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1 CRÔNICA: TECENDO CONSIDERAÇÕES

1.1 AS INTERPRETAÇÕES DO TEXTO: O IMPLÍCITO E O

1.1.2 A representação

“Escrever não é outra tentativa de destruição, mas antes a tentativa de reconstruir tudo pelo lado de dentro, medindo e pesando todas as engrenagens, as rodas dentadas, aferindo os eixos milimetricamente, examinando o oscilar silencioso das molas de vibração rítmica das moléculas no interior dos aços” (SARAMAGO, 1992, p. 19 - 20).

Não desmerecendo a importância da imagem, a respeito da qual discorreremos no próximo capítulo, temos que a relação dialética em que se encontra o autor do texto verbal está impregnada e infiltrada pelas palavras que a compõe. Dizemos, portanto, que o embate ideológico não acontece apenas pela palavra, mas também no discurso e na leitura através da interpretação do texto pelo leitor.

Assim, a palavra torna-se fundamental para que aconteça o processo de comunicação e a produção de sentido, da qual faz parte e que caracteriza os aspectos centrais de um tecido composto por frases que carregam em si a ideologia do discurso e a manifestação de valores sociais e pessoais (BACCEGA, 1998).

A palavra, seja escrita ou oral, como signo principal da ação humana, traz possibilidades de discussão que permeiam a relação dialética do homem pela subjetividade13, porque quando discorridas em um texto, as palavras formam discursos eminentemente carregados de ideologia14.

De acordo com Baccega (1995, p. 46): “a palavra nunca está sozinha, ela aparece sempre acompanhada por um discurso”, pois é a movimentação desse discurso que faz com que a palavra viabilize novas percepções da realidade, dando continuidade a outros discursos, para o mundo do leitor.

13 “É porque constitui o sujeito, que a linguagem pode representar o mundo: porque falo, aproprio-me da

linguagem, instauro a minha subjetividade e é enquanto sujeito constituído pela linguagem que posso falar, representar o mundo” (BRANDÃO, 1998, p. 37).

14 Considerando a ideologia bakhtiniana, temos que a concepção marxista do termo, lhe permite usufruir de

determinadas afirmações que a a aproximam do contexto da palavra, assim: “logo se vê que não cabe a possibilidade de tratar a ideologia como falsa consciência, ou simplesmente como expressão de uma idéia, mas como expressão de uma tomada de posição determinada”, (MIOTELLO, 2007, p.169), ou seja, são interpretações da realidade social expressas por meio de palavras.

Para Bakhtin (1988a) a definição da palavra se ampara na ideologia que a mesma carrega, porque para o autor, a palavra é a opinião da sociedade e cumpre a função de interação entre os homens. Diz o autor: “a palavra, como fenômeno ideológico por excelência, está em evolução constante, reflete fielmente todas as mudanças e alterações sociais. O destino da palavra é o da sociedade que fala” (BAKHTIN, 1988a, p. 194).

A sociedade aqui é representada por aqueles que promovem a mediação da informação, ou seja, os jornalistas e a imprensa. A palavra atribui a esses, um papel significativo no sentido de estabelecer e dar voz aos anseios da sociedade, principalmente através do texto subjetivo que permeia e caracteriza as crônicas e os comentários.

Os discursos das crônicas são interpretações subjetivas do cotidiano na tentativa de explicar ou descrever e contextualizar, os processos sociais e pessoais pertencentes ao mundo do autor, e conseqüentemente, também do leitor. São plenos de referências e dialéticos por natureza, porque compõem cenários de representação de diferentes interlocutores. Daí a ação da palavra como manifestação social e ideológica, afirmada anteriormente por Baccega (1995) e reafirmada por Bakhtin (1988a).

Percebe-se que há outros diálogos e discursos que permeiam o texto, no intuito de caber nesse tecido, distintas interpretações da realidade feitas por diferentes pessoas, como diz ainda Bakhtin (1988b, p. 138):

a transmissão e o exame dos discursos de outrem, das palavras de outrem, é um dos temas mais divulgados e essenciais da fala humana. Em todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa fala contém em abundância palavras de outrem, transmitidas com todos os graus de variáveis de precisão e imparcialidade. Quanto mais intensa, diferenciada e elevada for a vida social de uma coletividade falante, tanto mais a palavra do outro, o enunciado do outro, como objeto de uma comunicação interessada, de uma exegese, de uma discussão, de uma apreciação, de uma refutação, de um reforço, de um desenvolvimento posterior, etc, tem peso específico maior em todos os objetos do discurso.

Bakhtin (1988b) diz ainda que a fala e a própria vida de uma coletividade, são permeadas pelos discursos de outras pessoas, daí a presença do “dialogismo” na sociedade de hoje:

é necessário observar o seguinte: por maior que seja a precisão com que é transmitido, o discurso de outrem incluído no contexto sempre está submetido a notáveis transformações de significado. O contexto que avoluma a palavra de outrem origina um fundo dialógico cuja influência pode ser muito grande (BAKHTIN, 1988b, p. 141).

O “fundo dialógico” afirmado pelo autor está próximo também à relação dialética propícia de uma realidade em mutação. Esse fundo dialógico, ou como podemos chamar, o “dialogismo”, princípio da palavra, está imbuído de um embate ideológico, em que diferentes visões e opiniões transformam-se mutuamente. Esse discurso, no qual está contida a palavra, possui distintas representações e interpretações em que o homem, ao fazer uso da linguagem verbal e escrita, interage em sociedade.

Dessa forma, o texto se configura como um tecido social interligado com outros textos, para dar forma e significação ao mesmo. A intertextualidade faz sentido quando nos deparamos com outros discursos já expressos e impressos anteriormente, percebidos no discurso do texto que estamos lendo.

Com a crônica não seria diferente, muito pelo contrário. Por ser proveniente de fatos do cotidiano, a subjetividade exacerbada do autor permite que diversos outros discursos sejam percebidos e construam significados na vida do leitor.

Por isso, vamos discorrer em torno da intertextualidade e da polifonia, que estão presentes na linguagem da crônica e da ilustração e que produzem sentido e significado na vida do leitor e porque não dizer, também do autor.