordestinos trabalhou na indústria que se tornou conhecida nacionalmente. Sua “fama” deve-se, também, pelos enormes problemas de saúde, aos empregados, decorrente dos produtos químicos que eram parte de sua matéria prima.

de São Paulo. Entre 1981/1991, migraram 1.235.795 (cf. IBGE: censo demográfico (1980; 1991) e PNDA (1995)).78 No mesmo período, o Grande ABC recebeu um elevado

contingente de pessoas que vinham trabalhar nas indústrias, que aumentavam em quantidade e se diversificavam. Isso fez com que se criassem as “cidades-dormitório”.

Registre-se que o processo desencadeou a formação de regiões centrais e periféricas. Boa parte, dos que para essa região migraram, foi morar em favelas ou bairros afastados dos centros. O processo de “favelização” em São Paulo, tanto na Capital, como em toda a RMSP, incluindo o Grande ABC, é algo que deve ser destacado, mas, cabe ressaltar que em meados da década de 1960 toda estrutura urbana era precária, sobretudo as regiões de periferia.79 Formou-se uma classe de trabalhadores, em geral, braçais, mal

remunerados (KOWARICK e BRANT, 1976) e quase sempre destituídos de mecanismo de proteção. As redes religiosas, por vezes, cumpriram esse papel onde as organizações de trabalhadores, muitas vezes, passaram despercebidas. Muitos migrantes, que trabalharam nas indústrias da região do ABC, por falta de conhecimento do movimento sindical da região, pouco contato tiveram com as lutas sindicais (BARRERA, 2012).

O processo migratório, por tudo o que representou (e representa) para parcela não pouco significativa da população brasileira, não deve ser “reduzido”, para efeito de análise, a uma decisão individual, mas considerado a partir de motivações coletivas ou de classe. Invariavelmente, está relacionado às formas como o “espaço” foi organizado em termos econômicos, o que inclui, entre outras coisas, processos produtivos (SINGER, 2002; SANTOS, 1979; SANTOS e SILVEIRA, 2006).

Nesse sentido, as migrações, principalmente as “internas”, estão historicamente condicionadas a processos globais de mudança – sejam econômicos, políticos ou sociais (SINGER, 2002). As pessoas migram porque se veem “obrigadas” a isso. Existem, evidente, as decisões individuais. Contudo, no âmbito desse estudo, desejamos compreender as motivações que levam as pessoas a se deslocarem por falta de opção.

78 Ressalte-se que a partir da década de 1990 a taxa de migração nordestina para São Paulo decai. Nos anos

seguintes se observa a diminuição na taxa de migração, como também o fenômeno do retorno, que precisa ainda ser mais bem avaliado (CUNHA, 2005; CUNHA e DEDDECA, 2004).

79 Em meados da década de 1960, quando grandes contingentes de pessoas vinham para a Capital, ou

Região Metropolita, a infraestrutura urbana apresentava-se muito precária. Dos oito mil quilômetros que formavam a “rede de circulação de tráfego local”, apenas 40% eram pavimentadas. Cerca de meio milhão de pessoas moravam em residências sem “iluminação elétrica”. Somente 30% dos domicílios tinham “rede de esgoto” e 53% “abastecimento de água”. Nas regiões de periferia a situação era ainda mais precária. Somente 20% da população tinham “rede de esgoto” e 46% “abastecimento de água” (KOWARICK e BRANT, 1976).

Nesse caso, as migrações refletem muito mais a precariedade da situação que encontravam nos locais de origem, do que necessariamente o “puro” desejo de migrar.

A concentração (em determinadas regiões) de estruturas produtivas e comerciais, como vimos, estabeleceu diferenças regionais, configurando regiões de “expulsão” ou de “atração”. É verdade, no entanto, que uma mesma região pode reunir, por um conjunto de fatores, as duas características. A capital de São Paulo é um exemplo. Embora continue recebendo migrantes, principalmente, nas regiões de “fronteira urbana”, testemunha o processo de “emigração”, por parte de sua população, para o interior, ou mesmo para outros Estados (SINGER, 2002; TORRES, 2004).

Migração e redes religiosas

O processo migratório não se constitui, tão somente, do deslocamento de pessoas. Em seu bojo, engendra o movimento de universos culturais e simbólicos. Ao se deslocar, de uma região à outra, é natural que os migrantes levem consigo, suas crenças religiosas. Essas, evidentemente, serão colocadas em contato com outras formas de crer, outros universos simbólicos, e, por essa razão, mudanças ou ressignificações podem ocorrer. Contudo, carregar ao local de destino aquilo que mantém vivo, mesmo que temporariamente, os elementos simbólicos geradores de sentido, é fundamental para o processo de readaptação cultural. Apresentamos dois exemplos para ilustra essa ideia.

Entre os anos de 1870 e 1920, ingressaram, no Brasil, aproximadamente 1,4 milhões de italianos. Cerca de 70% se dirigiram para o estado de São Paulo. As regiões Sul e Sudeste foram as que mais receberam, para lavouras de café, esses imigrantes. Há o destaque, nessas regiões, para a proliferação de associações esportivas, ou de socorro mútuo (COLOGNESE, 2004). O que se quer dar ênfase é a importância da sociedade da

capela. Apesar de seu caráter religioso, não se restringia às missas, embora fosse elemento

importante, considerando a forte religiosidade católica entre italianos.

Em torno da “capela” se formavam sociedades, lideradas por leigos, que organizavam eventos religiosos, esportivos e recreativos (COLOGNESE, 2004). Os italianos, no começo do século XX, tinham mais identificação com suas comunidades ou vilarejos, do que propriamente com a nação italiana (FOERSTER, 2010). Isso reforça a

importância dessas associações, pois, se constituíam respeitando os elementos culturais de cada grupo, ao mesmo tempo em que facilitando a adaptação do imigrante no Brasil.

Em pesquisa sobre a imigração boliviana, em São Paulo, Silva (2003) analisa o tema das “festas religiosas” entre os imigrantes, o que possibilita o exame das redes – familiares, de vizinhança ou religiosas – formadas em torno desse grupo. Considerando a religiosidade dos povos andinos – o que inclui a Bolívia –, cuja devoção à Pachamama (Mãe Terra) é um elemento central, as festividades são um componente fundamental para a reorganização sociocultural dos migrantes bolivianos em solo brasileiro.

Num contexto de hibridação entre o catolicismo e a cultura andina, com elementos que se expressam através das orações, danças e da comensalidade (oferendas), que se referem a formas de agradecimento, os bolivianos vivenciam, assim, sua experiência cultural e religiosa. Ressalte-se que as festividades possibilitam, para o imigrante, expressiva “troca simbólica”, pois, mesmo estando longe de seu país de origem, se sentem, pelas oferendas destinadas, protegidos por Pachamama.

Esses exemplos evidenciam a importância que as redes religiosas têm no contexto migratório, especialmente como elemento de reorganização social. No terceiro capítulo voltaremos, de forma mais detida, ao tema do associativismo, analisando os elementos materiais e simbólicos envolvidos.

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