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O V EREADOR F RANCISCO G OMES B RANDÃO

A RENÚNCIA DO I MPERADOR

Pouco tempo depois de o último dos Bourbon ser, definitivamente, varrido de cena, a população do Rio de Janeiro começava se perguntar o porquê de os navios franceses não mais chegarem aos portos brasileiros arvorando o estandarte branco com a flor-de-lis, símbolo da monarquia restaurada. Ao invés dele, traziam agora a bandeira azul, branca e vermelha da Revolução...588

Para os mais ou para os menos curiosos, os esclarecimentos não demoraram a chegar. Segundo Marco Morel, a notícia de que súditos descontentes haviam conseguido, à base do grito e da força, destronar um governante que encarnava o

585

LACOMBE, Américo Jacobina. “O Visconde de Jequitinhonha...”, p. 93. 586

Segundo Hélio Vianna, Montezuma passara aquele tempo mergulhado no estudo das ciências naturais, da medicina e do direito. Cf: VIANNA, Hélio. “Francisco Gê Acaiaba de Montezuma...”, p.113. 587

Voltaremos a este ponto no Capítulo 8. 588

161 espírito do despotismo fez com que, em diversas cidades brasileiras, ocorressem festejos pela queda do monarca francês, “com alusões pouco sutis ao imperador do Brasil”.589

Na realidade, e conforme assinala Keila Grinberg, desde pouco depois da partida de Francisco Montezuma, ainda em fins de 1823, a forma como a própria Constituição havia sido posta em vigor, “inclusive com o levantamento de suspeitas” contra todos aqueles “que se negassem a jurá-la publicamente ou deixassem de gritar vivas em sua comemoração”, já havia servido para desencadear uma forte oposição ao reinado de d. Pedro. Sob sua aparente solidez, o Império ainda se mostrava dividido quanto a uma questão nem tão nova: a das relações de autoridade entre o Rio de Janeiro e os governos provinciais. Sobretudo no norte e no nordeste, havia o receio quanto à perda de uma autonomia recentemente conquistada a duras penas. Era grande o descontentamento com o projeto centralizador garantido pelos dispositivos contidos na Constituição.590

Nesse sentido, nem bem empossados após a reabertura do Parlamento, em 1826, muitos eram os políticos que já se manifestavam pela necessidade de colocar limites ao poder do Imperador. Falavam em fiscalizar os atos do governo. Desejavam obter maior ingerência sobre as grandes decisões.591 Alguns já levantavam a possibilidade de se reformar o texto constitucional. Quem sabe não fosse esta a melhor alternativa para conter os excessos do monarca e equalizar uma série de interesses atropelados pela crescente centralização política e administrativa.

Enquanto isso, uma imprensa até então bastante afetada pelas perseguições políticas que haviam se seguido à Independência e à dissolução da Constituinte ganhava fôlego renovado. Em vários lugares, as páginas dos jornais passavam dar espaço às críticas dirigidas aos ministros e conselheiros do Imperador. Pessoa “sagrada e inviolável”, nos termos da Constituição, d. Pedro estava isento de responder por suas atitudes, o que acabava tornando seus apoiadores um escudo bastante conveniente, mas que vinha apresentando fortes sinais de desgaste. Assim, mesmo que a ameaça de repressão continuasse pairando sobre quem ousasse contrariá-lo ou atacá-lo mais diretamente – quem não se lembrava do destino imputado a José Bonifácio, Francisco

589

Ibidem, p. 18, itálico meu. 590

GRINBERG, Keila. “Constituição”. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Imperial..., p. 170-171, p. 171.

591

BASILE, Marcello . “O Império brasileiro: panorama político”. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 188-301, p. 213.

162 Montezuma e outros Constituintes? –, já não havia barreira forte o bastante para impedir que o soberano começasse a sentir o grande baque.

Nas ruas, a todo instante rompiam discursos de protesto e saudava-se a Independência e a Constituição, como se ameaçadas estivessem pelo Imperador.592 Isolado “num círculo palaciano estreito e conservador”, d. Pedro logo optou por reunir, então, o seu Conselho de Estado.

Era imperativo que se avaliasse as dimensões da realidade que se delineava. E, por isso mesmo, os Conselheiros foram categóricos em seus pareceres. Para a grande maioria, havia motivos de sobra para temer possíveis ameaças à ordem então constituída. Alguns falavam em revolução. Muitos atribuíam à imprensa de oposição o sensível enfraquecimento da imagem do monarca perante a opinião coletiva. Outros jogavam a culpa de toda a tensão na maneira como os acontecimentos ocorridos em Paris haviam repercutido entre diversos setores da população.593 Fosse como fosse, d. Pedro sabia que estava transitando por um verdadeiro campo minado.

Em meados de março de 1831, sobretudo depois de ver as conhecidas rixas entre “portugueses” e “brasileiros” transformarem a cidade num verdadeiro campo de batalha onde “cacos de garrafas eram jogados das janelas e bandos corriam armados de um lado para o outro”594

, o Imperador pressionado decidiu pela convocação de um novo ministério. Para compô-lo, deu preferência a uma geração de políticos nascidos no Brasil, mas já um pouco distinta daquela a que pertencia Francisco Montezuma. Eram, em sua maioria, indivíduos oriundos das províncias do sudeste e ligados à produção e ao comércio de abastecimento da Corte. Homens que, a despeito de sua projeção socioeconômica, só agora começavam a ocupar espaços mais destacados no mundo do

592

BASILE, Marcello . Ezequiel Corrêa dos Santos: um jacobino na Corte imperial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001, p.84.

593

Cf: MOREL, Marco. O período das Regências..., p. 17. 594

RIBEIRO, Gladys. A liberdade em construção..., p. 359.

Os três dias de conflitos envolvendo “portugueses” e “brasileiros” e que tiveram na chamada “noite das garrafadas” o seu momento mais lembrado haviam acentuado ainda mais aquilo que Ivana Lima chamou de “relação entre violência política e construção de identidades” (LIMA, Ivana Stolze. “As rusgas da identidade. Rio de Janeiro, 1831-1833”. In: Acervo. Rio de Janeiro, vol. 15, nº. 1, p. 23-37, 2002). De um lado, “portugueses“ prestavam homenagens ao Imperador acendendo fogueiras, soltando fogos de artifício, e entoando diversas canções. De outro, “brasileiros” incomodados com cenas feito aquelas e munidos de chuços e pedaços de pau aproximavam-se gritando em favor da Constituição, da Assembleia Geral, e mesmo do Imperador, embora reforçando: “enquanto constitucional”. (ARMITAGE, John. História do Brasil, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/Itatiaia, 1981, p. 249, grifo meu).

163 governo. Compunham, já naquela época, uma parcela expressiva dos novos Deputados que então engrossavam as fileiras da oposição.595

Mas a medida não vigorou por muito tempo. Sentindo-se acuado, o monarca achou por bem promover, bem depressa, uma outra mudança de gabinete. Agora, os novos ministros eram escolhidos entre os homens que gozavam de sua mais plena confiança. Todos com título de nobreza. Bem à maneira do Antigo Regime.596 Cresciam os boatos acerca de uma possível dissolução do Congresso.

Sobretudo a partir daquele momento, os diferentes grupos contrários ao governo começaram a somar esforços e a tornar bastante complicada a situação do Imperador. Na manhã do dia seis de abril, uma multidão aglomerou-se no Campo de Sant’Anna, considerado “palco habitual das manifestações públicas da cidade”.597

Exigindo a restituição do antigo ministério e em meio a discursos inflamados contra as arbitrariedades do monarca, “povo” e “tropa”, segundo os termos da própria época, “empurraram o governante supremo contra a parede”.598

Sem o aparato militar no qual havia se apoiado em 1823, na madrugada do dia sete d. Pedro respondeu à crise abdicando do poder em favor do filho, que então contava apenas cinco anos de idade.599

Enquanto isso, Francisco Montezuma mantinha-se atento às novidades que constantemente lhe chegavam. E, provavelmente, nem mesmo sua permanência no exílio deixava aquela trama menos excitante de ser acompanhada. Havia, é claro, a lentidão com que cada capítulo ia parar em suas mãos. No mais das vezes, eram-lhe apresentados sob a forma de notícias e outros comentários volta e meia veiculados nos jornais.

De uma certa forma, é provável que isso tornasse duas vezes mais incômoda aquela tal preocupação das autoridades estrangeiras em mantê-lo, tanto quanto possível,

595

Cf: BASILE, Marcello. “O Império brasileiro...”. 596

MOREL, Marco. O período das Regências..., p. 19; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil..., p. 118.

597

BASILE, Marcello. Ezequiel Corrêa dos Santos..., p. 84. 598

MOREL, Marco. O período das Regências..., p. 19. 599

Nesse sentido, vale reforçar, tal como proposto por Marcello Basile, que o movimento que levou à abdicação do Imperador constituiu-se em “muito mais do que produto de um simples arranjo das elites”. Nesse sentido, seus efeitos resultaram não apenas das articulações forjadas no interior do Parlamento, das sociedades secretas, dos quartéis ou dos círculos letrados. Para além dessas esferas, há que se considerar, também, a “forte pressão” exercida por contingentes sociais muitas vezes excluídos da “participação política”, tomada em seu sentido mais estrito. Cf: BASILE, Marcello. “O Império brasileiro...”.

164 longe de determinados portos e fronteiras.600 De fato, quem sabe o tipo de informação que ele obteria em lugares feito aqueles. E mais ainda: que uso viria a fazer de tudo aquilo que escutasse? Decididamente, era melhor não arriscar.

Mas os tempos estavam mudando. E, no fim das contas, tais malabarismos de nada adiantariam. Afinal, ainda antes que aquela história terminasse, Montezuma se sentiria convidado a mergulhar em suas tramas. E, a partir de então, já não importaria em que pé as coisas estivessem. Logo ele se veria novamente em cena. E com a certeza de que os atores é que determinavam a duração de cada ato. Passemos, pois, nós, ao próximo.

600

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C

APÍTULO

7

D

E VOLTA À CENA