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Industrialização e desigualdades socioeconômicas no Grande ABC

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Rio Grande da Serra e o Regionalismo

1.1 A industrialização no Grande ABC

1.1.3 Industrialização e desigualdades socioeconômicas no Grande ABC

Se a industrialização na região do Grande ABC produziu riquezas, gerou desigualdades, o que é evidente quando se compara a situação socioeconômica dos sete municípios. Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul foram as três primeiras cidades da região a ganharem autonomia político-administrativa, o que aconteceu entre as décadas de 1930 e 1940. Foram as que primeiro e melhor se industrializaram, o que não ocorreu aleatoriamente. Estas três localidades foram beneficiadas por fatores determinantes, descritos abaixo.

A proximidade com a capital do Estado é um deles. Na realidade, o eixo Santo André-São Caetano do Sul serviu de cidade-dormitório para a cidade de São Paulo que já estava em respeitável estágio de metropolização (KLINK, 2001). Outro fator foi a

17 Além das seis grandes Montadoras e um Pólo Petroquímico com Refinaria e 11 empresas de química fina,

há um setor industrial com aproximadamente dez mil empresas (Revista MÊS, 2009).

18 A população do Grande ABC gira em torno de 2,6 milhões de habitantes, e está entre os quatro maiores

proximidade com estações ferroviárias (no caso de Santo André e São Caetano do Sul), o Porto de Santos e autoestradas (no caso de São Bernardo do Campo). Além das questões “comerciais” envolvidas, também o fluxo de uma classe média que se dirigia para o Grande ABC, atraída pelo aumento das relações de São Paulo com seu em torno, contribuíram por uma maior demanda por transportes.

O desenvolvimento das sete cidades do Grande ABC

Entre o final do século XIX até 1938 a região que compreende o Grande ABC chamava-se Freguesia de São Bernardo do Campo (controlada pela cidade de São Paulo). Em 1938, essa região passou a se chamar Santo André da Borda do Campo, e São Bernardo seu subdistrito. No ano de 1944, a região se dividiu entre as cidades de Santo André e São Bernardo do Campo (KLINK, 2001). São Caetano do Sul, inicialmente, se manteve como distrito de Santo André. Ao longo do tempo as demais cidades se emanciparam. Rio Grande da Serra, faria o mesmo entre 1963 e 1964.

Santo André, nas primeiras décadas do século XX, parte da Freguesia de São Bernardo, já se destacava como um polo industrial da região.

O bairro da estação [região que compreende o atual município de Santo André], nesse momento, destacava-se como o principal polo industrial do município de São Bernardo, atraindo fábricas de diversas modalidades e um operariado proveniente do interior do Estado. A proximidade com a estação, as terras planas do vale do Tamanduateí e os estímulos fiscais contribuíram muito para o desenvolvimento de Santo André (...) (FSEADE/PERFIL HISTÓRICO, SANTO ANDRÉ).

Antes mesmo da região do Grande ABC assumir a dimensão conquistada nos anos 1950, Santo André já possuía um, não desprezível, aparato industrial configurado, em grande parte, no ramo têxtil. Também foi palco de lutas operárias num período (antes da Era Vargas) em que havia relativa autonomia da classe trabalhadora (FRENCH, 1995). Atualmente Santo André representa, em termos demográficos e orçamentários, o segundo maior município da região, atrás somente de São Bernardo do Campo. Além das indústrias (com destaque para as automotivas e têxteis), se caracteriza por uma cidade prestadora de serviços, possuindo, ainda, um variado comércio (DANIEL, 1996).

No que diz respeito à infraestrutura urbana e equipamentos públicos, esses atendem melhor as regiões centrais (centro e bairros nobres) do que a periferia da cidade, formada por favelas e bairros afastados do centro.19 Na década de 1990, tem início um processo de

urbanização de favelas (DENALDI, 2004; PAVEZ, 2005).20 O município fundou a

Empresa Municipal de Habitação Popular e construiu unidades com materiais alternativos iniciando o programa de urbanização. Em 1991 criou as Aeis21 para regularizá-las

(BALTRUSSIS, 2007). Apesar disso, permanecem as diferenças, em termos de serviços públicos, entre os bairros ricos e pobres da cidade.22

O município de São Bernardo Campo,

[em 1938] foi reconduzido a distrito do município de Santo André, que tinha, na época, maior importância econômica e política. Adquiriu autonomia municipal em 30 de novembro de 1944, marcando o período em que São Bernardo iniciaria a sua escalada de industrialização - e que culminaria com a instalação do maior parque automobilístico do País nas décadas de [19]50 e [19]60 (FSEADE/ PERFIL HISTÓRICO, SÃO BERNARDO DO CAMPO).

Como já destacamos, anteriormente, São Bernardo do Campo se beneficiou por sua proximidade com o Porto de Santos, tendo a Via Anchieta, nesse contexto, papel preponderante. A quantidade de terras disponíveis foi, também, um fator importante para que recebesse as principais indústrias automobilísticas do país. Comércio e serviços estão, atualmente, presentes em grande quantidade. Entretanto, mesmo tendo significativa capacidade orçamentária possui, apesar dos bairros nobres, uma grande periferia. Aliás, possui a terceira maior área de favelas (5 km) da RMSP (BARRERA, 2012). Em uma análise comparativa, de práticas religiosas evangélicas, entre a favela do “Areião” (no bairro Montanhão) e o bairro de Rudge Ramos, Barrera (2012) demonstra as diferenças, não pouco significativas, de “condições sociais” expressas na infraestrutura e equipamentos urbanos, entre os dois locais. São Bernardo do Campo, assim como Santo

19 Em 2000, aproximadamente 20% do total da população do Município de Santo André, 132 mil pessoas,

moravam em 139 núcleos de favela (DENALDI, 2004).

20 Uma primeira experiência, em urbanização de favelas, em Santo André já havia ocorrido na década de

1970, organizada por um líder da Igreja Católica, o padre Rubens (BALTRUSSIS, 2007).

21 As Áreas Especiais de Interesse Social (Aeis) fazem parte de um conjunto de instrumentos urbanísticos

que objetivam democratizar o acesso à terra urbana, bem como criar instâncias de gestão participativa no planejamento urbano de nossas cidades (ibidem).

22 Em Denaldi (2004) é possível observar os avanços, mas, também, os limites e desafios no processo de

André iniciou programas de urbanização de favelas na década de 1990 (BALTRUSSIS, 2007).

No que se refere ao município de São Caetano do Sul,

[quando] São Bernardo foi reduzido a distrito do então município de Santo André, houve um rearranjo administrativo e, em 30 de novembro de 1938, São Caetano passou a ser a 2ª zona distrital de Santo André. A expansão geográfica e principalmente o processo de industrialização, de toda aquela região, concorreram para que se tornasse, em 30 de novembro de 1944, 2º subdistrito de Santo André. Obteve, em 24 de dezembro de 1948, autonomia político-administrativa e sua denominação atual (FSEADEA/ PERFIL HISTÓRICO, SÃO CAETANO DO SUL).

Observa-se que a região, em que se encontra atualmente o município de São Caetano do Sul, já estava inserida no contexto de industrialização, que embora incipiente na época, fez de Santo André e São Bernardo do Campo regiões desenvolvidas. Entre as principais indústrias em São Caetano está a General Motors. Comparado aos outros dois, é um município territorialmente menor, possuindo, no entanto, um dos índices socioeconômicos mais destacados do país. Seu tamanho e localização contribuíram para que, nos processos de maior valorização imobiliária, momento em que parcela da população é empurrada para regiões afastadas, tivesse poucos espaços para a “formação” de periferias.

Quisemos destacar, ao abordar (de forma breve) o desenvolvimento das três cidades que deram origem à região do Grande ABC, que um conjunto de fatores cooperou para seu desenvolvimento econômico. A localização territorial foi um deles. É preciso considerar que isso garantiu à região, em detrimento de outras, maior investimento do poder público (inclusive Estadual e Federal) – explicado pela localização privilegiada à instalação de indústrias – o que por sua vez impactou, entre outras coisas, em sua valorização imobiliária.

Conquanto o assunto ligado à valorização da terra (ou questões habitacionais), não tenha sido, até então, objeto de análise, uma questão se apresenta e tem relação com as “desigualdades” produzidas pelo processo de industrialização no Grande ABC. Por que algumas cidades construíram um vigoroso parque industrial e outras não? Sem a pretensão de responder, de forma conclusiva, a essa pergunta, discutiremos, a seguir, o papel que as “cidades-dormitório” tiveram na região, especialmente para os migrantes que vieram

trabalhar nas indústrias, mas, não puderam pagar pela valorização imobiliária imputada às cidades que, nesse processo, se tornaram centrais.

Cidades-dormitório numa região industrializada

O conceito de cidade-dormitório surge, nos anos 1950, nos EUA e em países da Europa com a migração das pessoas do centro das cidades para os subúrbios em busca de qualidade de vida. Está, ainda, associado ao crescimento da população dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, que levou à construção de novas áreas residenciais para atender o crescimento da demanda por moradias. O surgimento das cidades- dormitório foi acompanhado pela criação de uma vasta rede de autoestradas e trens nesses países que levavam os trabalhadores para o trabalho e, depois, de volta para as casas.23

Muito embora os municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra almejem, de maneiras específicas, novos patamares em termos de desenvolvimento econômico, possuem algo em comum. Foram, nas décadas em que a industrialização teve seu boom no Grande ABC (entre 1950-1970), cidades que serviram de “moradia” para os migrantes que vinham de várias regiões do país, trabalhar nas indústrias.

Diadema, por exemplo,

durante muito tempo, foi considerada uma cidade-dormitório, e seu processo de ocupação seguia o clássico padrão de expansão periférico. Terrenos baratos, sem nenhuma infraestrutura em loteamentos irregulares, serviram de abrigo para a mão de obra de trabalhadores das indústrias da região sul de São Paulo e do Grande ABC, principalmente para a recém-criada indústria metalúrgica automotiva de São Bernardo do Campo (BALTRUSSIS, 2007, p.335).

A Rodovia dos Imigrantes (na década de 1970) trouxe, para a cidade de Diadema, indústrias de pequeno e médio porte. Estas serviram de apoio à forte indústria metalúrgica da região, especialmente São Bernardo do Campo. Com isso, a terra passou a se valorizar limitando loteamentos legais para população de baixa renda,24 o que colaborou, com o

crescimento populacional expressivo nas décadas de 1970 e 1980, para a formação das favelas na cidade (BALTRUSSIS, 2007). Com a instalação de indústrias de grande porte,

23 As informações sobre cidade-dormitório (conceito e surgimento) foram retiradas da Wikipédia.

24 Isso porque os preços subiram e porque o Plano Diretor demarca 70% das áreas livres para a implantação

de indústrias. .

a cidade conseguiu alterar o quadro que até final de década de 1980 era de muita precariedade e violência,25 se transformando em um polo industrial. A partir de 1983 tem

início o processo de urbanização de favelas na cidade,26 se valendo das Áreas Especiais de

Interesse Social (Aeis). Atualmente é considerada a “cidade da beleza” em referência às indústrias de cosmético na região (Revista MÊS, 2009).

Para o município de Mauá, a situação não foi diferente. “(...) o principal motivo para a ocupação desordenada da cidade foi o processo acelerado de industrialização em todo o ABCD na década de 1950. Na época, Mauá funcionava como cidade-dormitório para trabalhadores de outras cidades da RMSP” (ABCDMaior, 19/04/2009). A cidade, que também viu expressivo crescimento de favelas,27 especialmente as de pequeno porte – e da

mesma forma, empreendendo esforços para urbanizá-las (BALTRUSSIS, 2007) –, possibilitou melhorar sua condição econômica através do polo petroquímico e cerâmico na região (MÊS, 2009).

Com relação ao município de Ribeirão Pires,

[o] desenvolvimento [industrial no Grande ABC] pouco afetou o perfil econômico do município, tendo em vista sua localização afastada e a topografia acidentada. Foram instaladas poucas indústrias (...) [predominando] o setor de produção de móveis, alimentos e componentes eletrônicos. Os efeitos do crescimento regional no município foram sentidos apenas posteriormente, através do aumento da população de trabalhadores das indústrias da região, que passaram a ocupar loteamentos precários implantados anteriormente ao redor do centro histórico, transformando Ribeirão Pires em cidade-dormitório (site da prefeitura de Ribeirão Pires, 2013).

Ribeirão Pires possui uma vasta vegetação e beleza natural. Na década de 1970, se enquadrou na legislação de Proteção aos Mananciais, o que limitou a instalação de indústrias, contribuindo para a condição de cidade-dormitório. Atualmente, se qualifica com uma estância turística. Aos espaços naturais, que permitiram a construção de mirantes (Morro de Santo Antônio e Morro de São José), se somaram espaços turísticos como a Vila do Doce e o Festival do Chocolate. O município tem buscado a renovação na arrecadação de impostos e parcerias com iniciativa privada (Revista MÊS, 2009).

25 Até 1990, somente 10% das ruas eram asfaltadas, e os serviços de água e esgoto não atendiam a 30% dos

domicílios (BALTRUSSIS, 2007). .

26 Diadema, em 1990, foi o primeiro município a conseguir o registro do contrato de concessão no Cartório

de Imóveis em nome de todos os moradores (BALTRUSSIS, 2007).

.

27 Duas favelas em Mauá, Chafik/Maluco (Zaíra) e Jd. Oratório, estão entre as maiores do Estado de São

Rio Grande da Serra reproduz, sem grandes diferenças, a situação dos municípios anteriormente citados. Tornou-se, no período de industrialização na região, também uma

cidade-dormitório. Cabe frisar que, em 1976, a cidade foi inserida na Legislação de

Proteção de Mananciais, o que não lhe permitiu instalar indústrias poluentes. O período, entre as décadas de 1950 e 1980, marca no país um intenso processo migratório em direção a São Paulo e para seu em torno industrializado. O Grande ABC, por sua vez, recebeu um grande contingente de migrantes. Vindos, em sua maioria, do Nordeste brasileiro – especialmente das regiões de intensa “estagnação econômica” (SINGER, 2002) – em busca de trabalho. Os migrantes tiveram papel fundamental no crescimento da região. Além de trabalharem nas indústrias e comércio, foram fundamentais na construção civil.

Entretanto, a migração no Grande ABC, além de um fato social de grande relevância – pois denota o deslocamento “volumoso” e “involuntário” de pessoas de uma região para outra (SINGER, 2002; FONTES, 2008) –, é importante para a presente análise porque põe em relevo, no que diz respeito ao processo de industrialização, um elemento central que é a forma desigual como o desenvolvimento socioeconômico da região impactou em cada uma de suas cidades. Isso se dá por várias razões. Primeiro porque a industrialização não ocorreu de forma proporcional em todo o território do Grande ABC. Isso subdividiu a região em “cidades industrializadas” e “cidades-dormitórios”. Os migrantes vinham para trabalhar nas indústrias da região, mas, não moravam, necessariamente, nas cidades em que trabalhavam.

A valorização imobiliária produzida, ao longo do tempo, não permitiu que parcela da população, impossibilitada de adquirir casa própria, ou mesmo pagar aluguel, se mantivesse nas regiões centrais. O resultado é que um contingente grande de pessoas foi habitar as favelas e periferias que aos poucos foram de expandindo. Muitas dessas regiões eram loteamentos ilegais (em muitos casos, região de mananciais) o que pressupõe “autoconstrução”, além de total falta de infraestrutura urbana e equipamentos públicos. Para agravar a situação, é preciso lembrar que parcela dos migrantes, por falta de qualificação ou mesmo vaga de trabalho, não conseguia emprego (SINGER, 2002). Esses engrossaram as fileiras daqueles que foram para as regiões mais afastadas.

A situação das regiões pouco industrializadas, com menor investimento do poder público, foi se agravando porque, devido à menor valorização imobiliária, se tornou um refúgio aos que não tinham para onde ir. Para os municípios de Santo André, São

Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, isso representou o surgimento e desenvolvimento de regiões periféricas, localizadas em partes específicas da cidade. O impacto para Rio Grande da Serra deve ser analisado a partir de outro contexto. A cidade, em todo o seu território, abrigou parcela grande de população que, por falta de escolha, foi obrigada a ocupar regiões menos centrais.

1.2 Rio Grande da Serra e as articulações regionais no Grande ABC

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